Bem-vindo à página ARQUIVO 2006-2016 da Presidência da República Portuguesa

Nota à navegação com tecnologias de apoio

Nesta página encontra 2 elementos auxiliares de navegação: motor de busca (tecla de atalho 1) | Saltar para o conteúdo (tecla de atalho 2)
Cerimónia de agraciamento do Eng. António Guterres
Cerimónia de agraciamento do Eng. António Guterres
Palácio de Belém, 2 de fevereiro de 2016 ler mais: Cerimónia de agraciamento do Eng. António Guterres

ATUALIDADE

Clique aqui para diminuir o tamanho do texto| Clique aqui para aumentar o tamanho do texto

Mensagem do Presidente da República à Assembleia da República a propósito da não promulgação do diploma que altera a Lei do Segredo de Estado

Senhor Presidente da Assembleia da República
Excelência,

Tendo recebido, para ser promulgado como lei orgânica, o Decreto nº 292/X da Assembleia da República, que procede à primeira alteração à Lei n.º 6/94, de 7 de Abril (Segredo de Estado), e regula o acesso da Assembleia da República a documentos e informações com classificação de segredo de Estado, decidi, nos termos do artigo 136º da Constituição, não promulgar aquele diploma, com os seguintes fundamentos:

1 – No nosso ordenamento jurídico, o segredo de Estado abrange os documentos e informações essenciais à preservação da independência nacional, da unidade e integridade do Estado e à sua segurança interna e externa.
O segredo de Estado compreende, designadamente, as estratégias a adoptar pelo País no seu relacionamento com outros Estados ou organizações internacionais, a operacionalidade das Forças Armadas e dos serviços e forças de segurança ou as matérias de natureza comercial, industrial, científica, técnica ou financeira que interessem à preparação da defesa militar do Estado.
Trata-se, por conseguinte, do conjunto das informações que integram o núcleo essencial de salvaguarda dos valores e interesses fundamentais do Estado.

2 – Nestes termos, atenta a natureza da matéria em causa, a definição do regime jurídico do segredo de Estado exige, da parte do legislador, um especial cuidado e um elevado sentido de responsabilidade, com devida ponderação de todas as consequências que a sua intervenção pode suscitar.
A intervenção do legislador não pode deixar de ter presente, de uma forma muito clara, a arquitectura institucional do Estado, tal como se encontra definida na Constituição da República Portuguesa, de modo a evitar conflitos ou tensões entre órgãos de soberania ou entre estes e o conjunto muito restrito de outras entidades que, nos termos da lei, dispõem de competência para determinar a classificação de segurança.

3 – Sem prejuízo do mérito de algumas alterações agora adoptadas, o diploma em apreço contém soluções normativas que se afiguram graves para uma salutar articulação entre órgãos de soberania e para a interdependência dos poderes do Estado, bem como para a própria salvaguarda dos interesses que o segredo de Estado visa proteger, contemplando mesmo formas não admissíveis de condicionamento ou de constrição do exercício dos poderes dos vários órgãos de soberania.

4 – O regime em vigor atribui a competência para a desclassificação dos documentos à entidade que tenha procedido à classificação definitiva. Esta atribuição de competência visa garantir a solidez substantiva da decisão de classificação e o equilíbrio de poderes entre órgãos de soberania numa matéria muito sensível.
De facto, a classificação de um documento ou informação como segredo de Estado decorre da avaliação que cada titular de um órgão de soberania faz quanto à sua relevância para a protecção de valores e interesses nacionais: uma avaliação de conteúdo político que tem em conta diversos elementos, desde a oportunidade temporal do sigilo à conexão das informações reservadas com outras matérias. Daí que o juízo sobre a desclassificação de um documento não possa deixar de possuir uma estreita conexão com o juízo que presidiu à sua classificação.
A nova redacção introduzida pelo decreto no nº 2 do artigo 4º da Lei do segredo de Estado, embora mantenha a regra segundo a qual é competente para desclassificar a entidade que tenha classificado em definitivo, vem abrir uma excepção quando determina que tal competência se exerce, “(…) sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 4 do artigo 13º”.
Sucede que esta norma confere ao novo órgão parlamentar – embora mantendo a designação anterior (Comissão para a Fiscalização do Segredo de Estado) – o poder de determinar a desclassificação de quaisquer informações ou documentos sujeitos ao segredo de Estado, verificada a omissão da entidade em princípio competente, nas seguintes situações:

i) Decurso do prazo para a manutenção da classificação ou para a sua revisão;

ii) Por cessação das razões que fundamentam a classificação do mesmo acto como passível de ser abrangido pelo segredo de Estado.

