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30.º aniversário da adesão de Portugal às Comunidades Europeias
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PRESIDENTE da REPÚBLICA

INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República na 40ª Sessão Comemorativa do 25 de Abril
Assembleia da República, 25 de abril de 2014

Celebramos hoje um dos dias mais marcantes das nossas vidas.

No percurso pessoal de cada um, existirão certamente outros dias que são lembrados com especial emoção. Mas nenhum outro evoca a nossa memória coletiva como o dia 25 de abril de 1974.

Encontramo-nos hoje aqui, perante uma assembleia eleita de representantes do povo, porque o 25 de abril nos trouxe a democracia.

Em todo o País, os Portugueses festejam esta data porque o 25 de abril nos trouxe a liberdade.

Podemos dizer publicamente o que pensamos, podemos reunir-nos e manifestar-nos, porque o 25 de abril nos trouxe os direitos fundamentais.

Ao comemorarmos os 40 anos do 25 de abril, devemos recordar o que foi viver sob um regime em que não existia liberdade, em que os governantes não eram democraticamente eleitos pelo povo, em que o povo não tinha voz para dizer o que pensava.

Perante as novas gerações, temos o dever cívico de realizar a pedagogia democrática da memória da ditadura. Os jovens do nosso tempo, aqueles que têm menos de quarenta anos de idade, não viveram o 25 de abril. Desconhecem o que é a experiência de viver sob um regime autoritário, a que o 25 de abril pôs fim graças à ação decidida de um punhado de militares corajosos.

Neste dia, devemos dirigir uma saudação especial às Forças Armadas, que, nas alturas decisivas da nossa História, sempre souberam estar ao serviço de Portugal e dos Portugueses.

Com o passar dos anos, será cada vez maior o número daqueles que sempre viveram em liberdade. É bom que assim seja, trata-se de um sinal de que a democracia perdura e se encontra enraizada no quotidiano das novas gerações, para as quais a vida em ditadura é algo tão distante como inconcebível.

É legítimo contestar opções que se fizeram ao longo destes quarenta anos. Contudo, temos de ter presente uma realidade muito simples: só podemos contestar e criticar tais opções porque vivemos em liberdade e em democracia. A democracia não é apenas o melhor dos regimes. A democracia é o único regime que salvaguarda os direitos fundamentais da pessoa humana. E, num regime democrático, só há um critério para definir a legitimidade dos governantes: o voto expresso nas urnas. É isso que distingue a democracia de uma ditadura. Foi isso que Portugal conquistou há quarenta anos.


Senhora Presidente da Assembleia da República,
Senhoras e Senhores Deputados,

Para que os jovens dos nossos dias compreendam o significado do 25 de abril, é necessário terem presente o caminho que fizemos nestas quatro décadas.

Instaurámos a democracia e aprovámos uma Lei Fundamental, a Constituição da República Portuguesa. Num contexto muito difícil, com o país na iminência de graves confrontos entre a população civil, as forças democráticas venceram a batalha da liberdade e da democracia constitucional.

Integrámos com sucesso os muitos milhares de Portugueses vindos dos territórios africanos que se tornaram independentes. Sem traumas nem complexos, construímos com os novos países uma aliança fraterna, que afirma o valor da lusofonia no mundo inteiro.

Nas últimas décadas, verificaram-se avanços extraordinários no plano social, que devemos preservar para as gerações futuras.

Portugal conseguiu, de forma ímpar, reduzir a taxa de mortalidade infantil, que é hoje uma das mais baixas da Europa ocidental.

A esperança de vida dos Portugueses aumentou significativamente. Hoje, contamos viver, em média, mais 15 anos do que em 1960.

Criámos um Serviço Nacional de Saúde que, através de um esforço de investimento público muito significativo, garante a todos os Portugueses o acesso generalizado aos cuidados de saúde.

