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PRESIDENTE da REPÚBLICA

INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República na Cerimónia de Encerramento das Comemorações dos 150 anos do nascimento de Manuel Teixeira Gomes
Portimão, 11 de Dezembro de 2010

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Portimão,
Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Senhora Governadora Civil,
Senhor Comissário das Comemorações dos 150 anos do nascimento de Manuel Teixeira Gomes,
Senhoras e Senhores,

Na véspera de Natal do ano de 1926, encontrando-se na cidade de Tunes, Manuel Teixeira Gomes redigiu uma memorável carta, em que descrevia, fascinado, uma copejada de atum feita ao largo de Portimão.

Começava essa carta explicando o motivo pelo qual, estando em «terras tão remotas, pitorescas e variadas», como eram as do Norte de África, insistia em escrever sobre a costa algarvia. Teixeira Gomes justificou-se invocando «o amor que me inspirou o mar da minha terra».

Abandonara a Presidência da República um ano antes, em Dezembro de 1925. Em Janeiro de 1924, por ocasião do Ano Novo, apelara ao Congresso da República para colocar os interesses do país acima das querelas partidárias. Não o ouviram, resignou à chefia do Estado. Saiu de Portugal rumo ao Norte de África, de onde nunca regressou em vida.

Singular desígnio o deste homem bom e íntegro, que quis deixar Portugal exactamente a partir da terra onde nascera. Doravante, seria um exilado. «O exilado de Bougie», como lhe chamou Norberto Lopes. Ou, talvez melhor, exilado de si próprio, já que os últimos anos da sua vida foram marcados por um doloroso processo de despojamento daquilo a que chamou «as minhas ilusões políticas».
Era, sem dúvida, um homem que culminava a sua existência com um irreprimível sentimento de perda e desilusão, após uma carreira pública em que ganhara prestígio ocupando cargos do maior relevo.

Não guardava, porém, invejas ou rancores. Como refere um seu biógrafo, «não o seduzia a imagem do político reformado a remoer amarguras e a urdir conspirações». Até aí, nesses tempos de exílio voluntário, avultava a delicada suavidade que sempre definiu o seu fino carácter de esteta e cultor das letras, que se interessou pela escultura e pela pintura e que privou de perto com figuras como António Nobre, Columbano ou João de Deus.

Mas se é corrente dizer-se que Teixeira Gomes se notabilizou mais como escritor do que como Presidente da República, e que o seu maior legado é a obra literária que nos deixou, não podemos perder de vista que, enquanto homem público, teve uma vida exemplar. Não por acaso, num almoço realizado no Palácio de Belém, previu, com lúcida clarividência, que o regime se encaminhava a passos largos para a instauração de uma ditadura militar.

Ao contrário do que por vezes se tende a pensar, não foi um boémio inconsequente nem um diletante que viveu desfasado da realidade do mundo ou dos acidentes do seu tempo. Se tivermos presente, desde logo, a cuidada atenção que dedicou à actividade comercial e aos negócios paternos perceberemos que o talento que viria a revelar como homem público se deveu, em larga medida, à experiência mundana e ao cosmopolitismo que adquirira nas viagens de juventude pelo Norte da Europa. Não admira, pois, que haja desempenhado com assinalável êxito a tarefa de representar a República no Reino Unido e de obter o reconhecimento do novo regime pelas autoridades britânicas, naquela que classificou como «a mais espinhosa e vital missão diplomática da República».

Por isso, se há quem encontre na sua trajectória de vida um percurso feito de rupturas, podemos também entrever na biografia de Manuel Teixeira Gomes uma surpreendente unidade. À escolha para Presidente não foi alheio o prestígio que granjeara como diplomata da República, em dois postos que, pelas vicissitudes da altura, eram particularmente difíceis e exigentes. Por sua vez, o talento que revelou em Londres e em Madrid, ou na Conferência de Génova, muito deveu ao conhecimento do mundo que conquistara como homem de negócios. E, enfim, foi a tranquilidade material de que dispunha como comerciante próspero que lhe abriu caminho às aventuras do espírito e das letras.

Provavelmente, não teve uma actividade pública feliz nem era a política o domínio que realizava as paixões da sua alma culta e sensível.

Republicano convicto e sincero, mostrou um total desapego pelo poder e pelos seus ornatos efémeros. Admirava a beleza, mas não se deixou ofuscar pelo brilho dos cargos, que sabia serem transitórios. Manteve, até ao fim, uma admirável elevação de espírito e uma enorme integridade de carácter. Mesmo longe do seu país, nunca deixou de amar a Pátria que serviu. Jamais procurou ajustar contas fosse com quem fosse.

Há quem afirme que foram os escândalos financeiros e as intrigas políticas que o levaram a renunciar ao cargo de Presidente, pois nunca tolerou a desonestidade, sobretudo quando envolvia dinheiros, públicos ou privados. A sua dignidade pairava muito acima das querelas dos grupos e das facções que hoje mal conhecemos. As obras que escreveu, pelo contrário, mantêm-se actuais, na sua luminosidade mediterrânica, como expressão de um profundo amor à vida.

Acima de tudo, amava o Algarve e a sua paisagem, a que chamava um «ininterrompido jardim». «Vivi nas purezas desse mar», dizia, referindo-se à costa do Barlavento. Será o mar, até à morte, o horizonte predilecto das suas contemplações. «O encanto do mar, só por si, é para mim cada vez mais intenso e já não concebo possibilidade de viver longe dele», escreverá numa carta redigida em Argel.

É justa, porque feita a um homem justo, a homenagem que Portimão lhe decidiu prestar por ocasião do 150º aniversário do seu nascimento, num ano em que assinalamos também o 100º aniversário do nascimento da República.

Entre muitas iniciativas, foi extremamente feliz a ideia de encomendar à ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve a peça «Um Homem Singular», que será levada à cena nos teatros de Faro e de Portimão. Desta forma, poderão os algarvios, sobretudo os mais jovens, conhecer a vida e a obra de um dos filhos mais ilustres desta região. Portimão, que hoje comemora o seu Dia, está de parabéns. É com emoção profunda que recebo a Chave de Ouro desta cidade, uma homenagem que muito me honra, enquanto Presidente da República mas também enquanto cidadão português nascido no Algarve.

Portimão é hoje muito diferente da terra que viu nascer Manuel Teixeira Gomes. É, por certo, uma cidade onde há mais justiça social, um valor que Teixeira Gomes tanto prezou. O litoral algarvio sofreu profundas transformações, algumas das quais mereceriam, sem dúvida, a reprovação de um humanista que, antes de tudo, se deixou seduzir pela beleza das paisagens. Mas hoje, como há mais de um século, o mar do Barlavento aí está diante dos nossos olhos, luminoso e imenso.

Para Manuel Teixeira Gomes, o Atlântico foi razão e motivo para amar a sua Pátria, amor que as desilusões da política não conseguiram destruir. O patriotismo profundo e inabalável é a maior lição que Teixeira Gomes nos deu ao longo de uma vida singular. Saibamos ser dignos da sua memória e do seu exemplo.

Muito obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.