Senhora Presidente da Assembleia da República
Excelência,
Tendo recebido, no dia 11 de julho de 2012, para ser promulgado como lei, o Decreto n.º 60/XII da Assembleia da República relativo à reorganização administrativa de Lisboa, decidi, nos termos do artigo 136º da Constituição, não promulgar aquele diploma, com os fundamentos seguintes:
1. Os municípios e as freguesias constituem um elemento fundamental na organização administrativa do nosso território, enraizado numa tradição municipalista que, ao longo do tempo, foi legitimada e preservada pelas populações. Acresce que, desde a entrada em vigor da Constituição de 1976, se tem verificado um alargamento das atribuições e competências das autarquias locais, que constituem hoje uma malha de proximidade com competências e responsabilidades nas políticas públicas com forte impacto na gestão e organização dos espaços em que vivemos e, muitas vezes, nas respostas mais imediatas aos problemas sociais dos cidadãos.
2. O património político e social que as autarquias representam hoje em Portugal não pode constituir um entrave à modernização da organização administrativa do território, devendo ser visto, pelo contrário, como um elemento de proximidade e um capital de experiência para que se encontrem as melhores soluções para uma gestão eficiente e racional dos recursos do país.
3. Entendeu a Assembleia da República aprovar, em votação final global, em 1 de junho de 2012, o presente diploma relativo à reorganização administrativa de Lisboa.
4. No decurso dos trabalhos parlamentares, designadamente na reunião plenária de 15 de junho, foram expressas dúvidas quanto à fiabilidade do texto aprovado no que diz respeito à definição dos limites de freguesias e do município de Lisboa que constam no artigo 9º do diploma, constatando-se ainda que os grupos parlamentares representados na Assembleia da República não chegaram a um consenso quanto à forma de corrigir este erro, designadamente em sede de redacção final do diploma.
A existência de erro foi também transmitida ao Presidente da República pelos Presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e de Loures.
5. Face a esta situação, está-se perante a singular circunstância de ser enviado ao Presidente da República para promulgação um texto legislativo em relação ao qual o seu próprio autor expressa, previamente, dúvidas quanto à exatidão do mesmo.
6. Neste contexto, o Presidente da República não pode deixar de notar, como já fez em anteriores ocasiões, que a qualidade e o rigor na produção das leis são um imperativo da maior importância para a segurança jurídica e para o estabelecimento de uma relação de confiança e de respeito dos cidadãos perante o Estado. O rigor deve ser uma condição sine qua non em todas as fases do processo legislativo.
7. Também importa acautelar que o poder de veto político do Presidente da República, consagrado constitucionalmente, não seja utilizado para dirimir dúvidas desta natureza.
8. É, por outro lado, indispensável que, sendo este diploma devolvido à Assembleia da República, sem promulgação, sejam esclarecidas todas as dúvidas em matéria de consulta dos órgãos das autarquias abrangidas no mesmo por alterações à sua área.
9. Note-se que estando em vigor a Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, que estabelece o processo de reorganização administrativa territorial, o rigor com que a iniciativa legislativa da reorganização administrativa de Lisboa for tratada não deixará de ter consequências nos casos que lhe poderão seguir.
Assim, decidi devolver à Assembleia da República, sem promulgação, o Decreto n.º 60/XII da Assembleia da República relativo à reorganização administrativa de Lisboa, para que seja objeto de nova apreciação.
Com elevada consideração,
Palácio de Belém, 24 de julho de 2012
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Aníbal Cavaco Silva
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