Na sequência das eleições legislativas do passado dia 4 de outubro, e tendo ouvido os partidos com representação parlamentar, indigitei o Dr. Pedro Passos Coelho como Primeiro-Ministro.
Como referi na Comunicação ao País que realizei a 22 de outubro, tive presente, na minha decisão, que nos 40 anos de democracia portuguesa a responsabilidade de formar Governo foi sempre atribuída a quem ganhou as eleições.
Assim ocorreu em todos os atos eleitorais em que a força política vencedora não obteve a maioria dos deputados à Assembleia da República, como aconteceu nas eleições legislativas de 2009.
A este propósito, reitero o que afirmei precisamente nesse ano de 2009, aquando da tomada de posse do XVIII Governo Constitucional: «O Governo que hoje toma posse tem plena legitimidade constitucional para governar. Conquistou essa legitimidade nas urnas».
Na verdade, e de acordo com o nosso costume político-constitucional, sedimentado por sucessivos Presidentes da República, é a força política que ganhou as eleições que deve formar Governo, o qual entrará em plenitude de funções após a apreciação do seu Programa pelos deputados à Assembleia da República.
Tive presente, por outro lado, que, até ao momento da indigitação do Primeiro-Ministro, não me foi apresentada, por parte das outras forças políticas, uma solução alternativa de Governo estável, coerente e credível.
O Governo que hoje toma posse não dispõe de apoio maioritário no Parlamento. Por isso, e na senda dos contactos estabelecidos após o ato eleitoral, deve prosseguir o esforço de diálogo e compromisso com as demais forças partidárias, buscando os entendimentos necessários à salvaguarda do superior interesse nacional.
No momento histórico que Portugal atravessa, o superior interesse nacional é muito claro: devemos consolidar a trajetória de crescimento económico e criação de emprego e preservar a credibilidade externa que, com tanto esforço, conquistámos.
Não podemos regredir num caminho que foi árduo, em que foram pedidos muitos sacrifícios aos Portugueses, e a que estes corresponderam com exemplar sentido patriótico de responsabilidade.
Neste contexto, é imprescindível que não subsistam quaisquer dúvidas sobre a fidelidade do Estado português aos compromissos internacionais que assumiu e às grandes opções estratégicas que nos caracterizam como nação livre e soberana desde os alvores do regime democrático.
A opção europeia, que foi essencial para a consolidação da nossa democracia, é um ativo fundamental da credibilidade do País no plano externo.
Portugal é membro de pleno direito da União Europeia e aderiu desde a primeira hora ao projeto da moeda única. Exige-se ao Governo que agora toma posse que respeite as regras europeias de disciplina orçamental aplicáveis aos países da Zona Euro e subscritos pelo Estado português, nomeadamente o Pacto de Estabilidade e Crescimento, os pacotes legislativos denominados «Six Pack» e «Two Pack» e o Tratado Orçamental, de modo a que Portugal saia rapidamente do Procedimento por Défice Excessivo, reduza o rácio da dívida pública e alcance o objetivo de médio prazo fixado para o défice estrutural.
Exige-se, igualmente, que o Governo respeite os compromissos assumidos pelo Estado português no âmbito da União Bancária, e assegure uma participação ativa e construtiva na negociação da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, de modo a melhorar as condições de competitividade dos produtos portugueses nos mercados norte-americanos.
De igual modo, devemos manter-nos fiéis aos compromissos que contribuem de forma decisiva para o prestígio de Portugal no mundo, com destaque para a nossa presença no espaço da lusofonia e nas organizações internacionais de defesa e segurança coletiva de que fazemos parte.
Senhoras e Senhores,
O Governo que agora toma posse inicia funções num tempo de grande exigência, que requer de todos um elevado sentido de responsabilidade. Ninguém está excluído do dever de atuar de forma responsável, sendo esta uma obrigação que a todos vincula, seja qual for o seu quadrante político ou a sua orientação ideológica.
O percurso que fizemos na sequência do pedido de auxílio externo em abril de 2011, quando o País esteve à beira da bancarrota, ainda não foi concluído. Diversos indicadores dão-nos sinais de esperança e Portugal pôde encerrar, com sucesso, o Programa de Assistência Financeira que estabeleceu com as instituições internacionais para obter os fundos necessários ao funcionamento do Estado e da economia.
Devemos, no entanto, encarar a situação do País com realismo, de forma serena e objetiva.
No próximo ano, o valor dos reembolsos da dívida pública atinge cerca de 18 mil milhões de euros.
