Senhor Secretário de Estado da Defesa e do Mar,
Senhor Chefe do Estado-Maior da Armada,
Senhor Presidente da Associação Comercial Portuguesa e das demais Associações e Confederações aqui presentes,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Gostaria de começar por agradecer a todas as Associações e Confederações empresariais envolvidas a iniciativa de organizar este Congresso dedicado aos portos e aos transportes marítimos, a que conferi o meu patrocínio, por se tratar de um tema que considero de importância fundamental para o nosso país.
Gostaria, também, de expressar o meu reconhecimento pelos esforços que a Associação Comercial de Lisboa tem desenvolvido, sob a condução do Dr. Bruno Bobone, juntando-se a todos aqueles que têm uma noção clara da relevância do mar para a economia portuguesa do futuro.
A recente criação do Fórum das Empresas da Economia do Mar, na linha do estudo encomendado pela Associação Comercial de Lisboa ao Prof. Ernâni Lopes, é, sem dúvida, uma iniciativa muito válida, que irá contribuir, assim o espero, para atrair investimento para o sector marítimo nacional.
Não será novidade para os presentes o meu empenho em chamar a atenção para o facto de Portugal ser um país marítimo, por tradição e pela sua expressiva geografia, mas que, no entanto, não consegue ver o mar como um importante recurso, criador de rendimento e de riqueza.
Em mais de uma ocasião, desde logo no meu discurso de tomada de posse como Presidente da República, e, mais recentemente, aquando das celebrações do 25 de Abril, tenho não apenas dado mostras da minha inquietação pelo alheamento de Portugal relativamente à exploração do mar, mas também insistido na ideia de que o mar deve tornar-se uma verdadeira prioridade da agenda política nacional.
Na verdade, um país que não consegue explorar sustentavelmente os seus recursos naturais é um país que tem um futuro limitado e que se arrisca a acabar por ver esses recursos serem explorados por terceiros.
Acontece que é bem nítida a deficiente exploração económica que fazemos deste valioso recurso que é o mar, pelo menos quando nos comparamos com os demais países costeiros europeus.
De acordo com estudos efectuados pela Comissão Europeia, nos sectores marítimos tradicionais, isto é nos transportes, portos e construção naval, Portugal gera um valor que é mais de três vezes inferior ao valor gerado pela Bélgica, um país que tem apenas 98Km de costa e gera, igualmente, três vezes menos emprego do que a Grécia. A Espanha gera, com o seu “cluster do mar”, sete vezes mais valor do que Portugal. E a Dinamarca, um país com bastante menos população do que o nosso, produz seis vezes mais valor e três vezes mais emprego nos sectores marítimos, do que Portugal.
Esta minha preocupação, partilhada, estou certo, por muitos de entre vós, é tanto mais forte quanto, perante a situação económica do país e a persistência de problemas estruturais na nossa economia, necessitamos seriamente de encontrar novas vias de desenvolvimento económico.
Vias que conduzam a novas oportunidades de negócio e, mais ainda, a novos sectores e actividades económicas, geradores de elevado valor acrescentado, que possam vir a enquadrar sustentadamente aqueles negócios. Os sectores marítimos, que, no seu conjunto, constituem o que se designa hoje em dia por “cluster do mar”, por estarem sub-aproveitados e pelo elevado potencial de crescimento económico que encerram, são, certamente, bons candidatos.
Não podemos ficar amarrados à inércia do passado e limitarmo-nos a fazer mais do mesmo.
Se o desafio é reinventar a nossa economia, produzindo cada vez mais aquilo que o exterior quer comprar e a que atribui valor considerável, que o façamos em sectores em que dispomos de vantagens comparativas. E Portugal, em virtude de excepcionais condicionalismos geográficos e históricos, desfruta à partida, no mundo marítimo, de uma considerável mais-valia: a imagem de marca criada pela percepção positiva que lá fora se tem da nossa ligação com o mar.
Cabe-nos a nós abrir rumos que permitam a exploração cabal do mesmo: com políticas públicas destinadas a fomentar o investimento privado nos sectores marítimos e a tornar esses sectores competitivos com os seus homólogos europeus; com novos investimentos no cluster marítimo; com a incorporação de mais investigação, tecnologia e inovação; com a criação dos necessários factores de organização e de gestão incluindo a formação de recursos humanos adequados.
Todos temos, de facto, uma missão importante, se quisermos dar corpo à visão de Portugal como uma nação economicamente sustentável, também, pela sua geografia e pela grande região marítima de que dispõe. Todos, não só os agentes políticos mas também os senhores, enquanto organizadores que são dos factores económicos necessários ao desenvolvimento das empresas ligadas ao mar.
E é importante que não fiquemos a olhar uns para outros para ver quem começa. Eu, como Presidente da República, já comecei a fazer a minha parte. Aliás, ainda na semana passada fiz questão de visitar a Lisnave, para verificar a sua recuperação e reconhecer a força exportadora dessa grande empresa de reparação naval.
A Associação Comercial de Lisboa também já começou a fazer a sua parte, criando um Fórum que, espero, vos possa ajudar na vossa acção.
