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PRESIDENTE da REPÚBLICA

INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República na Sessão de Encerramento da Conferência “World Ocean Summit 2014” - Sustentabilidade e Governação dos Oceanos: associar as ideias e olhar para o futuro
São Francisco, Estados Unidos da América, 26 de fevereiro de 2014

Antes do mais, gostaria de felicitar a revista The Economist pela organização, de novo este ano, da Cimeira Mundial dos Oceanos. As questões relacionadas com o Mar constituem, desde há muito, um tema que me é particularmente caro.

Esta Conferência aborda dois tópicos que assumem uma importância crucial para o futuro de um largo número de países, incluindo o meu, Portugal.

As interligações entre os dois tópicos – sustentabilidade e governação dos oceanos – são múltiplas e evidentes. É por não haver sustentabilidade na forma como atualmente exploramos os nossos oceanos que temos de colocar a governação na ordem do dia. Se não temêssemos pela capacidade de regeneração dos oceanos, não nos veríamos obrigados a mudar a nossa forma de os governar e não seriamos compelidos a encontrar soluções que passam, de facto, por uma nova governação dos oceanos.

Qual a melhor forma de progredir? Como associar devidamente as ideias da governação e sustentabilidade?

Durante séculos, a ideia de criar um sistema de governação para os oceanos jamais se colocou à Humanidade. Por um lado, o uso do mar era limitado e, por outro, nada parecia poder perturbar o equilíbrio dos oceanos, tão extensos, profundos e desconhecidos eles eram para nós.

Este estado de coisas, no entanto, veio a sofrer alterações profundas com a proliferação dos usos que damos aos oceanos. Durante muito tempo apenas no que diz respeito aos transportes marítimos e às atividades piscatórias. Hoje também para um sem-número de atividades, desde a extração de diferentes recursos naturais, ao seu uso como a principal artéria de circulação do comércio internacional, e até, inclusivamente, como depósito para lixo.

Com toda esta proliferação de usos e com o aprofundar do nosso nível de conhecimento científico, temos vindo a tomar consciência, a pouco e pouco, de que os oceanos constituem um verdadeiro ativo estratégico do mundo em que vivemos. Revelam-se, de facto, cruciais para o próprio funcionamento do planeta, com os serviços ecossistémicos que prestam, como é o caso da regulação climática e da produção de oxigénio, ou para a reciclagem de gases poluentes, incluindo CO2. Neste contexto, noto com satisfação o facto de uma instituição portuguesa, a Fundação Gulbenkian, inspirada no Programa TEEB das Nações Unidas, ter justamente lançado uma Iniciativa para os Oceanos, de âmbito internacional, destinada a analisar o valor económico dos ecossistemas marinhos e da biodiversidade.

Os oceanos revelam-se, de igual modo, essenciais para as nossas economias e sociedades, até porque o nosso futuro tenderá a ser, mais do que nunca, ligado ao mar. Vejamos :

- o crescimento demográfico exige segurança alimentar, o que irá requerer uma oferta acrescida de fontes de proteína, incluindo de origem marinha;

- a globalização exige mobilidade para o acrescido fluxo de comércio internacional, o que irá requerer transportes marítimos, grandes porta-contentores, novas rotas, novos terminais portuários, e mais construção naval;

- a procura de energia continuará a aumentar, o que irá dar origem a um acrescido uso dos oceanos como fonte de combustíveis fósseis , assim como de produção de outras formas de energia, como é o caso das renováveis.

A Humanidade deslocar-se-á, literalmente, para o mar. Para alguns, o mar é já considerado como a nova fronteira do desenvolvimento humano.

Entretanto, e ainda antes que isso se verifique, convém notar que uma grande parte da espécie humana já habita em áreas costeiras, e que é junto ao mar que continuamos a construir e a expandir as nossas cidades. Trata-se de um fenómeno que muito importa ter em conta na discussão global sobre os oceanos.

É que dificilmente poderemos ignorar que 80 por cento da poluição dos mares tem origem em terra. E, o que ainda é mais perturbador, que 80 por cento dessa poluição é constituída por plásticos.

