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30.º aniversário da adesão de Portugal às Comunidades Europeias
30.º aniversário da adesão de Portugal às Comunidades Europeias
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PRESIDENTE da REPÚBLICA

INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República na Sessão Solene das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas
Lisboa, 10 de junho de 2012

Festejamos hoje o Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas.

É para nós uma honra contar com a presença do Senhor Presidente da República de Cabo Verde, a quem dirijo uma saudação muito afetuosa.

Na sua epopeia, obra maior da literatura universal, Camões definiu o perfil e ser desta aventura coletiva de muitos séculos, deste país que é o nosso, a terra que hoje celebramos.

Os Lusíadas cantam Lisboa – «E tu, nobre Lisboa, que no Mundo / Facilmente das outras és princesa» – e é a partir de Lisboa, princesa das cidades, a capital mais ocidental da Europa, que comemoramos este ano o Dia de Portugal. Este é o dia de todos nós. O 10 de junho é de todos os Portugueses, dos Portugueses que se encontram em Portugal e das Comunidades que criámos pelo mundo fora.

Neste ano de 2012, celebramos igualmente o vigésimo aniversário da primeira presidência portuguesa do Conselho das Comunidades Europeias, que teve por lema “Rumo à União Europeia”. O Centro Cultural de Belém, simbolicamente situado nas imediações do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém, foi o espaço que acolheu a histórica cimeira dos líderes europeus realizada em junho de 1992.

Tal como hoje acontece, também há vinte anos muitas dúvidas pairavam sobre o destino do projeto de integração europeia, sonhado e lançado após a II Guerra Mundial. Um projeto que, importa sempre lembrá-lo, permitiu à Europa viver o período mais longo de paz, de prosperidade e de justiça social da sua História.

Em 1992, quando Portugal assumiu a presidência das Comunidades Europeias, muitas vozes questionavam a viabilidade da ideia de uma Europa unida. O Tratado de Maastricht, pedra angular da construção europeia, tinha sido rejeitado em referendo num dos Estados-membros. Vivíamos um impasse, um momento muito difícil.

Há vinte anos, os líderes europeus tiveram coragem e mostraram ao Mundo que não tinham medo do futuro. Tiveram audácia, a audácia europeia. Foi com audácia que a Europa ergueu catedrais imponentes, que fez florescer um mercado de trocas comerciais entre os países do Norte e do Sul, que construiu um património espiritual e cultural, uma civilização única que tem sido referência no Mundo. Foi com audácia que a Europa, pela mão dos navegadores, muitos deles portugueses, se aventurou mares adentro e trouxe ao seu convívio novos povos e novas culturas. É essa a ideia de Europa que nos cumpre fazer perdurar.

No século XX, o Velho Continente foi devastado por duas guerras, mas o espírito europeu acabou sempre por triunfar, permitindo que países totalmente destruídos renascessem dos escombros da barbárie e retomassem tempos de prosperidade, de bem-estar e de justiça social.

Durante décadas, uma grande nação europeia viveu dividida por muros sem sentido. Nesse tempo, em alturas dramáticas, dia após dia, os povos da Europa nunca abandonaram essa nação. Com ela festejaram a queda dos muros, e apoiaram desde a primeira hora a reunificação de uma pátria até aí dividida. É nessas alturas, nos tempos mais difíceis, que melhor avaliamos o que significam os valores da coesão e da solidariedade, pilares maiores da União e que vão muito para além do domínio material ou económico. Muito mais do que uma união de mercados, a Europa terá de ser uma comunhão de vontades.

Há vinte anos, quando muitos julgavam que o projeto europeu se encontrava seriamente comprometido, os povos da Europa mostraram a sua fibra. Guiada por lideranças fortes, solidárias e determinadas, a Comunidade aprofundou a integração económica e monetária rumo à União Europeia. Em vez de olhar para trás, em vez de mergulhar no desalento, foi dado um impulso decisivo em muitos domínios da integração europeia. Avançámos no mercado interno de modo a torná-lo irreversível. Adotámos a orientação estratégica para o alargamento que levaria a união de 12 para 15 Estados. Criámos o Fundo de Coesão e preparámos a conclusão do Pacote Delors II. E, acima de tudo, demos uma resposta política, firme e inequívoca, a todos os que duvidavam que o Tratado de Maastricht pudesse singrar.