Cabe-vos agora não ficar à espera do que o Governo vá fazer ou não fazer.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Embora partilhe da visão de que todos os assuntos do mar são relevantes e estão interligados, sei bem que não pode existir um “cluster do mar” em Portugal se, no seu núcleo, não existir um forte sector portuário e de transportes marítimos. Considero, por isso, esta Conferência particularmente oportuna, tanto mais que é precisamente no sector dos transportes marítimos que a situação é mais crítica.
Por incrível que pareça, Portugal – um país dotado de uma extensa costa e de muitos portos de mar - chegou a um ponto em que, descontando o tráfego com as Ilhas, deixou de possuir uma frota de marinha mercante. Situação tanto mais grave quanto, no futuro, ainda mais do que hoje, se afigura ser importante para o país poder contar com a via marítima para encaminhar as suas exportações.
Na realidade, face ao endurecimento gradual mas crescente da regulação europeia em matéria de transportes rodoviários, Portugal, que exporta uma grande parte da sua produção pelas estradas europeias, tenderá a ser seriamente penalizado.
O transporte marítimo pode e deve ser, no futuro, uma alternativa viável ao transporte rodoviário. Para que isso aconteça, é indicado, em primeiro lugar, tomar as medidas necessárias para promover o transporte marítimo, pelo menos adoptando medidas fiscais similares aos demais países costeiros europeus.
É também necessário que o programa europeu das auto-estradas do mar, que ainda não saiu verdadeiramente do papel, passe a ser uma realidade, e que a União Europeia apoie de forma mais generosa e sustentada estas vias de comunicação intra-europeias, removendo, nomeadamente, o excesso de procedimentos administrativos. Portugal tem tudo a ganhar em influenciar Bruxelas e a Comissão neste domínio.
Importa, finalmente, que os portos nacionais se modernizem ainda mais e que possam praticar na sua generalidade taxas de utilização mais competitivas.
No sector portuário, as notícias são bastante melhores do que no caso dos transportes marítimos. Com efeito, o sector portuário tem dado boa nota de recuperação nos últimos meses.
As notícias que nos chegam de Sines trazem-nos sinais muito positivos. Sines, pelas suas águas profundas, que permitem a entrada e atracagem dos navios de maior porte, poderá vir a tornar-se uma porta atlântica do mercado ibérico.
O Porto de Portimão, por sua vez, tem vindo a atrair cada vez mais navios de cruzeiros. Os números de escalas e de visitantes demonstram que vale a pena apostar em determinados segmentos portuários em função das características de cada porto, e revelam até que ponto o sector do turismo de cruzeiros, que tem demonstrado uma forte dinâmica, pode ser importante para o nosso país.
Mais genericamente, os portos portugueses terão ganho 9 por cento de crescimento no volume de carga transportada durante o primeiro semestre de 2010, tendo Lisboa, por exemplo, registado um aumento de 15 por cento no passado mês de Maio.
No entanto, convém não esquecer que os portos portugueses têm vivido problemas crónicos de organização e competitividade, problemas esses que ainda não estão verdadeiramente solucionados.
Há, ainda, também no domínio portuário, muito trabalho a fazer. É um trabalho importantíssimo, pois os portos são válvulas de comunicação vitais para qualquer economia, e por maioria de razão, para um país atlântico que está separado do centro da Europa pelo território de dois vastíssimos países: a Espanha e a França.
Espanta a muitos, dada a importância estratégica dos nossos portos, que possamos discutir meses e anos a fios o TGV ou o novo aeroporto de Lisboa sem que paremos um pouco para pensar nos portos do futuro.
Nesta perspectiva muito importa que este Congresso consiga identificar um conjunto de soluções concretas que possam ser aplicadas aos sectores dos portos e dos transportes marítimos, impulsionando estas actividades económicas em benefício das empresas e da economia portuguesa no seu todo.
São bem conhecidas as tendências de evolução destes sectores a nível mundial, tal como se encontram bem diagnosticados os pontos fortes e os pontos fracos que Portugal apresenta em matéria de portos e de transportes marítimos.
Fizeram-se, nos últimos anos, estudos importantes, não apenas sobre os assuntos marítimos no seu todo, como foi o caso do Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos e do trabalho desenvolvido pelo Professor Ernâni Lopes, mas também, e em concreto, sobre o sector marítimo-portuário. Chegou o tempo de os aplicar, pelo que espero que o debate de hoje constitua um estímulo forte para passarmos finalmente à prática no que respeita à exploração do mar.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
A ligação de Portugal ao mar assume um especial significado para um país que precisa de se reencontrar consigo e com o seu futuro. O mar é decerto importante por razões económicas, mas também o é pela identidade e pela soberania que confere a Portugal. É por isso que urge passar o debate sobre as políticas de transportes, em particular sobre o transporte marítimo, do nível técnico em que em geral é mantido, para um nível político mais elevado.
Ao abraçar um desígnio marítimo, Portugal poderá reencontrar um rumo que o reconcilie com a sua geografia. Sendo que hoje, talvez mais do que nunca, os Portugueses precisam também de desígnios que lhes dêem maior coesão, maior auto-estima. Estou convicto de que o mar é um deles.
Muito obrigado pela vossa atenção.
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.