Bem-vindo à página ARQUIVO 2006-2016 da Presidência da República Portuguesa

Nota à navegação com tecnologias de apoio

Nesta página encontra 2 elementos auxiliares de navegação: motor de busca (tecla de atalho 1) | Saltar para o conteúdo (tecla de atalho 2)
Assembleia Geral das Nações Unidas
Assembleia Geral das Nações Unidas
Nova Iorque, EUA, 28 de setembro de 2015 ler mais: Assembleia Geral das Nações Unidas

PRESIDENTE da REPÚBLICA

INTERVENÇÕES

Clique aqui para diminuir o tamanho do texto| Clique aqui para aumentar o tamanho do texto
Intervenção do Presidente da República Portuguesa na Universidade de León
León, 11 de Fevereiro de 2008

Altezas Reais,
Magnífico Reitor,
Senhores Professores,
Autoridades,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Permitam-me que comece por agradecer a Suas Altezas Reais os Príncipes das Astúrias, Don Felipe e Dona Letizia, que quiseram honrar esta cerimónia com a sua presença, num gesto que muito me sensibiliza.

Quero ainda cumprimentar, com respeito e afecto, o Magnífico Reitor, Professor Doutor Ángel Penas Merino, bem como o meu Padrinho, Professor Doutor José Luis Placer Galán, e todo o corpo académico da Universidade de León.

Desejo, ainda, expressar o meu sincero reconhecimento às autoridades aqui presentes e a todos quantos se quiseram associar a este acto, ou que contribuíram para a sua concretização.

Altezas Reais, Magnífico Reitor, Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É unanimemente reconhecida a importância da promoção do conhecimento e da inovação na resposta aos desafios do nosso tempo. A Universidade assume, deste modo, uma relevância crescente nas suas funções de difusão do saber e de investigação científica e produtor de conhecimento, numa estreita ligação com a comunidade em que se insere.

É disto que tem sido exemplo a Universidade de León, simultaneamente jovem e herdeira da rica História das instituições de ensino que a precederam nesta Região. A credibilidade e prestígio que alcançou fazem dela um parceiro desejado e central na cooperação com outras instituições académicas, como acontece com as Universidades da Região Norte de Portugal.

Como homem político, mas também como Professor, é-me particularmente grato constatar que o meio universitário luso-espanhol procura, em conjunto, responder aos desafios com que o mundo de hoje nos confronta.

Altezas Reais, Magnífico Reitor, Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Neste tempo e neste lugar, parece-me oportuno trazer à reflexão o tema da integração europeia. É um tema actual e está, reconhecidamente, no centro dos interesses estratégicos de Portugal e de Espanha. A história recente dos nossos países está intimamente ligada ao processo de construção europeia e estou convicto que é, nesse quadro, que os desafios do futuro melhor poderão ser enfrentados.

Começo por sublinhar que a integração europeia, progressivamente aprofundada ao longo dos últimos cinquenta anos, é o mais importante activo de que a Europa dispõe para enfrentar o mundo global do século XXI. Em época de tantas incertezas e de novos riscos e ameaças, a integração europeia é mais necessária do que nunca. Até a mais recente crise nos mercados financeiros chama a nossa atenção para a vantagem de dispor de uma União Económica e Monetária à escala europeia, o que nos permite agir de uma forma mais coerente e eficaz.

Pensemos, por um momento, como estaria a Europa e, em particular, Portugal e Espanha se o projecto de integração europeia tivesse fracassado. Que confiança poderíamos ter no futuro, se a Europa tivesse permanecido dividida, aprisionada por antagonismos e conflitos ancestrais e incapaz de se unir em torno dos seus interesses comuns?

Assim, entendo que o empenho no sucesso da construção europeia é um imperativo para todos os responsáveis europeus e a todos os níveis, sejam eles líderes comunitários, nacionais, regionais ou locais. É uma causa de tão grande alcance estratégico, para nós e para as gerações que hão-de vir, que impõe que lhe dediquemos o melhor do nosso esforço.

No início, a integração europeia foi forjada, essencialmente, como um factor de paz e desenvolvimento, em resposta às duas terríveis guerras da primeira metade do Século XX. Hoje, tem de dar resposta também aos desafios de um mundo que se tornou global.