Senhoras e Senhores,

A economia do mar é crucial para o crescimento económico e para o desenvolvimento social dos países costeiros. Portugal está bem ciente disso e tem vindo a adotar medidas no sentido de promover a exploração sustentável da economia do mar.

Mas o que é urgente, agora, a nível global, é preservar a sustentabilidade dos oceanos.

Será que percebemos bem quão perto estamos do ponto de não retorno?

E, percebendo-o, como é que poderemos atuar em conjunto para evitar o que está a acontecer, e, mais ainda, para impedir a tempo o que irá seguir-se?

O facto de termos a tendência para proteger melhor o que está mais próximo de nós e conseguimos ver joga contra nós neste caso, pois, a verdade é que o fundo do oceano não é tão visível quanto as florestas, por exemplo.

Ainda assim, sabemos bem que há sobre pesca e que existem práticas de pesca destrutivas, nomeadamente com o arrasto de fundo.

Sabemos do que se passa em matéria de poluição e eutrofização.

Sabemos da destruição dos habitats marinhos e costeiros e da deterioração dos serviços ecossistémicos do mar.

Sabemos da acidificação dos oceanos e vemos os efeitos negativos das alterações climáticas nos oceanos e nas áreas costeiras.

Sabemos que existem linhas vermelhas que nos arriscamos a ultrapassar se não travarmos os efeitos negativos de todas a atividades humanas que produzem impactos nos oceanos e mares. Caso permitirmos que essas linhas vermelhas sejam ultrapassadas, ser-nos-á difícil explicar às gerações futuras que…sabíamos, mas não fizemos nada.

Senhoras e Senhores,

Temos que agir.

É essa a razão por que estamos aqui, hoje, a ter este debate sobre governação dos oceanos.

Mas o que pretendemos com ela?

Basicamente, com uma nova governação dos oceanos queremos impedir que a intensificação dos usos dos oceanos e o desenvolvimento da economia do mar continuem a conduzir à degradação do ambiente marinho.

Como deverá essa nova governação ser construída?

Em primeiro lugar, precisamos de aderir genuinamente a uma abordagem holística aos mares e oceanos. Precisamos de uma perspetiva global, que nos permita compreender o efeito acumulado dos impactos exercidos pela multiplicidade de atividades marítimas e desenvolver as políticas públicas mais adequadas.

Em segundo lugar, precisamos de olhar para os oceanos numa perspetiva “bottom-up”, que tenha por base a preservação dos seus ecossistemas. Ao contrário, portanto, do que hoje ainda fazemos, quando olhamos para os oceanos de uma forma “top-down”, na ótica fragmentada e antropocêntrica das nossas atividades humanas, sejam elas pescas, transportes marítimos ou turismo.

Em terceiro lugar, precisamos de investir mais em Conhecimento. Só através da ciência seremos capazes de compreender melhor o funcionamento e a resiliência dos ecossistemas marinhos e determinar quais os limites adequados para as nossas atividades marítimas.

Será essa, com efeito, a via que nos permite identificar as referidas linhas vermelhas, ou seja, as fronteiras-limite associadas à preservação do ecossistema marinho e à respetiva capacidade de regeneração.

Deveríamos, pois, adotar um conjunto padrão de indicadores ambientais do mar, fáceis de verificar, e criar os instrumentos de monitorização de que ainda não dispomos. Isso permitir-nos-ia chegar, a nível global, a uma definição do bom estado ambiental dos nossos mares e oceanos, com base na qual seriam estabelecidos limites ao uso dos oceanos. As prioridades acabariam então por ter que ser reajustadas em benefício das utilizações mais sustentáveis, por provocarem impactos mais reduzidos nos ecossistemas marinhos.

Em quarto lugar, devemos ter presente que a governação dos oceanos irá exigir níveis muito mais elevados de coordenação e integração das políticas setoriais. Às políticas públicas departamentalizadas para as pescas, para os transportes marítimos ou para a conservação ambiental deveria suceder uma nova política marítima integrada.

