Intervenções da Dra Maria Cavaco Silva
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O lançamento que estamos a fazer aqui hoje nasceu de uma história muito bonita.
Um dia uma mãe foi confrontada com um problema raro.
O seu filho raríssimo percebeu que já não havia mais escola para ele. Tinha ultrapassado a idade.
Ela estava preocupada, claro.
E foi o filho que lhe deu a solução:
“Mãe, se já não temos escola, faz tu uma!”
Daqui, desta inocência também ela rara, num adolescente raríssimo, nasceu a ideia da necessidade urgente da construção de uma casa de acolhimento – A Casa dos Marcos.
Porque esta mãe não desiste e nós vamos todos ser tão persistentes como ela.
E agora temos uma casa para ajudarmos a construir. Uma parede, um telhado, um pedaço de jardim, uma cama. Pouco a pouco, peça a peça, temos que ajudar a pôr de pé este sonho. Porque ele faz muita falta, mas também porque queremos ser melhores e estar mais atentos a todos os que precisam da nossa ajuda.
Felizmente que sei, agora por experiência, que isto está a acontecer mais e de uma maneira mais empenhada.
Quero aqui referir já, com um grande bem hajam, a adesão da Gulbenkian e da Swatch, a este projecto.
Mais virão, tenho a certeza, porque para pôr em pé as paredes de uma casa precisamos de muitas forças unidas.
Vai ser preciso luta, paciência, capacidade de enfrentar dificuldades, sem desânimo.
Vai ser preciso principalmente muita generosidade, muito trabalho de equipa, que ninguém faz nada sozinho.
Tenho encontrado tanto entusiasmo no meu país, tenho sentido tanto empenho em ajudar que sei que vamos conseguir pôr um telhado neste projecto.
Só depois mereceremos todos celebrar a vitória da solidariedade.
É um problema para o qual temos de acordar e rapidamente. Os nossos filhos e filhas raríssimos estão, graças aos magníficos progressos científicos dos últimos anos, a ficar mais tempo connosco. Isto responsabiliza-nos cada vez mais na assistência e ajuda que lhes queremos e devemos dar.
Para cumprirmos essa tarefa, precisamos urgentemente de “casas dos marcos”, onde possam ter o que precisam para se sentirem amados como merecem.
Uma vida raríssima não é necessariamente um fardo, um peso inútil.
Quando bem ajudados a desenvolver as suas capacidades, todos os seres humanos têm lugar no lado activo da sociedade.
É isso que queremos, mas é também essa a nossa obrigação, como membros que somos de uma comunidade.
Os tempos mudaram e ao longo dessa mudança temos aprendido muito sobre pessoas que, durante séculos, ou foram escondidas ou foram tratadas de forma desadequada.
Sabemos mais, temos mais meios, temos mais deveres.
Porque entendemos melhor, a outra luz, os direitos dos cidadãos raros e raríssimos, é muito maior a nossa responsabilidade.
Sem desculpas, mas também sem recriminações inúteis, vamos assumir todos essa responsabilidade e pôr-nos ao lado das “mães-coragem” que estão a ensinar-nos o caminho.
Já fizeram tanto que esse caminho está bem mais fácil de percorrer.
É só um passo depois do outro. Neste caso, como vamos construir uma casa, é só pôr uma telha após outra, um tijolo sobre o outro tijolo.
Todos os dias sou confrontada com gritos de alma de mães (devo dizer-vos que são quase sempre as mães) que me escrevem desesperadas por falta de soluções escolares, de apoio a vários níveis, para os seus filhos raros.
As filhas e filhos crescem, elas trabalham para lhes dar o que precisam, e ficam sem saber como acudir a tudo o que se lhes exige.
Algumas confessam-me mesmo que ficaram sozinhas, porque os pais não aguentaram. Elas aguentam sempre. Elas lutam sempre.
Desculpem-me mas este desabafo é fruto dos meus contactos com uma realidade que agora conheço bem.
Devo confessar que o que mais me impressionou na história bonita que estamos a viver aqui hoje foi o facto de a Paula Costa, que já fundou a Associação Raríssimas e vai construir “A Casa dos Marcos” porque estamos aqui para ajudá-la, melhor, ajudar-nos porque o problema é de todos nós, entregou-se de alma e coração a este projecto quando o seu filho Marco já não precisava da escola.
Temos que nos apressar senão corremos o risco de chegar tarde demais. Não podemos abandonar os Marcos que precisam de nós e encontrar a solução só quando os Marcos já nos abandonaram.
Aqui o tempo não é dinheiro é Amor.
A Paula corre por amor. Vamos também correr com ela.
Almas desta têmpera não podem ficar sozinhas a construir moinhos de vento.
Temos de pôr mãos à obra e dar-lhes tijolos, telhas e cimento e tudo o mais que for preciso para não termos vergonha da nossa passividade perante tanta energia, tanta força para acreditar que as coisas impossíveis só precisam de muita fé e muito trabalho para se tornarem realidade.
Sei que a Paula já não está sozinha. Que já alguns responderam “Presente!”, a esta onda de esperança que ela sabe tão bem fazer nascer nos que lhe acompanham o trajecto.
Pessoalmente devo dizer que não foi a Paula que veio ter comigo a pedir ajuda. Fui eu que a chamei.
Li uma entrevista sobre a “Associação Raríssimas”, que ela fundou, sobre o seu trajecto com o filho raro que Deus lhe pôs nos braços, sobre a sua luta para não se deixar destruir pelas dificuldades e quis de imediato mandá-la chamar e dizer-lhe, de mulher para mulher:
“ - Olhe, Paula! Eu agora estou numa posição em que talvez as pessoas me ouçam.
E o que eu quero fazer daqui é precisamente dar voz a quem a não tem, quero ser a correia de transmissão dos mais esquecidos, dos mais escondidos, dos mais abandonados.
Daqueles que ninguém vê, que ninguém sabe que existem.
Parece-me que o seu sonho encaixa bem neste meu objectivo prioritário”.
E hoje estamos aqui já com algum caminho andado.
Tenho a certeza que o sonho de todos nós, como de tantas mais pessoas que queremos conquistar para esta nossa causa, se vai tornar realidade.
Já antecipo a nossa alegria colectiva no dia da inauguração.
E o empenho com que partiremos para a tarefa que se seguir.
Porque isto é uma cadeia, elo após elo, que não tem fim.
Enquanto houver quem precise de nós!
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