Senhor Presidente da Câmara Municipal,
Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Senhoras e Senhores,
Portugal reúne-se de novo em Santarém.
É tempo de celebrar.
Toque o sino da Torre das Cabaças, como era tradição no século XV, convocando a assembleia dos cidadãos escalabitanos.
Portugal vem a Santarém e a capital do Ribatejo acolhe-nos no momento em que completa oitocentos e trinta anos o seu primeiro foral, dado por D. Afonso Henriques à terra onde encontrou o seu “paraíso deleitoso”.
Agradeço a Santarém, agradeço a todos os seus habitantes a hospitalidade com que, hoje como sempre, Portugal é recebido em Santarém.
Bem haja a Câmara Municipal de Santarém. O seu empenho e o seu entusiasmo deixarão marcas indeléveis nestas comemorações.
Vir a esta cidade é cumprir um encontro marcado com a história.
As origens de Scallabis perdem-se no tempo e descobrem-se na lenda.
Cidade com passado, Santarém assistiu a nascimentos e casamentos de reis, a aclamações e coroações, a suplícios de condenados e à assinatura de tratados. Aqui choraram os invasores derrotados, pela vontade de um povo.
A conquista de Santarém pelo Fundador, na noite de 15 de Março de 1147, possibilitando o avanço até Lisboa e, depois, até ao sul, tornou Portugal num reino que podia durar.
Santarém deixou então de ser fronteira, “a última cidade do Ocidente”, nas palavras de um santareno ilustríssimo, o grande poeta Ibn Bassam. Tornou-se eixo de ligação, traço de união entre o norte e o sul deste país.
A monumentalidade de Santarém – onde cada rua é um museu vivo – atesta uma grandeza que as marcas do tempo não apagam.
Quando Almeida Garrett, o mestre de todos os viajantes, parte Tejo-arriba em busca de Portugal - em busca de um país, no seu dizer, “habitável por todos” -, encontrou Santarém:
“... um livro de pedra em que a mais interessante e poética parte das nossas crónicas está escrita.”
Igrejas, conventos, paços e palácios, recintos muralhados, ruas anti-quíssimas. Um vasto livro de pedra que conta a história pátria – assim faz Santarém jus ao título de capital do Gótico.
A estas terras aportou também Alexandre Herculano, intentando aplicar “um sistema ilustrado de agricultar”. Procurava criar um novo monumento que encarnasse a regeneração de Portugal, um monumento edificado com “o aspecto do solo, o viço dos campos, a abundância substituída à escassez na morada do homem laborioso”.
Os nossos maiores deram-nos o sinal. A montante do rio da história, encontraram um passado glorioso. Mas não retornaram a Santarém para celebrar esse passado, menos ainda para carpir o presente. Buscaram aqui um novo sentido para, a jusante, iluminar os dias futuros.
Um sentido inspirado não só por aquilo que fomos, mas também por aquilo que poderemos ser. Eis o Ribatejo debruçado para diante, ocupado com actividades inovadoras, apostado numa agricultura que adopta as melhores práticas.
Saúdo, em particular, todos os que, ao longo de tantos anos, contribuíram para fazer da Feira Nacional de Agricultura o grande certame que hoje podemos visitar.
Este é o espírito do nosso reencontro, hoje, em Santarém.
Cidade miradouro, do alto das suas colinas contemplamos meio Portugal.
Defronte, o Tejo que trovadores e jograis, amantes e poetas cantaram.
Por aqui desterrado, pleno de “lembranças tristes”, Camões amaciava a sua dor junto ao “puro, suave e brando Tejo”. Mais além, “alegres campos, verdes arvoredos” que lhe apaziguavam as saudades.
Ao longe, a emoldurar o horizonte, as serras das Beiras e da Estremadura, as luzes de Lisboa e a planície e o montado alentejanos.
Cidade da Festa Brava e de gente corajosa. Aqui recusou-se o jugo com que por vezes nos quiseram submeter.
Com destemor perante a superior força adversa, a cidade tomou partido pelo Mestre de Aviz e por D. João IV. Aqui foi aclamado D. António, Prior do Crato. Destas colinas partiu o Capitão Salgueiro Maia, seguro de que interpretava fielmente o sentir de um povo.
Neste dia em que celebramos o Portugal de todos os portugueses, gostaria de resgatar do esquecimento outro escalabitano, um anónimo habitante de Alfange.
O cronista não lhe guardou o nome, preferindo tão só descrever para os vindouros o que a rainha D. Leonor transformou em acto exemplar.
Naquele ano de 1491 – reinava em Portugal D. João II -, um humilde pescador do Tejo deparou com o corpo inanimado do infeliz príncipe D. Afonso. O herdeiro do trono acabara de cair enquanto cavalgava junto ao rio.
Condoído, o pescador envolveu-o na rede do seu camaroeiro e assim o transportou até sua casa. Aí o encontraram os desesperados pais. D. Leonor, profundamente tocada pelo gesto fraterno, encontrou naquela rede o seu sinal particular. Pouco depois, o camaroeiro seria escolhido como o símbolo do espírito caridoso que ainda hoje Misericórdias de todo o país ostentam em silenciosa homenagem ao pescador de Santarém.
Em dia festivo, recordamos e enaltecemos o contributo de Santarém para a cultura, para a arte, para a liberdade e para a solidariedade. Em suma, celebramos o contributo de Santarém para Portugal.
Celebre-se o que se fez. Celebre-se, sobretudo, o que se pretende realmente fazer.
Na terra em que viveu Frei Gil de Santarém temos a obrigação de celebrar. Enquanto físico, Frei Gil tinha no seu receituário um remédio que prometia sarar a “névoa dos olhos”.
Afastando a névoa das coisas, buscando a claridade, seremos justos quanto ao que somos e realistas quanto ao que podemos e queremos ser.
Então, aproveitando do passado os actos exemplares e buscando sentidos novos, cumpriremos o desígnio de continuar aquilo que D. Afonso Henriques encontrou quando tomou esta cidade: garantir um futuro a Portugal.
Toque então a rebate, em sinal de público regozijo, o sino da Torre das Cabaças.
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.