É, neste contexto, que se deve saudar o Tratado de Lisboa, assinado em Dezembro passado sob a presidência do meu País.

Vejo o Tratado de Lisboa não como um acordo ideal ou como uma etapa última da integração europeia, mas como um compromisso político decisivo, neste tempo e nestas circunstâncias, capaz de superar a erosão da União Europeia na sequência do fracassado projecto de Tratado Constitucional. E vejo-o, sobretudo, como uma oportunidade para a Europa levantar os olhos para o horizonte do Século XXI que tem pela frente.

O Tratado de Lisboa resulta do mandato de Laeken de 2001. Um duplo desafio foi nessa altura lançado aos líderes europeus. Em primeiro lugar, reformar o modelo institucional da União Europeia para o tornar mais democrático, mais transparente e mais eficaz. Em segundo lugar, dotar a União Europeia das condições necessárias para ser um actor influente e credível na arena internacional. Um actor à altura do peso económico, da historia e da vocação universal da Europa.

Considero que as reformas desenhadas no Tratado de Lisboa respondem a esse duplo desafio. Reforça-se a democraticidade, a transparência e a eficácia das instituições. Aprofundam-se as novas políticas europeias. Confere-se uma acrescida capacidade à União Europeia para agir no plano externo.

Merece desde logo destaque o facto do Tratado consagrar solenemente a matriz de valores fundacionais: dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, Estado de direito, direitos humanos. Sendo valores universais, eles são também a marca mais vincada e expressiva da identidade europeia.

A igualdade dos Estados perante a União Europeia é enfaticamente reafirmada.

A finalidade da União continua a ser a promoção da paz, dos seus valores e do bem-estar dos seus povos. Finalidade que deve ser prosseguida respeitando a identidade europeia que é, simultaneamente, una e diversa. O Tratado defende explicitamente a diversidade cultural e em particular a diversidade linguística. É o sábio equilíbrio do binómio unidade/diversidade que faz a força do projecto de construção europeia.

O Tratado reforça, como se sabe, os objectivos do desenvolvimento sustentável, do progresso social e da defesa da qualidade do ambiente. De igual modo reforça o princípio da solidariedade e, em particular, da coesão económica, social e territorial. Princípio que vem do Acto Único Europeu e que muito deve a Portugal e a Espanha. Não há futuro para a integração europeia sem uma forte “solidariedade de facto”, referida já na Declaração Schuman de 1950, isto é: uma solidariedade efectiva e não uma solidariedade retórica ou “à la carte”.

Quanto ao modelo institucional europeu, o triângulo Conselho/Comissão/Parlamento Europeu, responsável pelos sucessos do passado, continua a dominar a arquitectura de poderes na União. As reformas agora introduzidas aprofundam esse modelo, visando, em particular, melhorar a eficiência, reforçar a legitimidade democrática e promover uma acrescida transparência.

Por seu turno, a legitimidade democrática sai reforçada pela generalização do processo de co-decisão que dá, ao Conselho e ao Parlamento Europeu, uma função legisladora em pé de igualdade para quase todas as competências da União. Tal como beneficia da nova definição da maioria qualificada, em que está implícita uma dupla legitimidade para a tomada de decisões no Conselho: a que resulta dos Estados e a que resulta dos povos.

Também os parlamentos nacionais são chamados a um papel mais activo no processo de integração europeia, nomeadamente através de um mecanismo de fiscalização preventiva do princípio da subsidiariedade.

Sabiamente, o Tratado mantém, no essencial, os poderes da Comissão Europeia e confirma-lhe o direito exclusivo de iniciativa que tem sido, a meu ver, um dos mais importantes factores do sucesso da integração europeia nas últimas cinco décadas.

A um Conselho Europeu que passou a ter o estatuto de instituição comunitária, com um Presidente eleito pelos seus membros, junta-se a criação do cargo de Alto Representante para a Política Externa que será, por inerência, Vice-presidente da Comissão Europeia. Com esta nova figura, pretende-se garantir coerência à função externa da União e, por via disso, assegurar maior eficácia na sua representação internacional, nos planos político e económico.

O Tratado de Lisboa não se limita, todavia, à reforma institucional. Vai para além disso, designadamente quando abre caminho ao aprofundamento da integração em cinco áreas cruciais: justiça e segurança, defesa, política externa, ambiente e energia. Estas áreas vão estar no centro de gravidade da agenda europeia nas próximas décadas. São a nova geração de motores da integração europeia para o Século XXI.

