“A Europa como um actor global”
A dimensão externa da União Europeia, relações com os seus parceiros estratégicos, com os seus vizinhos; a energia como um novo desafio
Sendo a primeira vez que participo numa Reunião do “Grupo de Arraiolos”, quero começar por expressar a minha profunda satisfação por esta oportunidade de partilhar opiniões com todos vós sobre o futuro do nosso projecto comum europeu. Quero ainda agradecer à Presidente Vike-Freiberga por nos acolher na sua bonita capital para uma reunião que, estou certo, será bastante produtiva.
Celebrámos recentemente o 50º aniversário dos Tratados de Roma. O facto de termos identificado “A Europa como um actor global” como um dos temas para a nossa discussão de hoje revela bem o quanto foi alcançado desde 1957 e o grau de maturidade do projecto europeu. Não há, aliás, melhor ilustração do que acabo de dizer do que o facto deste debate ter lugar em Riga, entre Chefes de Estado de países livres, membros de um mesmo projecto europeu.
Sou o primeiro a reconhecer que a Europa se confronta com difíceis desafios. Não é a primeira vez. Recordo-me que, quando Portugal aderiu à UE, era eu Primeiro-Ministro do meu país, a palavra mais citada para descrever a realidade de então era “euroesclerose”. Não tenho necessidade de lembrar o que aconteceu desde então, o imenso progresso que alcançámos. Tudo foi possível porque houve confiança. A mesma confiança que nos levou a aderir à União Europeia. Confiança em que a Europa, trabalhando em conjunto, numa partilha de soberania, constituía a melhor resposta para os desafios de então.
Acredito que a Europa continua a ser a melhor resposta para os desafios de hoje. Nenhum dos nossos países, por maior ou mais rico que seja, encontrará melhores soluções caminhando sozinho. Creio que devemos enviar uma mensagem clara aos nossos cidadãos: conhecemos os problemas e os desafios, mas continuamos confiantes no projecto europeu; estamos empenhados na Europa; queremos transformar esses desafios em oportunidades e acreditamos que seremos capazes. A palavra é Confiança. Todos sabemos que não é possível mobilizar ninguém com dúvidas e receios. A Europa necessita de confiança, os nossos cidadãos necessitam de confiança.
Esta afirmação conduz-me ao nosso tema, porque a Europa, para ser um actor global, necessita de ser um actor confiante.
Os fundadores da Europa conceberam-na como um actor global. Uma União de Estados democráticos, determinada em fomentar o desenvolvimento económico e social em benefício dos seus cidadãos, cimentada pela coesão e pela solidariedade política, social e económica, capaz de projectar os seus valores e de contribuir para a paz e estabilidade no mundo.
Os sucessos obtidos garantem que a Europa seja, já hoje, um actor global em muitos e diversos domínios. Mas temos de fazer melhor. Temos de aumentar a nossa competitividade, assegurar o crescimento económico e social, investir em educação, inovação e desenvolvimento tecnológico, implementar o Mercado Interno e a Estratégia de Lisboa, promover a coesão. Estas são, afinal, preocupações dos nossos cidadãos e são essas preocupações que nos devem orientar. Políticas eficazes para lidar com as alterações climáticas e com a problemática dos recursos energéticos, da imigração ilegal, das doenças e da segurança reforçarão a confiança dos europeus no nosso projecto de integração.
Para ser mais eficiente e mais competitiva, a União Europeia deve adaptar os seus alicerces institucionais à realidade actual. O impasse resultante dos referendos holandês e francês não deve minar as nossas convicções. Deve, pelo contrário, reforçar o nosso compromisso no sentido de uma solução consensual, que seja capaz de promover a confiança dos nossos cidadãos na construção europeia.
Um actor global pensa globalmente e age globalmente. A agenda desta reunião revela claramente quais devem ser as nossas principais tarefas e prioridades externas.
Em primeiro lugar, permitam-me a referência a África, um bom exemplo de como a União Europeia pode beneficiar do impacto directo do fomento da estabilidade e do desenvolvimento. Apoiar a luta contra as causas endémicas da pobreza, estimulando o desenvolvimento económico e social, constitui a melhor forma de reduzir o efeito dessas tragédias no nosso próprio território. África tem um interesse geoestratégico para a Europa e esta constatação deve guiar a nossa acção. É tempo de falarmos com África em vez de nos limitarmos a falar de África. É o que muitos outros estão a fazer. A II Cimeira UE-África é, por isso, importante. O continente africano não é uma realidade distante. África é nossa vizinha.