Atribuir a uma entidade alheia ao acto de classificação a faculdade de determinar a desclassificação, devendo ter-se presente que tal entidade desconhece e não ponderou todos os motivos que determinaram a submissão a reserva, é algo que se afigura pernicioso para a própria salvaguarda do segredo de Estado, ou seja, para os superiores interesses nacionais.
Para mais – e este ponto reveste-se de crucial importância –, como a classificação de documentos é feita em conexão com o exercício das funções próprias de cada órgão de soberania, esse exercício passa a ficar condicionado de uma forma muito profunda, pondo-se em causa, já não apenas o relacionamento interinstitucional dos órgãos do Estado, mas o próprio modo como, no desempenho das suas competências próprias, cada órgão de soberania actua.
Na verdade, se, por exemplo, o Governo decidir classificar como segredo as informações relativas a negociações com um determinado Estado estrangeiro, sabendo de antemão que a todo o tempo o sigilo poderá ser postergado, a sua margem de actuação em matéria de política externa ficará seriamente comprometida, seja na relação com esse Estado em concreto, seja com outros Estados ou organizações internacionais. Em domínios especialmente sensíveis, como as políticas externa, de defesa ou de segurança, a necessária liberdade de acção dos órgãos superiores do Estado poderia ser afectada de modo desproporcionado, assim como poderia ser afectada a cooperação internacional em matéria de combate a novas ameaças à escala global, tal como a criminalidade organizada ou o terrorismo transnacional, podendo até pôr-se em causa compromissos já assumidos pelo Estado português nesse plano.

5 – No que respeita ao Presidente da República compete-lhe também, nos termos das normas do nº 1 do artigo 3º, nº 2 do artigo 4º e nº 1 do artigo 2º da Lei nº 6/94, a função de determinar a classificação e a desclassificação de informações e documentos, respeitantes ao exercício dos seus poderes, cujo conhecimento por pessoas não autorizadas seja susceptível de pôr em risco ou causar dano à independência nacional, unidade, integridade e segurança do Estado.
Essa função deriva, nomeadamente, do seu estatuto de Comandante Supremo das Forças Armadas e de órgão titular da competência para presidir a outros órgãos constitucionais como o Conselho de Estado e o Conselho Superior de Defesa Nacional.
Ora, a nova redacção conferida à parte final da alínea b) do nº 4 do artigo 13º da Lei n.º 6/94 permite que um juízo livre sobre o mérito da decisão, proferido por aquela comissão da Assembleia da República e que seja favorável à desclassificação de informações e documentos, se sobreponha ao juízo do Presidente da República que considere que certas informações e documentos por ele classificados devem continuar sujeitos ao segredo de Estado.
Por outro lado, já no que respeita ao regime de acesso pela Assembleia da República aos documentos classificados, previsto no agora aditado artigo 9º-A, o Parlamento passa a dispor da competência de acesso a documentos classificados pelo Presidente da República, o que agrava aquela sobreposição.
Tal sobreposição, presente nas normas enunciadas, é tanto mais grave quanto é clara a concentração de poderes relativos ao segredo de Estado na Assembleia da República, não respondendo o Presidente da República politicamente perante aquela.

