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30.º aniversário da adesão de Portugal às Comunidades Europeias
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INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República na Sessão Solene Comemorativa do 100º Aniversário do Instituto Superior de Economia e Gestão
Instituto Superior de Economia e Gestão, Lisboa, 23 de Maio de 2011

É com orgulho e também com alguma emoção que me associo a esta cerimónia comemorativa do centenário do Instituto Superior de Economia e Gestão. Faço-o na tripla qualidade de Presidente da República, de Antigo Aluno e de ex-docente.

Quero começar por felicitar a Universidade Técnica de Lisboa, na pessoa do seu Magnífico Reitor, Prof. Ramôa Ribeiro, pela comemoração de oito décadas de existência. A Universidade Técnica congregou e deu um sentido colectivo a um conjunto de prestigiadas escolas superiores que, em diferentes áreas do saber, muito marcaram a formação de várias gerações de portugueses e a vida económica e intelectual do nosso País.

Neste dia muito especial para o ISEG, é com muito gosto que me dirijo a todos que aqui estudam, ensinam, investigam ou prestam o seu trabalho, também para deixar uma palavra de testemunho pessoal da influência decisiva que esta instituição exerceu na produção e difusão do saber e na valorização de muitas gerações de jovens.

Posso dizer que, de uma forma ou de outra, esta escola marcou profundamente as diferentes etapas da minha vida e influenciou muitas das decisões que tive que tomar.

Esta foi a minha primeira Universidade. Nela me licenciei e nela ensinei durante largos anos. Nela fiz amizades que perduram.

Nunca, até hoje, deixei de dar valor ao muito que aqui aprendi e ao gosto que me ficou de aprender sempre mais. É isso que deve ser uma Escola, é esse o maior activo que um jovem pode transportar consigo: o que aprendeu e a capacidade e vontade de mais aprender.

Muito do desenvolvimento e do progresso registados nos diferentes ciclos da vida do País se devem à acção do ISEG, dos seus docentes e investigadores, e à visão dos que nela ocuparam lugares de responsabilidade ao longo destes 100 anos.

Em 100 anos de existência, este Instituto Superior formou, com reconhecidos níveis de excelência, economistas e gestores que são também cidadãos esclarecidos e participantes activos em múltiplas áreas da vida pública portuguesa.

Um dos traços mais característicos do “código genético” desta Escola foi, justamente, o seu intenso envolvimento na dinâmica da sociedade e da economia do nosso País.

Mas a liberdade intelectual foi, também, uma das suas marcas distintivas. Acompanhou sempre de perto a realidade nacional, à luz de uma cultura de permanente abertura e cooperação com a sociedade portuguesa, à qual presta um inestimável serviço, assumindo uma perspectiva abrangente da Economia enquanto ciência social.

O trabalho científico aqui desenvolvido foi inovador e contribuiu decisivamente para a forma de pensar e agir dos decisores económicos e dos agentes empresariais, assim como para a formação de um corpo de análise e de reflexão sobre o desenvolvimento do nosso país.

Em tempo de balanço, que as comemorações sempre implicam, podemos e devemos perguntar-nos, com a redobrada oportunidade do esteio do passado, qual o papel que devem ter os economistas na sociedade portuguesa de hoje?

Esta interrogação recordou-me uma lição de sapiência que proferi em Fevereiro de 1982, precisamente sobre esse tema, e que se encontra publicada na Revista “Economia”. Antecipava-se, então, a segunda vinda do Fundo Monetário Internacional a Portugal, no contexto do acordo de ajustamento que acabou por vir a ser assinado em 1983. E, curiosamente, ao reler o que então escrevi, concluí que muitas das interrogações e das expectativas da altura não perderam a sua actualidade.

Vivia-se uma grave crise económica, marcada pelo desemprego, sobretudo entre os jovens; havia uma grande desigualdade na distribuição da riqueza; era baixa a produtividade da economia e visível a tendência para défices externos insustentáveis.

Se bem que, desde essa altura, muito se tenha evoluído a vários níveis, o facto é que a gravidade de alguns dos velhos problemas que subsistem e dos novos problemas que, entretanto, emergiram exige, mais do que nunca, uma “contribuição decisiva da parte dos economistas”.