Por último, vale a pena sublinhar que uma governação eficaz dos oceanos requer a devida responsabilização por parte dos utilizadores do mar, o que exige meios para a vigilância e controlo das atividades marítimas, não apenas nas zonas sob jurisdição dos países costeiros, mas também no Alto Mar e na Área, tal como é definida pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).

A questão que agora se coloca é a seguinte: será que dispomos já, à escala internacional, do enquadramento institucional necessário para levarmos uma governação como a indicada avante? Receio bem que a resposta seja negativa.

Temos a UNCLOS, um instrumento de direito internacional quase universal. Existem, no âmbito das Nações Unidas, alguns fóruns específicos para estas matérias, sendo que, e a propósito, aguardo com o maior interesse o relatório da 1ª Avaliação Mundial dos Oceanos previsto para o final deste ano pelo Grupo de Trabalho das Nações Unidas (Processo Regular de Reporte e Avaliação do Estado Ambiental dos Oceanos) que está encarregue de o organizar.

Ao nível regional, existem diversas alianças e iniciativas, como é o caso da Aliança dos Pequenos Estados Ilhas.

Neste contexto, também a União Europeia despertou, nestes últimos anos, para a verdadeira importância da sua dimensão marítima, com a adoção da sua Política Marítima Integrada. Portugal tem -se empenhado ativamente na criação e no desenvolvimento desta nova política europeia.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Permitam-me que acrescente algumas palavras sobre Portugal.

O meu país é um gigante mundial em termos marítimos, dada e enorme extensão das áreas marítimas sob jurisdição nacional. Com uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas e Plataformas Continentais da União Europeia, e também do Mundo, Portugal dispõe de uma localização privilegiada nos corredores marítimos de ligação entre três continentes (Europa, África e as Américas). Situando-se no centro das rotas marítimas do hemisfério ocidental, entre as bacias norte e sul do Atlântico, encontra-se mais próximo do Canal do Panamá do que qualquer outro país europeu.

Portugal possui também uma vasta biodiversidade marinha, beneficiando da confluência de águas mornas e frias vindas do Mar Mediterrânico e do Oceano Atlântico, além de montes submarinos e fontes hidrotermais.

Esta fortíssima geografia marítima é a razão por que Portugal tem assumido um papel de liderança nas questões ligadas aos oceanos a nível internacional e explica o nosso empenho em cooperar, na temática dos oceanos, com outras nações igualmente interessadas.

Por iniciativa da Ministra da Agricultura e do Mar, hoje aqui presente, o Governo português adotou uma nova Estratégia Nacional para o Mar, que visa promover a exploração sustentável da economia do mar, sendo que acaba de ser aprovada, no Parlamento, um diploma pioneiro, a Lei de Bases do Mar, relativa ao ordenamento espacial do mar e ao licenciamento do uso do mar.

Senhoras e Senhores,

Permitam-me que vos deixe bem claro: o que há pouco vos referi sobre a governação dos oceanos é mais fácil de dizer do que de fazer.

Há quase 25 anos, desde a Cimeira do Rio e da sua Agenda 21, em 1992, que as ameaças e as soluções para os problemas dos nossos oceanos vêm sendo discutidas. E, no entanto, a comunidade internacional não foi capaz, até agora, de trabalhar em conjunto numa resposta eficaz aos desafios que se colocam aos nossos oceanos.

Mantenho-me, em todo o caso, otimista. Estou convencido de que seremos capazes de chegar a um entendimento global sobre os oceanos, quanto mais não seja porque não temos um Planeta B.

Não podemos dar-nos ao luxo de falhar. Não podemos continuar a adiar. Temos que pôr finalmente em prática a nova governação integrada dos oceanos de que tanto necessitamos e que sabemos ser imprescindível.

Por outras palavras, temos que adotar um novo pacto de governo para os oceanos (a New Deal for the Oceans).

Muito obrigado a todos pela vossa atenção.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.