Agradeço o honroso convite que me foi feito, pelo Senhor Presidente da República, para usar da palavra nesta sessão comemorativa do trigésimo sétimo aniversário da Revolução dos Cravos. Por duas razões, fundamentalmente: por se tratar do 25 de Abril, uma revolução pacífica e pioneira, que nos trouxe a paz nas ex-colónias e o reconhecimento ao direito à auto-determinação dos Povos colonizados por Portugal, hoje todos Estados independentes, membros das Nações Unidas, que adoptaram voluntariamente a nossa língua e fazem parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP); e nos ter libertado da opressão de uma longa e cruel ditadura obsoleta, de 48 anos, que nos pôs à margem da Comunidade Europeia e nos manteve como Estado, no dizer do ditador Salazar, “orgulhosamente sós”.
A Revolução dos Cravos, deve dizer-se, foi uma revolução de sucesso, não só porque realizou todos os seus objectivos – descolonizar, democratizar e desenvolver – mas também porque como tal foi saudada, com enorme entusiasmo, por todos os Povos do Mundo e, em especial, pela Comunidade Europeia e pelas Nações Unidas. Contribuiu e influenciou também, pelo exemplo, as “transições democráticas” que se lhe seguiram, todas pacíficas, na Grécia, em Espanha e, ao longo dos anos, nos Estados da Ibero-América. Não foi pequena coisa.
Normalizada a democracia, após o desgaste insensato do PREC, foi possível ultrapassar a crise do petróleo, que vinha de 1973 e a situação deplorável em que a ditadura deixou o País, após 13 anos de guerras coloniais e iniciar negociações para aderir à então CEE, que começaram no I Governo Constitucional e foram concluídas em 12 de Junho de 1985, no final do IX Governo Constitucional. A adesão à CEE, no mesmo dia que Espanha, constituiu o contraponto necessário, após a descolonização, para o nosso crescimento.
Portugal iniciou então uma era de grande desenvolvimento humano e material. Os portugueses convenceram-se, facilmente, que finalmente pertenciam ao primeiro mundo, como então se dizia. O crédito fluiu fácil, o nível de vida dos portugueses aumentou incomparavelmente, muitos habituaram-se a ter casa própria, automóvel e a viajar no estrangeiro. Os jovens com acesso às Universidades multiplicaram-se e o nível educacional subiu em flecha. Em contrapartida, alguns economistas, começaram a dizer que a agricultura “era para esquecer” – um erro enorme – a marinha mercante e as pescas declinaram, bem como certas indústrias tradicionais, que não conseguiram modernizar-se.
Portugal, uma terra de emigrantes, espalhados por todos os Continentes, passou a ser procurado por imigrantes, vindos da América do Sul, das nossas antigas colónias de África e, depois, dos países de Leste. Os portugueses abandonaram os trabalhos mais pesados e menos qualificados e, sobretudo nas cidades, passamos a ter falta de canalizadores, de electricistas e mesmo de operários da construção civil... A verdade é que os portugueses foram empurrados para se tornar consumistas e habituaram-se a viver acima das suas possibilidades.
A Europa que tanto nos ajudou nas duas primeiras décadas, após a adesão, voltou-se para o Leste, após o colapso do comunismo, e integrou, como lhe competia, os países de Leste, convertidos à Democracia e ao europeísmo.
A crise global bateu-nos à porta, no final de 2007, quando o Governo de então tinha conseguido reduzir o deficit externo para 3% do PIB, como a Comunidade exigia. E, desde então, a nossa situação financeira e económica agravou-se consideravelmente em virtude da incapacidade dos líderes europeus de definir uma estratégia concertada para defender o euro e salvar os países considerados periféricos dos ataques especulativos dos mercados e das agências de ratinq, que deles dependem. Primeiro foi a Grécia, berço da nossa civilização, da Ciência, da Filosofia e da Democracia, que merecia ter tido a solidariedade europeia desde o início e não teve. Depois a Irlanda, que tanto contribuiu para o desenvolvimento dos Estados Unidos. E agora Portugal, que deu a conhecer a civilização europeia aos cinco Continentes e trouxe para a Europa os produtos, os comportamentos, as religiões e a arte de um vasto Mundo, até então desconhecido.
Lamento dizer-vos, mas não posso deixar de pensar, que em virtude da falta de solidariedade europeia, os ataques especulativos dos mercados, desregulados e sem princípios éticos, julgo que vão continuar. E outros Estados europeus, irão porventura ser vítimas, como: a Bélgica, a Espanha e talvez mesmo a Itália e até a França.
Estamos a viver em Portugal um momento particularmente difícil quando responsáveis do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional, estão a negociar com o Governo Português (demissionário) um empréstimo, em tranches, de oitenta mil milhões de euros. Curiosamente, os representantes do Fundo Monetário Internacional, que foi tão diabolizado, parecem ser os mais compreensivos porque, para além do equilíbrio do deficit, público e privado e do endividamento querem investir, para que Portugal cresça economicamente, possa reduzir o desemprego e manter o estado social para que se evite a recessão, em que está a entrar.
Conseguido esse acordo – que incontestavelmente será duro – a situação portuguesa fica estabilizada, mas não resolvida. Porque entramos em período eleitoral (que podia ter sido evitado) que acrescentou á crise financeira e económica uma crise política e provavelmente social. É aqui que se impõe a necessidade crucial que os portugueses se unam – ao redor das grandes reformas necessárias para assegurar um futuro melhor para todos e que os Partidos e os Parceiros Sociais se entendam e dialoguem, independentemente das divergências ideológicas que os separam. Tendo em conta que acima dos interesses partidários e sectoriais se deve pôr sempre o interesse nacional.
Para terminar, num dia que me é tão grato, como o 25 de Abril, permitam-me que vos deixe uma palavra de esperança no futuro. O Povo Português é excepcional, como sempre tem demonstrado ao longo de quase nove séculos de história. Tem hoje elites como nunca teve no passado: cientificas, intelectuais, artísticas, culturais, universitárias e até desportivas. E milhares e milhares de licenciados e de jovens que passaram pelas nossas excelentes Universidade e têm hoje uma educação superior. Com recursos humanos deste nível, um Estado, para mais com a nossa história gloriosa, pode ter dificuldades sérias mas vai sempre ultrapassá-las. Tenhamos pois confiança no nosso futuro colectivo – não nos deixemos cair em pessimismos doentios – até porque seremos todos nós que teremos de o construir.
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
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