Seguirei, pois, de perto, essa minha alocução de 1982, nas palavras que escolhi dirigir-vos nesta data do centenário. A sua actualidade mostra que o tempo tem cadências bem diferentes do que aquela que muitas vezes lhe exigimos.

Referindo-me às responsabilidades dos economistas, afirmei então que estas “surgem ainda maiores se acrescentarmos que uma correcta avaliação dos custos que aqueles problemas representam para a sociedade não pode ficar-se pela consideração de umas quantas variáveis económicas chave, como é corrente nos livros de economia, impondo-se ter presente certas incidências negativas do tipo social e político que, no Portugal de hoje, não devem ser ignoradas”.

E, prosseguindo no tema, acrescentava que “a tomada de medidas para a solução dos problemas económicos constitui a essência da política económica; no entanto, (...) a política económica é feita pelos políticos e não pelos economistas enquanto economistas”. Mas, sublinhava eu, isto não deveria significar um alívio, porque “a credibilidade da profissão seria muito atingida se invocassem uma grande isenção de responsabilidades”.

Perguntava, pois, tal como se pode perguntar hoje: “Qual o papel dos economistas na formulação da política económica? Qual a sua influência sobre as decisões?”

E entendia então, tal como hoje continuo a entender, que cabe aos economistas “convencer os políticos e outros decisores da sua utilidade”; ou seja, “que as decisões económicas baseadas nos seus conhecimentos têm mais possibilidade de acertar do que as decisões baseadas na ignorância”.

Isto, claro, admitindo, como desde logo ressalvei, que não se poderá tomar como modelo um tipo de político como aquele que Keynes descreveu e que, segundo ele, “tinha as duas orelhas tão junto ao chão que não conseguia ouvir o que lhe dizia um homem vertical”.

É que, continuava eu, “assegurar um papel para os economistas significa (...) reconhecer que são eles que trabalham e fornecem os ingredientes com que os políticos fazem a política económica”. Explicitando, de seguida, que “se inclui claramente entre a responsabilidade dos economistas o pronunciarem-se sobre o que deve ser feito”, pois as reformas económicas e sociais de que, - ontem como hoje, acrescentaria -, o País precisa “podem ser produtivas e justas, se feitas da forma correcta, mas também podem ser desastrosas e injustas, se forem erradas”, como em 1982 afirmei.

Quase 30 anos depois, vivemos tempos de grande instabilidade internacional, que abalou muitas das nossas convicções e que rompeu laços de confiança sem os quais será muito difícil reconstruir o caminho para o desenvolvimento.

Numa fase em que, também na vida nacional, a confiança se tornou o factor mais determinante para a retoma da economia, é ainda de plena actualidade a recomendação que então deixei: caso as suas propostas não sejam aceites por quem tem o dever de decidir, o economista não deve resignar-se com facilidade, mas o que “não pode aceitar é trair as regras do método científico e subverter a lógica do seu raciocínio de modo a produzir as conclusões desejadas pelos seus clientes”.

Este ponto é particularmente importante para a credibilidade quer de quem aconselha, quer de quem decide confiado nesses conselhos, uma vez que, como dizia, referindo-me aos próprios economistas, “a sua influência sobre as escolhas não reflecte exclusivamente critérios científicos”.

Retomo, por isso, parte da reflexão que o assunto me mereceu em 1982: “Embora a racionalidade seja o pressuposto básico do economista, a sua intervenção no processo de formulação da política económica não é a de um mero especialista de políticas racionais e neutras. (...) De facto, aos mais variados níveis de actividade do economista estão presentes juízos éticos, que reflectem o seu próprio sistema de preferências (...),” mas “devo acrescentar que não partilho a opinião de que isso implique a perda de racionalidade e do estatuto científico da Economia. Penso, contudo, que é necessário garantir (...) objectividade à análise teórica para que as opiniões económicas não sejam uma simples questão de escolha pessoal (...)”.

Esta percepção reconduz-nos ao papel das escolas de economia no mundo actual e à sua interacção com os decisores políticos ou, melhor dizendo, à preparação dos alunos para a vida profissional e para a intervenção cívica e política.

É que hoje, tal como há 30 anos, “sobressaem dois aspectos fundamentais da formação dos economistas em que cabe à Universidade papel relevante: o do conhecimento científico e o do sistema de valores”.