6 – Acresce que o presente diploma introduz uma significativa modificação quanto à natureza da Comissão para a Fiscalização do Segredo de Estado, órgão competente para zelar pelo cumprimento deste regime jurídico.
Assim, a nova redacção dada ao artigo 13º da Lei nº 6/94 pelo artigo 1º do decreto nº 292/X determina a transformação da natureza da Comissão, a qual perde o seu estatuto de entidade independente, sendo agora convertida num “órgão da Assembleia da República”.
Recorde-se, a este propósito, que o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 458/93, deixou bem clara a importância da independência da entidade fiscalizadora para a preservação de um saudável relacionamento interinstitucional, dizendo: «dada a sua posição de órgão independente a funcionar junto da Assembleia da República, os pareceres que vier a dar não poderão pôr em causa as relações constitucionais entre os órgãos de soberania».
Ora, tendo a Assembleia da República relevantes funções em matéria de segredo de Estado – reforçados, de resto, por esta alteração, quer no que respeita ao seu regime de acesso aos documentos classificados, quer nos poderes do seu Presidente – não pode deixar de se assinalar a perturbação orgânica que resultaria da acumulação na Assembleia da República, simultaneamente, das funções de entidade fiscalizadora e entidade fiscalizada.

7 – Exemplo claro desta concentração resulta, designadamente, da vinculação imposta às entidades competentes para a classificação de fornecer à Comissão fiscalizadora os elementos a que se refere a alínea a) do nº 4 do artigo 13º, com vista à organização de «um registo de todas as informações e documentos classificados como segredo de Estado, com base nos elementos fornecidos pelas entidades com poder para tal classificação, nos quais se incluam as referências identificativas de cada um deles, indicação genérica do tema respectivo e data e fundamentos da sua classificação».
Daí resultaria, por exemplo, que, sempre que o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro ou um Ministro, no exercício das suas funções, decidissem atribuir a classificação de segurança a uma informação ou a um documento, estariam obrigados a comunicar tal facto, com indicações extremamente precisas e detalhadas, à Comissão para a Fiscalização do Segredo de Estado, para que esta organizasse um «registo dos segredos». Isto no contexto de um sistema em que não existe qualquer obrigação de o autor de uma classificação de segurança comunicar tal facto às demais entidades com competência para o efeito. Isto é, o Ministro da Defesa Nacional não possui a obrigação de informar os seus pares, nem tão pouco o Comandante Supremo das Forças Armadas, sempre que classifica um documento como segredo de Estado. Contudo, à luz do Decreto nº 292/X, teria a obrigação de informar a comissão fiscalizadora, para que esta organizasse e actualizasse o registo a que se refere o artigo 13º, nº 4, alínea a).
Conclui-se, pois, que, em matéria de segredo de Estado, um órgão parlamentar de três membros, ao centralizar os elementos a ele enviados, poderia estar mais e melhor informado do que qualquer órgão de soberania sobre matérias essenciais para a independência nacional ou para a segurança interna e externa da República.

8 – Este regime é tanto mais incompreensível quanto resultam agora muito alargados os poderes da Assembleia da República no que respeita ao acesso aos documentos classificados, nos termos do novo artigo 9º-A, que permitem ao Parlamento a livre decisão não só quanto ao acesso a todos os documentos e informações classificados, como também quanto à oportunidade do seu envio.
A abertura deste novo regime de acesso, associado à transformação da natureza da Comissão fiscalizadora, que perde, como se assinalou, o seu carácter de independência, aponta para uma clara concentração no Parlamento de funções de classificação, de acesso à informação, de resolução, sem recurso, das queixas apresentadas e de fiscalização do segredo de Estado.
Sem estar em causa o acesso da Assembleia da República aos documentos classificados – no quadro das restrições constitucionalmente impostas nesta matéria –, importa que da concentração mencionada não resultem diminuídos os poderes dos outros órgãos de soberania e, por essa via, afectado o princípio da separação e da interdependência dos poderes.

Assim, nos termos do artigo 136º da Constituição, decidi devolver à Assembleia da República, sem promulgação, o Decreto n º 292/X da Assembleia da República, que procede à primeira alteração à Lei n.º 6/94, de 7 de Abril (Segredo de Estado) e regula o acesso da Assembleia da República a documentos e informações com classificação de segredo de Estado.

Com elevada consideração,

Palácio de Belém, 5 de Julho de 2009

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Aníbal Cavaco Silva

06.07.2009

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.