Gostaria de começar por felicitar a empresa Transinsular pelo seu 30º aniversário. Esta longevidade no setor da marinha de comércio portuguesa deve ser assinalada e saudada.
A Transinsular, operando com oito navios, é uma empresa líder no transporte naval e nos serviços de linha, e o grupo E.T.E., seu proprietário, é um exemplo da ligação de Portugal ao mar, bem como da resiliência necessária para manter uma empresa num setor de capital intensivo e margens reduzidas como é o dos transportes marítimos.
Felicito, por isso, os administradores, os acionistas e os trabalhadores da empresa, que, com a sua determinação e o seu esforço, mantêm viva a chama imemorial da armação de comércio portuguesa.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
O mar e a sua exploração sustentável para gerar crescimento e emprego na economia nacional são dos temas que mais tenho promovido na agenda pública nacional.
Falei do mar no meu discurso de posse, no primeiro mandato que exerci como Presidente da República. Homenageei a ligação de Portugal ao mar no dia inaugural do meu segundo mandato, com a visita ao navio hidrográfico Gago Coutinho e ao navio-escola Sagres.
Tenho acompanhado de perto a atividade de portos, de laboratórios de ciências do mar, de empresas de reparação naval e visitei, já este ano, o Instituto Hidrográfico. Recebi líderes internacionais dos assuntos do mar, promovi os novos usos dos oceanos e as indústrias da biotecnologia marinha, visitei os clusters marítimos de outros países e fui às Ilhas Selvagens, baluarte da imensidão do Atlântico português.
Hoje tenho a oportunidade de falar deste setor silencioso, no sentido em que dele pouco ou nada se diz, que é o setor dos transportes marítimos.
Tenho seguido o evoluir da agenda do mar em Portugal e constato, com regozijo, a atenção que o tema tem vindo a adquirir. No entanto, muito pouco se diz e se faz pela nossa marinha de comércio. Este silêncio é tanto mais estranho quanto, à escala europeia, os transportes marítimos se afirmam como uma das principais fileiras na economia do mar, gerando mais de 350 mil milhões de euros de volume de negócios.
A presente dimensão da nossa marinha de comércio é um pálido vestígio do que foi outrora, nos idos anos 70, em que, em tonelagem, figurávamos na lista das 15 maiores marinhas de comércio do mundo. Tal decadência parece incomodar poucos em Portugal, com exceção, talvez, dos agentes do setor.
Porque é importante a marinha de comércio para Portugal?
Porque dela depende toda uma série de indústrias que são determinantes para a vitalidade de um cluster do mar: a construção e reparação naval, as indústrias de material e equipamento náutico, a engenharia e o design industrial, as tecnologias e sistemas offshore, os serviços marítimos financeiros, jurídicos, de seguros e de classificação de navios.
Ora, sem esta massa crítica de empresas, de know-how, de serviços e produtos, que depende do setor dos transportes marítimos, não pode haver um verdadeiro cluster do mar e não pode um país considerar-se um país marítimo.
Não nos podemos resignar nem acomodar ao declínio da marinha de comércio nacional, tratando-o, além do mais, como um “não-assunto” da sociedade e da economia nacional. Após tempos de declínio, é possível voltar a emergir e a crescer.
A transformação da Lisnave numa das maiores indústrias de reparação naval do mundo foi algo que pude testemunhar quando a visitei em 2011, e deve servir de exemplo quando falamos de marinha de comércio.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Temos que reinventar o setor dos transportes marítimos. Desde logo, porque é cada vez mais um setor de futuro na Europa em que vivemos.
Três razões ponderosas concorrem para isso.
Em primeiro lugar, o avanço inexorável da globalização e da internacionalização das economias, que significa mais trocas comerciais, ou seja, o crescimento do comércio mundial, que, em 90 por cento do seu volume, viaja por mar. Serão necessários mais e maiores navios para enfrentar este desafio.
Em segundo lugar, a segurança energética europeia, que requer mais terminais de gás natural liquefeito, mais metaneiros para o transportar e mais navios tanques para o transporte de petróleo.
E, por último, o próprio paradigma europeu da sustentabilidade e da redução das emissões de efeito de estufa que quase impõe a utilização do navio, muito mais eficiente energeticamente do que o avião, o camião ou mesmo o comboio. Na Europa, o transporte marítimo de curta distância em navios, novos e mais amigos do ambiente, está a ganhar apoios e será cada vez mais uma realidade.
Para Portugal, um país que está longe das grandes áreas industrializadas da Europa, bem como dos seus centros de consumo, é a fachada atlântica que nos permite ligar a outros mercados e a outras regiões mundiais. Esta realidade é hoje tanto mais importante quanto queremos reorganizar a economia portuguesa e orientá-la para o crescimento das exportações e para a diversificação de mercados, nomeadamente para regiões não europeias.
Os transportes marítimos permitem-nos também depender menos dos países que temos de cruzar para chegar ao centro da Europa. Para Portugal, o único país europeu de média dimensão que tem fronteiras apenas com um Estado vizinho, a importância geoestratégica do mar deveria ser ainda mais evidente.
De referir, ainda, que a utilização mais intensa do transporte marítimo nos resguarda, de algum modo, do impacto das políticas ambientais europeias que, cada vez com mais exigência, condicionam o transporte rodoviário, e sobre o qual tendem a incidir custos acrescidos.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Dizem os especialistas que, para mudar a realidade do transporte marítimo nacional, é importante a adoção por Portugal da taxa de tonelagem que a União Europeia concede ao setor dos transportes marítimos. Sem isso, dificilmente reuniremos as condições necessárias para apoiar o crescimento de empresas do sector, que requerem uma estabilidade e previsão de longo prazo da política fiscal para realizar os seus investimentos na renovação da frota. É uma questão que merece ser ponderada.
Por outro lado, penso que seria útil promover um debate que envolvesse as empresas nacionais exportadoras e importadoras de matérias-primas para que compreendam a importância de apoiar a marinha de comércio nacional. Sem o apoio da indústria, dificilmente haverá transportes marítimos portugueses.
Neste dia, em que celebramos o 30º aniversário da empresa Transinsular, quero sublinhar que uma marinha de comércio portuguesa, em livre concorrência com as frotas internacionais, é um ativo estratégico fundamental para um país que se quer afirmar como uma economia exportadora vocacionada para o mar.
Muito obrigado.
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
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