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INTERVENÇÕES

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Intervenção do Presidente da República por ocasião da Inauguração da Estátua do Rei D. Carlos
Cascais, 1 de Fevereiro de 2008

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais,
Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

No dia 28 de Setembro de 1878, há cento e trinta anos, por ocasião do décimo quinto aniversário do Príncipe D. Carlos, foi iluminada a esplanada da Cidadela de Cascais com recurso a uma novidade que a técnica de então proporcionava: a energia eléctrica.

Usaram-se seis candeeiros, encomendados pelo rei D. Luís, dotados de uma invenção recente: a lâmpada com velas carbónicas. Tratava-se de lâmpadas de arco voltaico com eléctrodos de carbono, que pela primeira vez tornavam possível a instalação de sistemas de iluminação pública eléctricos.

A primeira utilização em todo o mundo do novo invento tinha ocorrido em Paris, apenas quatro meses antes. Assim, Portugal acompanhava os progressos mais vanguardistas da técnica e o jovem D. Carlos era associado ao auspicioso evento.

As velas carbónicas, contudo, apresentavam um grave inconveniente: tinham uma vida muito curta, sendo necessário substituí-las manualmente com frequência. Foi então que se manifestou o engenho português: um professor do Liceu de Santarém, João Rodrigues Ribeiro, imaginou um dispositivo simples, barato e funcional de comutação das velas.

Os planos do invento português foram publicados em 1879, no Jornal das Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais. Mas, apesar de todas as suas qualidades, não foi pedida a patente nem sequer alguma vez foi levado à prática. Tratou-se, apenas, de uma ideia notável a que não foi dada qualquer utilidade.

As lâmpadas que iluminaram a cidadela e o gerador que as alimentou, doados pelo rei D. Luís à cidade de Lisboa, rapidamente caíram no esquecimento. O sistema era pouco funcional e ninguém se lembrou de aplicar o mecanismo de comutação do inventivo professor de Santarém.

Também nesse ano de 1878, o rei D. Luís presenteou o filho primogénito com a sua primeira embarcação, o Nautilus. A imagem do elegante veleiro seria então preservada por D. Carlos numa admirável aguarela.

Foi, pois, aqui, em Cascais, nesse ano de 1878, que se começou a afirmar a vocação artística, científica e prática de um homem que sempre esteve profundamente ligado ao mar.

Genuinamente interessado pela cultura, pela arte e pelos progressos da vida moderna, D. Carlos foi mais do que um homem culto. Foi um praticante empenhado da arte e da ciência. Um rei, um sábio, mas também um fazedor.

A ornitologia, a oceanografia, a biologia marinha, a meteorologia são disciplinas que muito lhe ficam a dever no nosso país. Emprestou ainda o seu empenho à introdução de novas técnicas, como a energia eléctrica, a fotografia ou a telegrafia sem fios. Importava, acima de tudo, que Portugal não ficasse para trás. Ou, para utilizar uma expressão sua, o que importa é “ir para diante”. É uma máxima que ainda se aplica aos nossos dias.

O seu papel pioneiro no domínio das ciências do mar terá sempre de ser enaltecido. D. Carlos foi dos primeiros a perturbar a quietude quase absoluta das profundidades oceânicas. Numa altura em que estrangeiros começavam a mostrar interesse pelo conhecimento das águas portuguesas, D. Carlos promoveu o seu estudo por oceanógrafos portugueses em navios de pesquisa nacionais.

Durante as suas campanhas científicas nos iates Amélia, D. Carlos capturou, catalogou e conservou inúmeras espécies, algumas das quais só então se tornaram conhecidas. Estudou-as no seu laboratório, o primeiro laboratório oceanográfico português, que instalou aqui mesmo, na Cidadela de Cascais.

O acervo de zoologia marinha que D. Carlos recolheu ainda hoje enche de admiração todos aqueles que visitam a Colecção Oceanográfica D. Carlos I, no Aquário Vasco da Gama, criado no seu reinado.

Assim fundou a ciência oceanográfica portuguesa. Ainda hoje, o Instituto Hidrográfico da Marinha continua os estudos então iniciados sobre os fundos marinhos das nossas águas por intermédio, entre outros, do navio hidrográfico baptizado “D. Carlos I”. Nada mais apropriado do que ver o seu nome associado a um navio da Marinha Portuguesa onde se produz conhecimento científico cuja primeira utilidade é servir o interesse nacional.

