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Rio Maior, 3 de fevereiro de 2016 ler mais: Visita às salinas

INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República na Sessão de Encerramento da Conferência “José Medeiros Ferreira - o cidadão, o político, o historiador”
Lisboa, 20 de fevereiro de 2015

Durante dois dias, foram evocadas neste Colóquio a memória de José Medeiros Ferreira e a sua exemplar trajetória de vida.

O Longo Curso, assim se chama o livro com que os seus colegas e discípulos decidiram homenageá-lo, num gesto de inteira justiça.

É também de inteira justiça a realização deste Colóquio. Quero, por isso, saudar calorosamente a comissão organizadora, agradecendo o convite que me dirigiu, e, muito em especial, dirigir uma palavra de profundo apreço aos familiares de José Medeiros Ferreira.

Ao observarmos a sua vida, o longo curso da sua admirável existência, encontramos traços constantes e linhas de força que dão coerência a uma biografia em que o homem público convive com o intelectual, em que o académico e o pensador se harmonizam plenamente com o cidadão militante e interventivo.

Duas características essenciais avultam, creio, na personalidade multifacetada de José Medeiros Ferreira.

Desde logo, o amor ao seu país, o seu patriotismo republicano, qualidade que lhe permitiu ser, em simultâneo, um português açoriano e um europeu atlantista.

Em segundo lugar, o seu amor à liberdade. Espírito livre e independente, José Medeiros Ferreira amava as ideias e o seu debate, desde que feito com elevação e dignidade. Nunca recorreu a ataques pessoais ou à violência verbal para fazer valer os seus argumentos ou pontos de vista, pois estes assentavam no poder da razão e eram fruto de uma reflexão serena e amadurecida.

José Medeiros Ferreira cedo se notabilizou como um defensor da liberdade. Ativista estudantil durante a crise académica de 1962, combatente empenhado contra a ditadura, conheceria as agruras do exílio. De longe, continuou a observar Portugal e as suas sombras. Nesses anos, nunca desistiu de lutar pelo ideal de um país democrático, uma pátria europeia em que ninguém fosse perseguido por aquilo em que José Medeiros Ferreira mais acreditava: a força do pensamento.

Foi um homem de Abril, quer como adversário de todas as formas de autoritarismo, quer como intelectual que nos legou um ensaio histórico pioneiro sobre a revolução dos cravos.

Adquirira o gosto pela História durante a juventude, nos bancos do liceu de Ponta Delgada. Aí começou a construir a sólida e vasta cultura humanística que o iria distinguir durante toda a vida.

A sua ação política integrou o código genético do Estado democrático – o título de outra das suas obras – e José Medeiros Ferreira afirmou-se como um governante notável da jovem democracia, que serviu em momentos difíceis e de grande exigência.

No que respeita às suas qualidades de académico, a vastidão da sua obra e a gratidão dos seus inúmeros discípulos são as provas mais concludentes de que José Medeiros Ferreira foi um universitário que marcou gerações e mereceu o respeito unânime dos seus pares. Na universidade e fora dela, deu um contributo inestimável para a historiografia portuguesa contemporânea e para a reflexão sobre o posicionamento de Portugal no mundo.

Quer como historiador, quer como especialista em questões internacionais, José Medeiros Ferreira conseguiu conciliar a teoria e a prática, aliando a sua experiência política e governativa a análises de impressionante lucidez.

José Medeiros Ferreira foi sempre um homem adverso a dogmas e a lugares-comuns. Num tempo tão dominado pelo acessório e pelo frívolo, escutávamos a sua palavra, mesmo que discordássemos dela, como o produto de uma reflexão própria e autónoma, jamais condicionada por interesses ocasionais ou objetivos políticos imediatistas. Foi essa frontalidade do pensar e essa liberdade de espírito que lhe permitiram escrever de forma tão brilhante e densa sobre Portugal, um país na balança da Europa.

Ao futuro da União Europeia, às encruzilhadas que por vezes a dilaceram, dedicaria um dos seus últimos textos. Pensou o projeto de uma Europa unida sem ceticismos nem ressentimentos, mas também sem ilusões ou falsas esperanças. Esse ensaio situa José Medeiros Ferreira no círculo muito restrito dos grandes intelectuais europeus.

Medeiros Ferreira afirmou-se no espaço público como um pensador realista, que rejeitava utopias fugazes mas não abdicava da capacidade de sonhar. Sonhou com uma Europa mais coesa e unida, mais solidária e fraterna. Sonhou com um país livre e democrático, mas também com uma sociedade mais informada. Após a luta contra o autoritarismo, foi esse o seu grande combate em democracia. Nunca se cansou de pugnar por uma República construída no leal confronto das ideias e por uma cidadania mais participante e ativa.

Após um longo curso, a sua vida seria interrompida quando ainda tanto esperávamos dele.

Muitos dos seus sonhos viram a luz do dia e concretizaram-se. Outros permanecem por cumprir. Eram sonhos de um homem bom, de uma personalidade de caráter e de princípios, que sempre amou o seu país.

Portugal tem uma dívida de gratidão para com José Medeiros Ferreira.

No dia de hoje, devemos honrar a sua memória. Uma memória feliz, feita de independência e de liberdade.

Muito obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.