Avançou-se, de facto, e os receios dos mais céticos recuaram por muito tempo: foi criado o Banco Central Europeu e instituída a moeda única, o número de Estados-membros subiu depois de 15 para 27. Mais recentemente, em 2007, de novo em Lisboa, a União mostrou a sua capacidade de se reformar, aprovando um tratado decisivo para o futuro de milhões de cidadãos.

Portugueses,

É esta a lição que devemos tirar para os dias de hoje. Em 1992, a união e a solidariedade europeias eram uma opção de futuro para a Europa. Hoje, em 2012, são uma condição de sobrevivência do projeto europeu. Não tenhamos dúvidas: se nos deixarmos abater pelo pessimismo, se crescerem os egoísmos nacionais, se os Estados-membros não valorizarem a coesão e a solidariedade, se não houver coragem para defender a moeda única, se não for adotada uma verdadeira agenda europeia para o crescimento económico e para o emprego, a União Europeia arrastar-se-á penosamente numa profunda crise.

À crise económica e financeira, que hoje atravessamos, somar-se-á a pior de todas, a crise das convicções, da diluição dos valores e da perda dos ideais. Os ressentimentos criados, de parte a parte, fariam nascer novos nacionalismos e paixões irracionais, e os diversos Estados perderiam o espírito de abertura e de cooperação que nos caracteriza como destino partilhado. A Europa, no seu todo, sairia muito enfraquecida e todos os Estados-membros, sem exceção, ficariam mais pobres e mais vulneráveis.

Confio que o bom senso e o sentido de responsabilidade irão prevalecer. À semelhança do que ocorreu há 20 anos, a audácia europeia será o trunfo decisivo. Cabe aos líderes europeus de hoje mostrar que possuem a mesma grandeza e o mesmo rasgo estratégico daqueles que, em 1992, dirigiam o rumo da Europa.

Para que o espírito europeu prevaleça sobre os egoísmos nacionais é necessário que cada Estado mostre, perante os seus parceiros, sentido de responsabilidade e empenhamento solidário no reforço da União. Não basta, de facto, proclamar com palavras os valores da coesão e da solidariedade. É necessário que cada um saiba honrar os seus compromissos, que cada qual saiba merecer a solidariedade dos outros Estados. Neste contexto, a estabilidade financeira afigura-se, sem dúvida, um elemento essencial para a credibilização das economias da zona euro.

No entanto, como tenho afirmado desde há muito, a imprescindível consolidação orçamental não constitui um valor em si mesmo, no sentido em que não assegura, por si só, uma trajetória de crescimento económico e de melhoria das condições de vida das populações. Torna-se crucial, portanto, conjugar a dimensão orçamental com medidas destinadas a criar condições propícias ao crescimento competitivo e a promover o emprego e a justiça social.

Os líderes da União Europeia estão hoje mais atentos à necessidade de uma política de crescimento e de combate ao desemprego. O combate à falta de emprego, sobretudo entre os mais jovens, deve estar no topo das prioridades da agenda social europeia. Diversos Estados europeus defrontam-se atualmente com níveis de desemprego que, do ponto de vista social, se irão tornar insustentáveis a curto prazo e a coesão interna de cada país irá projetar-se negativamente na coesão da Europa como um todo. É urgente passar das palavras aos atos e adotar novas políticas de emprego, quer à escala europeia, quer à escala nacional.

Portugueses,

Estou firmemente convicto de que, como sempre sucedeu até aqui, o espírito europeu irá triunfar. Pela nossa parte, estamos a fazer um esforço muito sério e responsável para honrar os compromissos assumidos perante as instituições internacionais que, num momento crucial, realizaram os empréstimos essenciais para assegurar as necessidades imediatas de financiamento da nossa economia.