O “Prémio do Mar Rei D. Carlos”, criado e atribuído pela Câmara de Cascais para distinguir investigações no domínio das ciências históricas e do mar é, por tudo o que ficou dito, o reconhecimento devido pelo contributo do cientista para o conhecimento do oceano que banha o Continente e os arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Mas D. Carlos, além de descobrir o relevo e a fauna dos fundos marinhos, também procurou realizar um estudo metódico sobre os recursos piscícolas das nossas águas, com o intuito declarado de auxiliar o progresso da nossa indústria pesqueira. Pretendia, já então, obter os conhecimentos e determinar os meios para uma exploração racional dos recursos existentes.

Era um homem do seu tempo, esse final do século XIX em que se acreditava que a ciência permitiria à humanidade dominar a natureza e determinar o seu futuro.

Porventura impressionado pelo modo como podíamos ter acesso aos avanços da ciência e da técnica sem que os aproveitássemos para o bem de todos, como acontecera com a iluminação pública em 1878, D. Carlos tinha plena consciência de que, nos mais diversos domínios, só a junção do conhecimento científico com a sua aplicação prática poderia criar condições para desenvolver o país e melhorar a condição dos portugueses.

D. Carlos recebeu uma combinação rara de dons, entre eles a vocação e o talento para pintar. Dotado de elevado grau de perfeição técnica e de sensibilidade artística, as suas paisagens revelam um artista que tem na natureza o seu motivo de eleição.

Dele se dizia que, instalado na Cidadela de Cascais, sempre vigilante, capturava na tela todas as embarcações que cruzavam a embocadura do Tejo. Várias das suas aguarelas com motivos marinhos podem ser admiradas nas exposições do Museu do Mar, Rei D. Carlos, aqui em Cascais.

Ao preferir os temas marinhos D. Carlos escolheu o melhor dos nossos símbolos. A vida marítima, a sempre presente em nós convivência com o mar, o fronteiro e longínquo, forjaram um modo de ser português. A nossa identidade, ou seja, o modo como definimos em comum a nossa realidade e o nosso futuro, é determinada pela relação que mantemos com o mar. É algo que nos une, simbolicamente, como referente histórico e cultural. Dá-nos sentido colectivo.

Contudo, depois da exaltação da epopeia algo de estranho sucedeu: voltámo-nos para nós próprios, virando costas ao mar. D. Carlos, como rei, como cientista e como artista, foi daqueles que mais fez para promover um reencontro simbólico com a nossa natureza colectiva.

Esse sentido de abertura marcou o modo como interpretou o seu papel como monarca. Viajante habituado, frequentador das cortes europeias, era conhecedor do mundo como poucos portugueses de então.

Consciente das nossas possibilidades, sabedor das dependências de então, procurou servir o país na diplomacia, tentando a afirmação de Portugal no concerto das nações, numa época particularmente delicada, na qual já se adivinhavam as convulsões que marcariam o século XX.

Em sucessivas viagens a nações estrangeiras, soube suscitar simpatias. Com o seu envolvimento, conseguiu-se que visitassem Portugal alguns dos mais proeminentes dirigentes políticos das grandes potências de então, o que constituiu importante vitória diplomática para o nosso país.

Com esta estátua que hoje inauguramos, presta a vila de Cascais homenagem a D. Carlos, homem do mar. Nesta imponente figura de bronze vemos o rei D. Carlos a bordo de um dos seus iates Amélia, homenagem à sua rainha. Está de pé, junto à balaustrada, vigiando o horizonte. Aquele que no mar estava no seu elemento, ficará aqui, junto à Cidadela, contemplando-o para sempre.

Parece olhar serenamente o horizonte, como quem busca novas fontes de saber sobre o mar. Ou como quem adivinha tormentas, mas quer enfrentá-las sem mostrar temor, como era próprio, garantem-nos os contemporâneos, do seu carácter.

Quis o destino que D. Carlos, como rei, enfrentasse tempestades. Quiseram os homens que lhe não fosse dado tempo para as superar. Neste momento em que se completam cem anos sobre a trágica morte do rei D. Carlos, é nosso dever honrar a memória de um português que sempre procurou servir a pátria.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.