Também no domínio da Educação os progressos são notáveis: no pré-escolar, crescemos de cerca de 41 mil crianças matriculadas em 1974 para mais de 270 mil, em 2012. No ensino superior o número de alunos quintuplicou entre aquelas datas. Em 1970, a população com ensino superior completo representava pouco mais de meio por cento da população residente, enquanto, de acordo com os dados dos últimos Censos, essa proporção está acima dos 12 por cento. Em 1970, um quarto da população era analfabeta, estigma que afetava particularmente as mulheres. Quarenta anos depois, a taxa de analfabetismo é pouco superior a 5 por cento.

As mulheres alcançaram direitos de igualdade e ocupam hoje lugar preponderante na frequência dos níveis superiores de ensino e no mercado de trabalho.

No início da década de 80, não existia sequer uma autoestrada que ligasse Lisboa ao Porto. Atualmente, podemos percorrer todo o País de autoestrada, desde o Algarve até à fronteira com a Galiza. Portugal é um país dotado de uma vasta rede de infraestruturas físicas, culturais e desportivas, muitas vezes construídas por outra das grandes conquistas de abril: o poder autárquico.

Fizemos um longo caminho para chegarmos ao dia de hoje, a um Portugal livre e democrático, a um país mais desenvolvido, em que as expectativas de bem-estar são semelhantes às dos restantes Estados da União Europeia.

No entanto, se os níveis de bem-estar são muitíssimo superiores aos que existiam em 1974, se os Portugueses vivem hoje incomparavelmente melhor do que há quarenta anos, a verdade é que temos ainda um longo caminho a percorrer para nos aproximarmos da média dos indicadores sociais dos países mais desenvolvidos da Europa.

Apesar do percurso que fizemos, continuamos insatisfeitos. É saudável que assim seja. É sinal de que não nos resignamos, que ambicionamos viver num país melhor, onde os nossos filhos e netos possam usufruir de maiores níveis de bem-estar.


Senhoras e Senhores Deputados,

Portugal enfrenta hoje grandes desafios quanto ao seu futuro, desafios que não se esgotam na dimensão orçamental.

A diminuição da natalidade e o progressivo envelhecimento da população colocam problemas de ordem diversa e indiscutível gravidade, desde a potencial insustentabilidade dos sistemas de proteção social até ao agudizar de situações dramáticas de exclusão e de solidão.

Cabe ainda, neste quadro, dedicar uma especial atenção aos efeitos do desemprego no tecido social português. Existe o sério risco de o desemprego de longa duração, sobretudo quando afeta portugueses com idades superiores a 45 anos e ameaça o seu retorno ao mercado de trabalho, pôr em causa alguns dos pilares fundamentais da nossa sociedade. Entre esses fundamentos, destacam-se a família, incluindo a rede informal de proteção que proporciona, e as chamadas classes médias, o sustentáculo das estruturas sociais modernas.

O combate ao desemprego tem de ser uma prioridade da ação política.

Por outro lado, diversos sinais apontam para um aumento de assimetrias que podem pôr em causa a coesão do país, como as desigualdades na distribuição do rendimento, as situações de pobreza, a desertificação de vastas parcelas do território ou as acentuadas disparidades entre o litoral e o interior.

Devemos ainda ter presente, de modo muito particular, a situação dos reformados, daqueles que, ao fim de uma vida de trabalho, se viram subitamente confrontados com situações que ameaçam o seu legítimo direito a uma existência com dignidade.

Cabe aos agentes políticos estar conscientes destes desafios e apontar um caminho de esperança aos portugueses.

Dispomos de potencialidades que ainda não explorámos como devemos, seja no domínio da economia do mar, seja no aproveitamento racional da floresta, seja, enfim, na valorização do património histórico e cultural.

