Senhor Presidente da Assembleia-Geral,
Senhor Presidente da Direcção da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Quero começar por saudar todos os representantes das instituições de solidariedade aqui presentes e expressar o meu reconhecimento pelo trabalho que têm vindo a desenvolver no sentido de contribuir para que a sociedade portuguesa seja mais coesa, mais solidária, mais justa e mais desenvolvida.
Recentemente, na minha Mensagem de Ano Novo, dirigi aos portugueses uma palavra de solidariedade, em especial para aqueles que se encontram em situações particularmente difíceis.
Homens e mulheres que sofrem em silêncio, ainda mal refeitos do choque que representa perderem um emprego ou o esboroar de um estilo de vida que se julgava conquistado. Estes são já identificados na Comunicação Social como os “novos pobres”.
Hoje somos confrontados diariamente com dramas pessoais e familiares que dificilmente poderíamos imaginar. São dramas que as estatísticas nem sempre revelam, mas que nos vão alertando para a dimensão social que a actual crise económica e financeira tem vindo a assumir.
As cartas que diariamente chegam à Presidência da República, os testemunhos que as organizações cívicas nos vão transmitindo ou os relatos da comunicação social, dão-nos uma outra expressão da realidade que os números nem sempre conseguem traduzir.
A realidade dos “novos pobres”, cuja incidência é maior nos centros urbanos, já não se alimenta de ilusões.
A sua dimensão e intensidade são razões suficientes para que encaremos com verdade e firmeza os tempos difíceis que vivemos, mas também com esperança e ambição os tempos futuros que desejamos construir.
Acredito que seremos capazes de ultrapassar estes tempos difíceis. O caminho é estreito, mas existe, como afirmei já noutra ocasião.
Na nossa história mais recente ou mais longínqua, os Portugueses deram sobejas provas do seu carácter, do seu querer e do sentimento solidário que nos pode ajudar a superar as dificuldades.
Por isso encaro o futuro com confiança, ainda que não deixe de acompanhar o presente com alguma apreensão.
Os estudos de organizações internacionais revelam que temos uma estrutura social muito frágil, com níveis de coesão muito baixos: desigualdades acentuadas na distribuição do rendimento, elevada taxa de risco de pobreza, baixos níveis de escolarização e um inegável deficit de oportunidades que favoreçam a ascensão social dos grupos mais desfavorecidos ou mesmo socialmente excluídos.
Os períodos de crise económica tendem a acentuar as vulnerabilidades sociais, principalmente porque aumenta o número daqueles que, tendo usufruído de uma posição de algum desafogo económico, vêem-se, de um momento para outro, caídos numa situação de desemprego, de endividamento excessivo e, porque não dizê-lo, de fome e carência alimentar.
Tradicionalmente eram os laços familiares que contribuíam para amortecer alguns destes efeitos das crises económicas. Porém, face às dificuldades que a instituição familiar vem atravessando, esses laços ou já não existem ou revelam-se tão frágeis que dificilmente exercem essa função.
Não é um sinal de modernidade a dissolução progressiva dos laços familiares.
Tenho a certeza que neste domínio nem sempre temos caminhado na direcção adequada.
Dos contactos que tenho mantido com dirigentes de instituições de solidariedade, recolho a informação de que a maioria dos casos de “novos pobres” está associada a situações de divórcio.
Dizem-me também que esses casos tenderão a aumentar com a nova lei do divórcio aprovada pela Assembleia da República. Das previsíveis consequências sociais e das profundas injustiças da sua aplicação, alertei os Portugueses em devido tempo.
Há bem poucos dias, na sessão de abertura do ano judicial, afirmei que em Portugal se produz muitas vezes legislação que parte de uma realidade que não é nossa, não tendo em conta o País que somos.
A nova lei do divórcio é bem o exemplo dessa incompreensão, como foi já sublinhado por inúmeros magistrados, juristas da área do direito da família e pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas.
A sociedade portuguesa apresenta vulnerabilidades sociais que não podem ser ignoradas ou desvalorizadas.
Essas vulnerabilidades sociais afectam, em primeiro lugar, os mais frágeis: as crianças, com especial incidência as que vivem em famílias monoparentais, os idosos e os que de forma prolongada têm de suportar a doença e a deficiência.
As crianças devem merecer a nossa maior atenção.
Elas são simultaneamente o elo mais fraco, mas, por outro lado, nelas reside o nosso maior capital de esperança. Nas creches, nos jardins-de-infância, nas escolas e nos ateliers de tempos livres, temos de reforçar a nossa atenção e o nosso empenho para que essas crianças possam manter as condições mínimas de bem-estar.
É necessário garantir que nenhuma criança ou jovem possa ver as suas expectativas escolares ou o seu bem-estar material e emocional afectados por uma alteração das suas condições de vida familiar.
Este é o melhor investimento que poderemos fazer no futuro do nosso país.
Tenho a certeza que há ainda muito a fazer por estas crianças e jovens. O tempo para elas corre sempre mais depressa e por vezes de forma irrecuperável.
É urgente mobilizar a força solidária dos portugueses.
Mais do que arranjar pretextos para dividir, é urgente descobrir forças para nos unir em torno de um desígnio comum.
As organizações cívicas e as instituições de solidariedade devem ser os catalisadores dessa vontade.
Só assim poderemos conferir uma dimensão mais humana à solidariedade social, mais proximidade à acção e maior eficácia na resposta aos problemas.
É importante assegurar os meios materiais indispensáveis à acção social, definir bem as prioridades, aumentar a eficiência na criação de bem-estar e contribuir para atenuar os efeitos do desemprego, da quebra dos rendimentos ou do endividamento asfixiante.
Temos de estar preparados para fazer face a situações de emergência social que possam vir a revelar-se.
É importante fazer chegar ao maior número de cidadãos em situação de carência os escassos recursos geridos pelas instituições públicas e privadas de solidariedade.
Mas mais importante é que o façamos no respeito pela dignidade de cada pessoa, cada família, cada caso a que pretendemos acudir.
A solidariedade social não vive só de apoios e de dádivas.
Vive também da capacidade de criarmos melhores oportunidades para que essas pessoas possam recuperar a sua auto-estima e de sentirem a confiança de que podem continuar a ser úteis às suas famílias, às suas comunidades, às suas empresas e ao seu país.
Esta é a luta pela dignidade que não poderemos perder.
Por isso conto convosco, com a vossa dedicação, a vossa competência, a vossa capacidade de mobilizar os recursos das comunidades para que possamos mais facilmente superar as dificuldades.
Em nenhuma circunstância podemos abandonar a nossa ambição de construir um Portugal mais justo e solidário.
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.