Ao longo da minha vida política, participei em muitas cerimónias e cimeiras, mas nunca estive presente numa cerimónia como a que aconteceu hoje no Estádio do Soweto, com a presença de tão grande número de Chefes de Estado e de Governo.
Significa isto que, de alguma forma, o mundo inteiro quis evocar a memória daquele que considera um dos seus maiores estadistas, Nelson Mandela, pela defesa que sempre fez dos ideais da paz, da justiça e da reconciliação.
E, na luta por estes ideais, Mandela percorreu Um Longo Caminho para a Liberdade. É este o título da sua autobiografia. Passou 27 anos na prisão. E, daí, ressalta um dos aspetos mais fortes do seu caráter.
Nelson Mandela sai da prisão sem ressentimentos, sem desejos de vingança, sem ódio. Pelo contrário, procura levar os sul-africanos ao esquecimento do passado, apontando para a construção do futuro. Um futuro de unidade dos sul-africanos, vivendo em paz, sem violência. E, com a mesma força que lutou contra o racismo e o apartheid, vai lutar pela reconciliação e pela unidade dos sul-africanos.
Portanto, sobressai aqui, com uma força muito grande, a sua tolerância, o seu desejo de reconciliação e de construção de uma sociedade multirracial. Caminhar para a liberdade, como ele dizia. Construir uma democracia multirracial.
E é aqui que emerge, de facto, a grandeza deste homem, de uma estatura invulgar, com uma coragem política notável, com qualidades humanas excecionais.
Nelson Mandela esteve em Portugal em 1993. Antes de ser Presidente da República, quando ainda estava a negociar com outro grande homem da África do Sul – Frederik de Klerk.
E aí, falámos sobre muita coisa. A guerra civil em Angola, a guerra civil em Moçambique, foram temas que abordámos com alguma profundidade. Era grande a preocupação de Portugal. Era grande a preocupação da comunidade internacional. Era grande a preocupação de Mandela. Disse que iria fazer tudo para contribuir para a paz em Angola e Moçambique.
Portugal honra-se de, ao longo do tempo, ter defendido a libertação de todos os presos políticos na África do Sul, incluindo Mandela, como é óbvio.
Na União Europeia, nas Nações Unidas, nos contactos bilaterais – a princípio difíceis, depois mais fáceis – com as autoridades da África do Sul. Mais fáceis quando chegou o tempo de Frederik de Klerk. A maior parte dos líderes europeus não estava convencida que este era o homem que teria de ser apoiado para desmantelar o apartheid na África do Sul e para libertar Nelson Mandela.
Por isso, foi com toda a justiça que os dois, em conjunto, ganharam o Prémio Nobel da Paz.
Nelson Mandela também reconheceu o papel da Comunidade Portuguesa na África do Sul. Uma comunidade que quer – queria e quer – trabalhar. Que quer trabalhar em paz, sem violência.
Neste dia tão especial para os sul-africanos e para o mundo inteiro – e a prova disso está no número nunca visto de Chefes de Estado e de Governo que hoje estavam presentes no Estádio do Soweto - estou convencido que as sementes de Mandela estão aí para frutificar e para criar raízes mais fortes.
Mandela não pode deixar de ser uma luz de esperança para a África do Sul, uma luz de esperança para África e um exemplo para o mundo.
Porque, pessoalmente, estive tão ligado às negociações de paz em Angola e Moçambique, porque tanto falei sobre a África do Sul – primeiro pelo apoio que prestava à UNITA, em Angola, e o apoio que se dizia prestar à RENAMO, em Moçambique – porque tanto falei com De Klerk e com Mandela para que ajudassem a trazer a paz para Angola e Moçambique, também, porque me recordo das múltiplas viagens que fiz a Joanesburgo, a Pretória e a várias outras partes da África do Sul (testemunhei exemplos de apartheid que não podia imaginar que pudessem existir, em que eu próprio e mais três colegas fomos seriamente advertidos, na estação de caminho-de-ferro de Joanesburgo, por estarmos a filmar esses sinais de racismo, de apartheid), por tudo isto, é com muito honra que, juntamente com o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, vim hoje representar Portugal nas cerimónias de evocação da memória de um dos estadistas mais marcantes do século XX.
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
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