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30.º aniversário da adesão de Portugal às Comunidades Europeias
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A igreja de Nossa Senhora ao Pé da Cruz, um tesouro da Beja barroca

No século XIII fundou-se em Beja uma célebre confraria de cavaleiros, a mais antiga de Beja, que unia as actividades religiosas às de assistência mútua. Dos respectivos estatutos fazia parte, entre várias obrigações, a de que se um cavaleiro perdesse o cavalo – que constituía o seu bem mais precioso e o garante do seu estatuto social –, os demais confrades se cotizariam para lhe comprar outro.

A tradição afirma que a esta confraria sucedeu, no século XV, a Irmandade de Nossa Senhora ao Pé da Cruz, cuja primitiva ermida, já existente em 1499, ocupa o sítio da actual igreja, no limite entre dois bairros populares extra-muros, as Alcaçarias e os Pelames. Esta era uma zona famosa devido à fertilidade das suas hortas, para onde convergiam as águas conduzidas pelos esgotos da época romana. Aqui habitaram diversas famílias judias, ligadas ao comércio e aos ofícios. Aliás, mais tarde, nos séculos XVI e XVII, muitos cristãos-novos vieram a ser membros da Irmandade, o que levou a que o Santo Ofício a vigiasse de perto.

O crescimento da Irmandade de Nossa Senhora ao Pé da Cruz tornou a igreja medieval exígua e levou a que, em meados do século XVII, se decidisse proceder à construção de um novo edifício. A obra seguiu os ditames do “estilo chão”, sendo caracterizada pelas linhas austeras.

Quem a vê por fora tem dificuldade em adivinhar os tesouros que esconde no interior. Entrar no edifício, porém, é um deslumbramento para o olhar. De acordo com o gosto teatral do Barroco, a talha dourada, a escultura, a azulejaria de padrão, a marcenaria e os ferros forjados dão corpo a uma “obra de arte total” em que colaboraram alguns dos melhores mestres portugueses.

Um ciclo de telas realizado em 1665-67 pelo pintor Francisco Nunes Varela, responsável pelos cárceres da Inquisição em Évora, fecha o conjunto, numa afirmação clara de fidelidade à ortodoxia da Contra-Reforma. Em fase ulterior procedeu-se ao revestimento pictórico da Sala do Consistório – onde se efectuavam as reuniões dos irmãos –, em que avulta o tecto de “arquitectura”, em perspectiva, com medalhões que representam a padroeira da igreja, o encontro de Cristo com a Samaritana e a Ressurreição de Lázaro. Esta notável obra, de inícios do reinado de D. José I, revela a importância da pintura mural em terras do Alentejo.

A Irmandade de Nossa Senhora ao Pé da Cruz conservou a sua importância religiosa e social durante o século XIX. Os dois últimos reis de Portugal, D. Carlos e D. Manuel II, foram juízes honorários da confraria, que passou a ostentar o título de Real Irmandade. Com o advento do século XX, porém, esta instituição entrou em decadência, vindo a apagar-se depois dos anos cinquenta. O seu desaparecimento levou ao progressivo abandono da igreja. As obras realizadas pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, na década de 1960, não tiveram continuidade.

Praticamente fechada ao público há anos, sem ter quem pudesse vigiá-la, conservá-la e dá-la a conhecer, apesar da classificação como Imóvel de Interesse Público, a igreja transitou rapidamente do esquecimento para a ruína. Aos problemas de segurança veio juntar-se o colapso do tecto pintado da Sala do Consistório, que não resistiu às últimas chuvadas e começou a cair, obrigando a uma intervenção de emergência. Tinha-se já perdido, entretanto, parte deste conjunto pictórico.

A Associação Portas do Território, formada pela Câmara Municipal e pela Diocese de Beja, conseguiu aprovar, no âmbito do programa de regeneração urbana da cidade, candidatado ao QREN, um projecto global de restauro e valorização do imóvel, cujas obras irão avançar nos próximos meses.

Este projecto visa estabelecer um itinerário que permita dar a conhecer aos visitantes dois grandes santuários marianos da época barroca em Beja: a igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, sita em pleno centro da cidade, cuja irmandade manteve uma saudável competição, do ponto de vista devocional e artístico, com a de Nossa Senhora ao Pé da Cruz, erguida num ponto mais afastado. Porém, mais do que rivais, os dois lugares de culto são complementares: no Pé da Cruz evoca-se o mistério da Paixão de Cristo; nos Prazeres, o mistério da Ressurreição. O conhecimento de ambos proporciona uma experiência única de descoberta dos valores estéticos do Barroco português.

 

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