Acima de tudo, Portugal tem um ativo que não pode desperdiçar: os seus jovens. As novas gerações dispõem de talento e de conhecimento como nenhuma outra geração teve no passado. Temos jovens investigadores e cientistas de mérito internacionalmente reconhecido. Foi feito um investimento público muito significativo na qualificação dos nossos jovens. A política científica de um país e a inovação e competitividade que resultam dessa aposta são decisivas para o futuro.

A valorização do nosso capital humano implica também um novo olhar sobre a Diáspora, enquanto ativo estratégico de Portugal no Mundo. Através de atos concretos, temos de criar redes e fortalecer os laços com as comunidades portuguesas e de lusodescendentes. Essas comunidades têm-me transmitido, em múltiplos encontros, o seu interesse em contribuir para o desenvolvimento do País.

Devemos valorizar o capital humano, igualmente, no que diz respeito ao próprio Estado. É legítimo, e porventura urgente, proceder a uma reforma da Administração Pública. Todavia, reformar a Administração não significa fragilizá-la num dos seus aspetos essenciais: a qualidade dos seus recursos humanos. Pelo contrário, só através de um reforço da qualificação dos trabalhadores do Estado e da justa recompensa do mérito conseguiremos prestigiar o exercício de funções públicas e garantir que a Administração atue de forma eficiente, imparcial e independente, livre da pressão de interesses privados ou do clientelismo político.

Importa, aliás, que o combate à corrupção seja assumido como uma prioridade, e que o interesse público seja sempre colocado acima dos interesses privados. No entanto, o combate à corrupção não pode fazer-se através de intervenções populistas, de acusações que desrespeitam princípios fundamentais da nossa ordem jurídica, como a presunção de inocência, o segredo de justiça ou o direito ao bom nome. Os que trilham o caminho da demagogia podem ter uma popularidade efémera, mas nunca conseguirão combater eficazmente a corrupção. Pelo contrário, contribuem para descredibilizar as iniciativas sérias para a prevenir e as investigações em curso para a combater.

Na vida pública portuguesa, vê-se com preocupante frequência serem postos em causa valores essenciais, como o rigor e a seriedade, e até a urbanidade que deve pautar o convívio democrático entre os que têm ideias e opiniões divergentes.

Em detrimento de uma análise dos problemas reais dos Portugueses e de um estudo aprofundado de assuntos essenciais para o nosso futuro, privilegia-se o insulto e a difamação, o imediatismo e a superficialidade. Caso persista, esta tendência levará a um progressivo afastamento dos cidadãos, sobretudo dos mais jovens, relativamente à atividade política. E, desse modo, o necessário e saudável escrutínio cívico das instituições e da ação dos titulares de cargos políticos será substancial e perigosamente reduzido.

Os meios de comunicação social têm um papel decisivo a desempenhar e devem estar conscientes da responsabilidade que advém da influência que exercem sobre a opinião pública.

A comunicação social deve informar e esclarecer os cidadãos com objetividade e com rigor, dando espaço ao confronto de opiniões livres, mas fundamentadas. No dia em que a verdade e o rigor da informação forem totalmente sacrificados a favor do impacto sensacionalista, estaremos, afinal, a criar novas formas de ditadura.

Ao celebrar os 40 anos do 25 de abril, podemos dizer que Portugal é hoje uma democracia consolidada, um Estado de direito em que as liberdades cívicas são respeitadas.

No entanto, e como é comprovado por diversos estudos de opinião, existe uma insatisfação crescente com o funcionamento do nosso sistema político. Os partidos devem fazer uma reflexão serena, mas urgente, sobre as causas dessa insatisfação.

Como já referi, tem-se agravado, entre outras, a tendência para privilegiar o acessório e o efémero em detrimento do essencial. Os partidos têm de perceber, de forma inequívoca, que, mais cedo ou mais tarde, a insatisfação com o sistema político e o desinteresse dos cidadãos acabarão por afetar a própria atividade partidária.