Existem sinais que nos permitem ter confiança no futuro. Nada está garantido, até porque é grande a nossa dependência do exterior, mas alguns indicadores permitem-nos ter esperança de que a recuperação económica pode ser uma realidade não muito distante. Para isso, precisamos do empenho de todos: maior eficiência na ação dos poderes públicos, mais trabalho e produtividade, uma aposta firme na inovação e na qualidade, uma ação decidida na conquista de novos mercados externos, mais apoio às pequenas e médias empresas. Há razões para estarmos atentos, mas também há motivos para termos esperança, com realismo, com responsabilidade.

Os Portugueses, uma vez mais na sua História, estão a dar provas de maturidade e de sabedoria. Aperceberam-se da dimensão da crise e da necessidade de mudança, adaptaram os seus hábitos de consumo, muitas vezes combatendo o despesismo e o desperdício. Têm demonstrado, por outro lado, um admirável espírito cívico e de entreajuda perante o agravamento das situações de pobreza: a sociedade civil mobilizou-se de forma notável através de inúmeras iniciativas de voluntariado e de apoio social, seja a título individual, seja com base em instituições particulares de solidariedade e nas autarquias.

O Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações constitui uma excelente oportunidade para reforçarmos as nossas obrigações, cívicas e humanas, para com os idosos que mais precisam e que tantas vezes são esquecidos.

Ao longo destes tempos de sacrifícios, não perdemos o sentido da coesão nacional. Percebemos claramente que o conflito pelo conflito não nos conduz a lugar nenhum. De facto, não podemos exigir a coesão europeia se não mantivermos a coesão nacional. Os exemplos dramáticos de alguns países evidenciam até que ponto a legitimidade para reclamar ajuda depende da credibilidade que tivermos. E a credibilidade conquista-se por nós próprios, não é um elemento que possamos ter por adquirido.

Pela conduta que manteve ao longo dos anos, pelo prestígio que alcançou sempre que presidiu aos destinos da União, pelo grau de coesão interna com que sustentou os seus compromissos, Portugal mereceu a confiança dos seus parceiros europeus. Esse é um ativo fundamental que nunca podemos perder.

Conheço a realidade do País e estou plenamente consciente dos dramas daqueles que não têm emprego, das dificuldades dos jovens que aspiram a ter uma carreira, dos que não conseguem satisfazer as suas obrigações, dos pequenos empresários que se veem obrigados a diminuir ou mesmo a encerrar a sua atividade. Por todo o País, existem milhares de famílias em grandes dificuldades. Vivemos tempos difíceis.
Estou também consciente da necessidade imperiosa de aprofundar o diálogo e a concertação social. Não é tarefa fácil em alturas como esta. Mas é justamente nestes momentos que a abertura ao diálogo tem de se concretizar em atos concretos e reais, em gestos que efetivamente demonstrem que, de parte a parte, existe uma atitude responsável e patriótica, seja entre as forças partidárias, seja entre os parceiros sociais. Há espaço para o debate com vista a uma orientação estratégica capaz de conciliar a imprescindível estabilidade financeira e o crescimento da economia e do emprego.

Em vários domínios da vida nacional, existem inúmeros exemplos de sucesso, que devem ser seguidos e, se possível, replicados. Os poderes públicos têm a obrigação de identificar e estimular esses casos de sucesso, de fazer um levantamento sério e rigoroso das nossas potencialidades e de agir em conformidade.

Neste contexto, os exemplos que provêm da nossa Diáspora justificam plenamente a admiração do País. Também por isso, como ainda recentemente tive oportunidade de constatar no Oriente, as comunidades portuguesas ou de lusodescendentes devem ser mobilizadas como verdadeiros embaixadores, dando a conhecer as potencialidades do País e os produtos nacionais e promovendo o investimento do exterior.