Por tudo isto e pelos equilíbrios que traduz, avalio muito positivamente o Tratado de Lisboa que espero possa ser ratificado pelos 27 Estados-membros de modo a poder entrar em vigor já no próximo ano.

Contudo, importa lembrar que os frutos do Tratado de Lisboa, como de resto acontece com qualquer tratado, não dependem exclusivamente do seu conteúdo. Na realidade, dependerão, sempre e acima de tudo, da capacidade e da qualidade da liderança europeia, isto é, dos líderes dos Estados-membros e das instituições comunitárias. Cabe-lhes dar provas de uma real “vontade política comum” para poder levar à prática, com talento e firmeza, o Tratado subscrito pelos 27 em Lisboa, em Dezembro passado.

Agora, trata-se de saber tirar o melhor partido deste Tratado e construir as soluções certas para os problemas que os europeus têm pela frente. Esta é a questão prioritária que desafia os líderes europeus! Está nas suas mãos fazer do Tratado de Lisboa um efectivo instrumento de sucesso da integração europeia. Os cidadãos europeus têm legitimidade para o exigir!

É neste contexto que me proponho uma breve reflexão, sobre o post-Tratado de Lisboa.

Desde logo porque é imperioso compreender bem o quadro que a integração europeia actualmente enfrenta e que mudou muito na última década.

No plano interno, a União passou de 12 para 27 membros, levando as suas fronteiras bem para Leste. A sua esfera de acção tornou-se muito mais vasta e complexa. O modelo económico e social europeu está exposto a uma pressão concorrencial sem precedentes.

No plano internacional o fenómeno da globalização faz emergir novos actores económicos e políticos e a interdependência económica à escala global aumentou as vulnerabilidades. O mundo está, do ponto de vista geopolítico, mais fragmentado e os pólos de tensões regionais multiplicam-se em varias geografias. Novas ameaças, como é o caso do terrorismo, dominam a agenda da segurança internacional.

É neste quadro que o Tratado de Lisboa deve ajudar a União Europeia a responder aos desafios que tem pela frente. Mas a União Europeia não se deve limitar a uma “navegação à vista”, visando colher apenas efeitos positivos no curto prazo. Tem de construir uma visão e um rumo estratégico para o longo prazo.

Debaixo da pressão política permanente que caracteriza o nosso tempo, os líderes políticos hipotecam frequentemente o sentido estratégico, em nome de resultados e efeitos imediatos, tantas vezes voláteis e reversíveis. Ora, o que devemos exigir da União Europeia, é que persista num rumo com alcance estratégico e que mobilize os europeus em torno de causas que os unam e estimulem.

É neste quadro que me coloco a questão: quais são os grandes desafios estratégicos da União para os próximos 20 anos?

Identifico três desafios: em primeiro lugar, construir um novo paradigma de cidadania europeia, para além da retórica política e dos direitos meramente formais. Em segundo lugar, estruturar a vocação pan-europeia da União, respondendo às questões do alargamento e das relações de vizinhança, a Leste e a Sul. Em terceiro lugar, dotar a Europa das condições indispensáveis para ser um actor influente e credível à escala global.

A construção de uma verdadeira cidadania europeia, bem assimilada pelos europeus de Norte a Sul, de Oeste a Leste, é uma condição “sine qua non” para aspirar a uma consistente dimensão política que a integração requer.

É necessário promover a identificação dos europeus com a União, faze-los pulsar com os seus problemas, com os seus desafios, com as suas politicas. É necessário superar uma imagem tecnocrática e mercantilista que ainda domina a percepção que o cidadão tem da União Europeia. É necessário construir um forte sentido de pertença, gerador de confiança, de iniciativa, de mobilização, que deve expressar-se numa União que funcione como uma verdadeira comunidade.

Não é apenas pela matriz de direitos que a cidadania se pode consolidar. Mas também pela acção da União Europeia no combate à pobreza e à exclusão social, na defesa da diversidade cultural, na superação das inaceitáveis assimetrias de desenvolvimento que persistem em tantas regiões, no apoio ao crescimento económico e à criação de emprego.