A democracia não corre perigo, mas, 40 anos depois do 25 de abril, é tempo de os partidos repensarem o sentido da sua ação e assumirem a responsabilidade que lhes cabe na construção do futuro de Portugal.


Senhoras e Senhores Deputados,

O 25 de abril fez-se há quarenta anos, mas os seus ideais continuam vivos. A luta por um Portugal livre e democrático, por um país mais desenvolvido, é um traço de união entre os Portugueses.

O dia 25 de abril não tem proprietários nem deve servir de arma de arremesso na luta política. Os ideais de abertura ao diálogo democrático que inspiraram o regime que instituímos há quarenta anos mantêm plena validade no Portugal de hoje.

O 25 de abril não foi feito para dividir os Portugueses, mas sim para uni-los em torno de um desígnio comum.

Sem prejuízo da natural diversidade de opiniões e do confronto de ideias que é próprio de uma democracia, os desafios que Portugal enfrenta atualmente são de uma tal dimensão que não se compadecem com uma prática política que faz prevalecer a crispação e o conflito.

Perante a dimensão desses desafios, que não se colocam a um partido ou a um governo em concreto, mas a Portugal inteiro, temos de tomar uma opção decisiva: ou persistimos numa visão de curto prazo, olhando para aquilo que nos divide, ou pensamos Portugal numa perspetiva de futuro, partindo daquilo que nos une.

O nosso combate não é menor do que o daqueles que fizeram o 25 de abril. Conquistada a liberdade, consolidada a democracia, este é o tempo de lutarmos por um país mais desenvolvido e mais justo.

Portugal só será um país mais justo se for mais desenvolvido. E Portugal só será um país mais desenvolvido se existir um esforço coletivo para alcançarmos um compromisso de futuro quanto aos grandes desígnios nacionais.

É tempo de abandonarmos a política de vistas curtas, ditada pelo taticismo e pelos interesses de ocasião.

Precisamos de um discurso de esperança que mobilize os portugueses para os desafios que temos à nossa frente.

Precisamos de professores motivados, investigadores empenhados, servidores do Estado valorizados, agentes culturais criativos, jovens empreendedores, uma comunidade de empresários e trabalhadores com espírito vencedor.

Ao fazer uma retrospetiva destas quatro décadas, facilmente concluiremos que só nos aproximámos dos ideais de abril quando soubemos unir-nos nas opções essenciais.

Unimo-nos contra a ameaça de novos totalitarismos, em tempos difíceis em que este Parlamento chegou a ser cercado e os seus Deputados foram sequestrados.

Unimo-nos quando conseguimos aprovar uma Constituição que é a matriz fundadora do nosso regime democrático e do Estado social de direito.

Unimo-nos quando aderimos às Comunidades Europeias e nos tornámos num Estado-membro que mereceu o respeito dos seus congéneres pela forma dinâmica como, por mais de uma vez, soube assumir a presidência da União.

Sempre que estivemos unidos, estivemos mais próximos dos ideais de abril.

Não é por acaso que o espírito de compromisso e de entendimento entre as diferentes forças políticas está na base das regras do sistema democrático consagradas na nossa Constituição.

Não se trata de confundir a abertura ao compromisso com uma unanimidade de pontos de vista, nem com uma neutralização da dinâmica de alternância que é própria das democracias.

Por isso mesmo, é difícil compreender que numa democracia consolidada agentes políticos responsáveis não consigam alcançar entendimentos sobre questões essenciais para o nosso futuro coletivo. Temos de acreditar que os obstáculos acabarão por ser ultrapassados.


Senhora Presidente da Assembleia da República,
Senhoras e Senhores Deputados,

Vivemos hoje um dia histórico, em que Portugal celebra os 40 anos do 25 de abril.

Devemos celebrar o passado com sentido de futuro. Só assim estaremos à altura do presente em que vivemos. O presente exige de todos nós a mesma coragem com que, há 40 anos, construímos juntos um Portugal livre e democrático.

Muito obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.