A conquista da Paz e da estabilidade no seu território é, sem dúvida, o maior sucesso que a Europa alcançou nas últimas décadas. Mas não devemos tomar esta realidade por garantida. A União Europeia deve continuar a promover estabilidade, segurança e desenvolvimento nas regiões vizinhas. A Política Europeia de Vizinhança é um instrumento válido para apoiar os nossos vizinhos de leste e a sul. Nesse quadro, teremos de dar uma especial atenção aos países do Mediterrâneo. Ao fomentar o diálogo político e o desenvolvimento económico e social estamos a apoiar os esforços destes países na luta contra o radicalismo e o terrorismo e, assim, a promover a estabilidade nas nossas próprias fronteiras.
A América Latina abre perspectivas de um relacionamento intenso e mutuamente vantajoso. A Europa é olhada ali como um modelo. A União Europeia tem todo o interesse numa América Latina democrática, estável, económica e socialmente dinâmica. Mas para isso, precisamos de reforçar os nossos laços, de intensificar o nosso diálogo político e de aumentar as nossas trocas comerciais. Devemos continuar a pugnar por um Acordo com o Mercosul e conceder ao Brasil o nível de parceria que mantemos com os outros países do denominado grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).
O Elo Transatlântico é muito importante para a União Europeia, para os EUA e para o mundo. A Europa não deve definir-se contra os Estados Unidos da América. Aliás, não deve definir-se contra ninguém. A Europa afirma-se pelos seus próprios méritos, ou não se afirma. Existirão sempre divergências que, por vezes, serão mais difíceis de ultrapassar, mas não devemos deixar que essas diferenças ponham em perigo a comunidade de valores que é, para nós, absolutamente essencial preservar. É por isso que a Nova Parceria Económica Transatlântica é tão importante.
A China, a Índia, o Japão e a Rússia são também parceiros estratégicos. São importantes actores da globalização e, no caso da Rússia, um país vizinho cujas políticas e acções têm frequentemente um impacto directo e imediato na Europa.
A emergência da China e da Índia como potências económicas globais deve ser vista por nós como uma oportunidade. A pobreza tem-se reduzido, como sempre dissemos que queríamos que acontecesse; há uma classe média que cresce e se afirma; e um enorme mercado que se desenvolve, a uma velocidade notável. Devemos bater-nos por mercados abertos e por uma concorrência leal; exigi-lo implica sermos capazes de oferecer mercados abertos e concorrência leal. As Cimeiras com estes países, nos próximos meses, constituem uma grande oportunidade que, espero, saberemos aproveitar.
Um actor internacional credível deve contribuir para a paz e para a estabilidade. O reforço de capacidades militares e civis europeias, que permitam à UE agir quando e onde considere necessário, é essencial para afirmar uma voz europeia respeitável e credível no mundo. As missões da União Europeia na Bósnia - Herzegovina, no Líbano ou em África são exemplos bem sucedidos do nosso compromisso para com a paz e a estabilidade mundiais.
Um actor global deve pensar o futuro, encontrar soluções para os novos e diversos desafios com que se depara. A estratégia da União Europeia para a protecção climática e as energias renováveis revela uma atitude de verdadeiro actor global, capaz de visão e de convicção, lutando pela protecção e preservação do nosso planeta e salvaguardando as condições de vida das gerações futuras.
O tipo de problemas com que somos confrontados hoje em dia requer uma resposta global e coordenada, uma abordagem multilateral. A União Europeia deve continuar a promover o multilateralismo, que reforça a nossa capacidade de influenciar as decisões e contribui para a nossa projecção no teatro internacional.
Ao fim e ao cabo, a União deve agir como... uma União. Nem sempre é fácil. É um processo de aprendizagem contínuo. Poderão existir situações em que nem todos queiramos avançar ao mesmo ritmo. Já assim é em alguns domínios e não é dramático. Acredito que, com a boa fé e o empenho de todos, a Europa terá uma voz mais forte, para benefício de todos.
Portugal assumirá a Presidência do Conselho Europeu no próximo dia 1 de Julho. Com base no Programa estabelecido pelo Trio de Presidências, o meu país tudo fará para prosseguir as prioridades estabelecidas. Confio no nosso sucesso. Confio no sucesso da União Europeia.
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.