É essencial que os nossos agentes políticos compreendam o valor e o alcance desta rede de talentos e de trabalho disseminada pelo mundo inteiro. Neste Dia das Comunidades Portuguesas, lanço um apelo aos decisores políticos: estabeleçam formas mais eficazes de articulação entre as agências vocacionadas para a promoção das exportações e para a captação de investimento externo e as comunidades e associações portuguesas ou de lusodescendentes.

Portugueses,

N’Os Lusíadas, o Poeta refere-se a Portugal como «cume da cabeça De Europa toda». E, em mais de uma ocasião, a epopeia de Camões alude à «soberba Europa».

Foi Portugal que levou a Europa por esse mundo fora, como ainda há pouco reconheci, com emoção, ao visitar a República de Timor Leste, que celebra este ano a primeira década da sua independência.

Na complexa questão de Timor Leste, os Portugueses, uma vez mais, deram provas da sua generosidade e do seu admirável espírito de solidariedade, quando se ergueram a uma só voz para defender a causa do povo timorense. Não o fizemos seduzidos por motivações económicas. Levantámo-nos por Timor porque esse é o nosso modo de estar no mundo, a inconfundível arte de ser português, como um dia lhe chamou Teixeira de Pascoaes.

Ao levarmos a Europa ao mundo, trouxemos também o mundo à Europa. Nesse processo, feito com sacrifícios e coragem, trouxemos também mais humildade àquela que Camões chamava a «soberba Europa». Destacámo-nos como construtores de pontes no diálogo das civilizações. Ainda hoje, esse é um talento português que o mundo reconhece.

Temos de mostrar à Europa que a solidariedade e a coesão são valores do interesse de todos, que a soberba nunca foi marca do europeísmo autêntico.

A União não é apenas um vasto mercado de trocas comerciais nem um aglomerado de economias que partilham a mesma moeda. A Europa é muito mais do que isso. Os líderes da União Europeia, para ultrapassarem o impasse com que se defrontam, têm de pensar a Europa como um espaço comum que, antes de ser económico ou financeiro, é histórico e cultural. Percorremos juntos caminhos de muitos séculos. Ainda que grave e profunda, não será uma crise passageira que irá pôr em causa os alicerces de uma obra coletiva que soubemos projetar em todo o planeta.

Dos dirigentes europeus de hoje espera-se que tenham consciência da dimensão histórica deste projeto coletivo de cooperação. Estou certo de que os povos europeus se aperceberam já dos desafios que temos de enfrentar neste mundo global do século XXI. Os Portugueses estarão, como sempre, na linha da frente na defesa de um projeto comum de paz, de liberdade e de bem-estar que é do interesse de todos os Estados-membros da União.

Portugueses,

Hoje é um dia de alegria e de festa. Celebramos Portugal e a nossa Diáspora, evocamos o Poeta que nos tornou maiores, pela sua épica, pela sua lírica.

Ao celebrar Portugal, em Lisboa, devemos evocar o Mar, realidade presente na nossa História desde tempos imemoriais. Hoje, Lisboa assiste à partida da uma das mais importantes regatas do mundo, uma aventura de circum-navegação do planeta que, no nosso imaginário, remete para as grandes epopeias náuticas de Quinhentos.

Situada no estuário do Tejo, Lisboa foi o palco de grandes feitos marítimos, ponto de partida de naus e caravelas. Um dia, porém, foi abalada por um terramoto que a devastou. Das cinzas construímos uma cidade nova, uma das mais belas capitais do mundo. Nunca baixámos os braços, nunca nos rendemos às fatalidades do destino. Por piores que fossem as circunstâncias, nunca desistimos do futuro.

Também hoje teremos de construir um país novo. Quisemos a democracia e a liberdade e aqui as conquistámos, nas ruas desta cidade, numa revolução singular, feita sem sangue e sem violência.

Alcançámos tudo aquilo que quisemos sempre que agimos com coragem e serenidade, com lucidez e espírito de coesão. Iremos vencer a batalha do presente pela simples razão de que temos em nós a fibra e o orgulho de sermos Portugueses.

Muito obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.