A dívida pública situa-se em 128 por cento do Produto Interno Bruto.
O saldo devedor da Posição de Investimento Internacional, ou seja, o endividamento líquido da economia portuguesa em relação ao exterior, corresponde a 116 por cento do Produto.
A taxa de desemprego caiu dois pontos percentuais – menos 108 mil Portugueses desempregados nos últimos doze meses. Mas ainda se encontra a um nível muito elevado, 11,9 por cento da população ativa.
É neste quadro que, a par da consolidação orçamental, o Governo deve enfrentar outros grandes desafios.
Desde logo, importa concretizar uma estratégia de combate ao desemprego e de promoção de justiça social, dando particular atenção aos mais carenciados, aos que mais sofreram os efeitos da crise económica.
O investimento subiu 7 por cento nos últimos doze meses, mas para que a criação de emprego tenha lugar há que acelerar o seu ritmo de crescimento e é fundamental uma aposta forte na competitividade da nossa economia.
Finalmente, devemos consolidar um saudável equilíbrio das contas externas, apoiando a atividade exportadora assente na iniciativa privada. Há que respeitar e estimular os nossos empresários.
Para alcançar estes objetivos, temos de garantir o acesso, em condições comportáveis, a fontes de financiamento para o Estado, para o sistema bancário e para as empresas.
Sem o acesso a meios de financiamento, o Estado terá dificuldade em satisfazer os seus compromissos, o sistema bancário enfrentará sérias dificuldades na concessão de crédito às empresas e estas, por seu turno, não poderão investir na criação de riqueza e de emprego.
O financiamento externo depende da imagem do País no plano internacional. Esta imagem externa depende, por sua vez, do sentido de responsabilidade que os agentes políticos, económicos e sociais demonstrarem no plano interno.
Portugal é hoje um país credível e respeitado, em que muitos desejam investir e os mercados confiam. Não podemos desperdiçar este ativo, que tanto nos custou a conquistar e para o qual a colaboração de várias forças políticas foi fundamental.
Para mantermos a linha de rumo que garante melhores condições de vida para todos os Portugueses, é imprescindível que as medidas a tomar pelo Governo sejam objeto de uma estreita articulação com os parceiros sociais e com a sociedade civil.
Sindicatos e confederações empresariais, associações e instituições de solidariedade, todos devem ser convocados para esta tarefa comum, um caminho de responsabilidade.
Senhoras e Senhores,
Ao longo da nossa História, só conhecemos verdadeiro progresso económico e social quando existiu estabilidade política. Sem estabilidade política, Portugal tornar-se-á um país ingovernável. E, como é evidente, ninguém confia num país ingovernável.
Os Portugueses estão conscientes de que, apesar do caminho feito, nada ainda está garantido. Por isso, manifestaram-se de forma clara e inequívoca no recente ato eleitoral, apoiando por esmagadora maioria a opção europeia com todas as implicações que daí decorrem.
Na verdade, se Portugal não estivesse integrado no espaço da moeda única, se o País não pertencesse à União Europeia, não poderíamos ter contado com a solidariedade das instituições que nos emprestaram 78 mil milhões de euros quando, em 2011, fomos obrigados a formular um pedido de resgate externo para evitar o colapso da nossa economia.
Assim, perante os Portugueses e perante os nossos parceiros da União Europeia, os agentes políticos não devem deixar dúvidas quanto à adesão de Portugal às opções fundamentais constantes do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental e do Mecanismo Europeu de Estabilidade, aprovados por maioria esmagadora dos deputados à Assembleia da República.
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhoras e Senhores,
Reafirmo, uma vez mais, o que disse em outubro 2009 na tomada de posse do XVIII Governo Constitucional, e cito:
«A ausência de um apoio maioritário no Parlamento não é, por si só, um elemento perturbador da governabilidade. A ausência de maioria não implica o adiamento das medidas que a situação do País reclama. Para qualquer Governo, o horizonte temporal de ação deve ser sempre a legislatura».
Retomando essas palavras, quero afirmar-lhe, Senhor Primeiro-Ministro, que pode contar com a lealdade institucional do Presidente da República.
Tendo em conta os resultados eleitorais, assumi a responsabilidade constitucional pela sua indigitação, cabendo agora aos Deputados apreciar o Programa do Governo e decidir, em consciência e tendo em conta os superiores interesses de Portugal, sobre a sua entrada em plenitude de funções.
Obrigado.
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.