É para mim claro, todavia, que a cidadania europeia tem de estar sempre escorada nas dimensões nacional, regional e local que identifica cada cidadão da União Europeia. A cidadania europeia é um valor acrescentado que nunca deverá diminuir os valores de pertença à nação e à região de que somos parte.

É também pelo aprofundamento da cidadania europeia que o paradigma democrático europeu encontrará um novo fôlego. Impõe-se que a União Europeia esteja cada vez mais ancorada nos cidadãos e não apenas nos Estados. Também aqui o Tratado de Lisboa vai na direcção certa, nomeadamente pela consagração da Carta dos Direitos Fundamentais e pelo aprofundamento do processo de decisão em termos de democraticidade e transparência.

Outro desafio estratégico da União tem a ver com o alargamento e a relação da União Europeia com os seus vizinhos próximos.

A União Europeia tem uma genética vocação pan-europeia. É, reconhecidamente, a grande referência de paz, de democracia e de progresso para todos os Estados e regiões da Europa. Daí decorre uma expectativa de alargamento para muitos Estados, alguns já candidatos assumidos e até com negociações em curso. A União Europeia não deve ser um clube fechado, reservado e defensivo.

Todavia, não é razoável perspectivar que a integração europeia possa alargar-se do Atlântico aos Urais. Para os Estados que não integrem a União, impõe-se conceber um modelo de parceria suficientemente forte e estável para garantir uma aliança duradoura, no domínio do funcionamento da economia e dos mercados e no domínio da cooperação política. É o caso da Rússia, com quem a União tem de aprofundar uma consistente parceria estratégica que, por um lado, não pode estar à mercê de vicissitudes de conjuntura e de interesses sectoriais e, por outro lado, não deve pôr em causa valores e princípios que devemos ter por inegociáveis.

Prioritário é também o aprofundamento dos laços com o Mediterrâneo. Os Estados do Sul do Mediterrâneo são nossos próximos e não apenas no sentido geográfico do termo. Essa proximidade tem um valor que a Europa tem de saber cultivar, por razões de segurança, por razões económicas e sociais e por razões de solidariedade.

O terceiro grande desafio refere-se à política externa da União Europeia. É reconhecido que a Europa precisa de se dotar de uma capacidade reforçada para agir no plano internacional de uma forma coerente e eficaz. A Europa tem de estar no centro do mundo global, multilateral e multipolar que está a emergir.

A União Europeia deve ser a “potência generosa” de que fala Jacques Delors. Defendendo com firmeza os seus valores e os seus interesses na cena internacional, deve contribuir para um quadro regulatório de que a globalização carece para um melhor equilíbrio das relações internacionais. Em muitos domínios prioritários da agenda global, a Europa tem condições para ser uma referência. É o caso do ambiente e da energia, dois factores que vão dominar o quadro geopolítico do Século XXI.

Face à economia global, a União Europeia deve evitar a tentação do proteccionismo. Ao contrário, deve agir para fazer valer o seu padrão económico e social no quadro multilateral.

A própria sustentabilidade do processo de construção europeia exige que caminhemos em direcção a uma efectiva política externa comum e a uma coerente política de segurança e defesa comum.

Ainda aqui, reconheça-se, o Tratado de Lisboa aponta na boa direcção. Em particular, com a criação do Alto Representante para a Política Externa e de um serviço diplomático comum.

Em vinte anos de integração plena na União Europeia, Portugal e Espanha conquistaram reconhecida credibilidade. Beneficiaram muito da adesão. Contribuíram muito também, pois têm sido parceiros sérios, empenhados e solidários nessa admirável caminhada que leva a Europa por diante.

Portugal e Espanha podem contribuir muito mais para o futuro da integração europeia. A sua História e cultura coloca-os numa posição privilegiada para entender os desafios da globalização e para promover um franco diálogo e cooperação entre civilizações.

Para esta reflexão europeia é muito estimulante estar nesta magnífica cidade de León. Cidade que é, ela própria, expressão do cruzamento de culturas e símbolo da secular identidade europeia.

Saudando a Universidade de León, que me conferiu o tão honroso grau de “Doutor Honoris Causa”, desejo as maiores felicidades e sucesso a todos os que integram, aos mais diversos níveis, esta singular e marcante instituição.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.