No domínio dos conhecimentos, exige-se, dizia eu em 1982, “uma formação analítica sólida e actualizada”, capaz de “estabelecer as relações adequadas e de tirar as conclusões lógicas”, bem como uma “formação adequada no domínio de outras disciplinas sociais (...), porque a Economia diz respeito ao homem” e às várias dimensões do seu “comportamento social”.

Por outro lado, acrescentava, os economistas devem saber “actuar numa realidade concreta, a portuguesa, com as suas características particulares (...), muitas vezes ignoradas ao nível de abstracção a que os modelos económicos são desenvolvidos”.

Tudo isto continua válido, se não mesmo reforçado, nos dias de hoje. Mas, se há coisa que mudou profundamente com os meios de comunicação e a rapidez da difusão de mensagens, é que o tempo da acção política encurtou de forma excessiva: as políticas que olham o médio e o longo prazo têm pouca aceitação eleitoral e fraco suporte mediático e o que interessa tende a ser, sobretudo, o que é visível no momento.

Isso condiciona fortemente a acção científica dos economistas, chamados a apoiar os decisores políticos com os seus conselhos, fazendo-os correr um risco sério de abandonar a capacidade de olhar à distância, para fornecer soluções que apenas atendem ao contexto imediato.

Ontem, como hoje, a questão essencial reside na maneira como a ciência e a investigação podem ajudar a compreender o mundo em que vivemos e a tirar partido das oportunidades.

É certo que a informação e o conhecimento circulam de forma acelerada, provocando mudanças tão rápidas que tornam difícil a adaptação das sociedades.

No entanto, revela-se mais importante que nunca preservar a capacidade de reflexão, de medir e prever o longo prazo, de modo a que as instituições não fiquem prisioneiras do imediato.

As instituições universitárias têm, assim, de saber conjugar três tempos, o passado, o presente e o futuro, para que possam, como lhes compete, assegurar a conservação, a transmissão, a produção e a difusão do conhecimento.

Para isso, precisam de independência, autonomia e liberdade, de modo a desenvolverem o pensamento crítico indispensável à evolução da ciência.

O outro aspecto fundamental que foquei na minha intervenção de 1982, que tenho vindo a citar, e que considero de toda a pertinência evocar hoje aqui, é o da importância do sistema de valores que se transmite durante a formação dos economistas. Já então reconhecia que “a Universidade desempenha ou pode desempenhar um papel determinante no estabelecimento da identidade do estudante, de que é componente essencial o sistema de valores que ele compreende, aceita e defende (...), valores que podem vir a exercer uma influência considerável sobre a actividade do economista”.

A universidade é também um meio privilegiado para formar cidadãos livres, participantes e cientes da importância das suas escolhas.

A dimensão e a complexidade dos problemas com que hoje nos confrontamos, as incertezas à escala global mas também o imenso campo de oportunidades e de inovação que se desenham no horizonte próximo exigem, mais do que nunca, que as escolas de economia possam formar “homens que saibam e queiram dar resposta às exigências da sociedade de hoje”.

Sei que o ISEG saberá responder a esse anseio. Ao longo de um século, professores ilustres e todos quantos aqui trabalharam formaram gerações, transmitiram saber, conhecimento e, sobretudo, valores e princípios.

Por isso deixaram inscrito, em cada aluno, o traço inestimável da memória da sua escola.

Foi em reconhecimento público do trabalho e do mérito evidenciados ao longo de um século ao serviço da educação e do desenvolvimento de Portugal que decidi agraciar o Instituto Superior de Economia e Gestão com o título de Membro Honorário da Ordem Militar de Sant’iago da Espada, cujas insígnias terei o gosto de entregar ao seu Presidente, Prof. João Duque.

Faço-o com um sentido pleno de justiça e confirmando a elevada exigência e expectativa que esta condecoração traduz para quem a recebe.

Nos 100 anos do ISEG, felicito vivamente todos e cada um dos que contribuíram para o sucesso desta escola e dos que nela puderam aprender e faço votos para que os seus padrões de exigência e a pluralidade de ensino continuem a incutir nas novas gerações o espírito da liberdade e o desejo do conhecimento.

Muitos parabéns à Universidade Técnica de Lisboa e muitos parabéns ao Instituto Superior de Economia e Gestão.

Obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.