Intervenções da Dra Maria Cavaco Silva
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“Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
E tangem-me, excitados, sacudidos,
o tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!”
Cesário Verde, “Cristalizações”
Estamos hoje a encerrar com “O Festival dos Sentidos” as Comemorações do 25º Aniversário da CEDEMA.
Primeiro quero congratular-me com o acordo acabado de celebrar entre a CEDEMA e a MALAPOSTA.
É-me particularmente caro, porque une de uma forma inter-activa duas preocupações-chave que me têm acompanhado e perseguido ao longo de toda a minha vida: a arte e suas expressões várias e a necessidade, cada vez mais premente, de chegarmos aos que precisam de nós, de forma eficaz mas sem lamechices.
Em boa-hora a CEDEMA e a MALAPOSTA perceberam que juntando boas vontades e energias se vai sempre mais longe.
E os nossos tempos obrigam-nos todos os dias a irmos mais longe.
Os cinco sentidos referidos no originalíssimo verso de Cesário Verde com que iniciei estas minhas breves palavras, para marcar a minha presença entre vós e o meu empenhamento no vosso projecto, já não são só cinco…
À medida que o tempo passa, os sentidos dos homens e das coisas parecem multiplicar-se em infinitas capacidades que vamos descobrindo.
E são precisamente estes seres humanos raros que hoje aqui temos connosco que, paradoxalmente, nos vão fazendo descobrir essa multiplicidade de sentidos, que nem sequer sabíamos existirem.
Tempos houve em que todas estas pessoas atacadas de um ou outro mal que não estava diagnosticado nem compreendido, eram consideradas “limitadas”.
Agora sabemos que para cada porta que se fecha, se abrem várias janelas e, felizmente, já queremos e temos meios para as encontrar.
Nas minhas muitas visitas a associações que se dedicam e preocupam com os nossos cidadãos diferentes, tenho aprendido tanto sobre as capacidades humanas de ultrapassar limitações, há uns quantos anos consideradas barreiras intransponíveis, que estou muito optimista.
A passagem do tempo, que nos fez descobrir que afinal todos têm mais sentidos do que os cinco tradicionais, deu-nos uma alegria e uma preocupação.
A alegria de os termos mais longamente no nosso convívio.
A preocupação, que todos aqui sentem tão bem, de sabermos que a vida dos pais que cuidam agora já é mais curta que a dos filhos que são cuidados.
E não queremos que lhes falte nada de essencial. A capacidade de desenvolverem as suas autonomias próprias, o carinho, o sentirem-se integrados num mundo onde também têm um papel a cumprir.
Ao longo deste ano em que, como mulher do Presidente tenho sido chamada a estar presente em muitas instituições que se dedicam ao amparo dos nossos cidadãos especiais, percebi que era esta a preocupação a que me queria dedicar mais.
Porque a acho a mais difícil. Porque a acho urgentíssima. O tempo não pára nem espera por nós.
Todos os pais e mães que aqui estão hoje percebem o que quero dizer.
E têm um projecto urgente, porque é um projecto de luta contra o tempo.
Os pais envelhecem e têm o pânico de não conseguirem encontrar quem os substitua no cuidado dos seus descendentes especiais e diferentes.
Que têm capacidades, como todos os seres humanos têm capacidades.
E que são preciosos, como todos os seres humanos são preciosos.
Mas têm pouca habilidade para lidarem com a vida do dia-a-dia. Aquelas coisas que nos parecem simples e rotineiras tornam-se às vezes um quebra-cabeças para eles.
São capazes de cantar, pintar, tratar de flores e jardins, emocionam-se com a música ou o teatro. Mas alguns talvez se atrapalhem um pouco a lidar com tachos e panelas.
Precisam, em suma, de um Telhadinho que os abrigue e os proteja de modo a poderem ser felizes.
E que os pais possam viver sem a angústia permanente de se interrogarem: “E depois como é que vai ser?”.
O melhor ponto final nestas comemorações dos 25 anos da CEDEMA – tanto tempo já e tanto foi já feito – é percebermos todos este novo desafio que a sociedade dos nossos dias enfrenta.
Só posso pedir-vos, emocionada mas confiante:
“Por favor, vamos todos pôr uma telha neste Telhadinho!”
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