Este ano, comemoramos o Dia de Portugal na cidade de Elvas. Dificilmente encontraríamos melhor lugar para celebrar aquilo que somos e aquilo que nos distingue como povo soberano, um povo senhor dos seus destinos.
Situada na fronteira com o país vizinho, erguendo-se da planície com legítimo orgulho forjado através dos séculos, Elvas é uma urbe que, como poucas, define o nosso perfil coletivo: irredutíveis na defesa da nossa pátria e dos valores em que acreditamos, mas abertos a estabelecer pontes, de igual para igual, com todos os povos do mundo.
As fortificações que marcam a paisagem desta cidade são um símbolo e uma metáfora. Assinalam a vontade que nos anima para lutarmos e para resistirmos, mesmo nas alturas mais adversas. Quando estas fortalezas foram levantadas, tudo parecia perdido. Mas nunca abandonámos a convicção de um futuro melhor.
Ao longo da nossa História, os Portugueses conheceram situações muitíssimo difíceis, tão ou mais difíceis do que aquela que hoje atravessamos. Durante dezenas de anos, vivemos sob dominação estrangeira. Mas nunca perdemos a esperança de recuperar a nossa soberania e de a defendermos com heroísmo e espírito de sacrifício, com a tenacidade que nos mantém unidos aqui, neste pedaço de Europa debruçado sobre o Atlântico imenso.
Portugueses,
A qualificação das muralhas e do centro histórico elvenses deve servir de exemplo ao poder central, aos decisores autárquicos e a todos os Portugueses.
A beleza e a importância histórica destas edificações são multisseculares. Todavia, o reconhecimento internacional do seu valor, ocorrido em 2012, passa a imprimir-lhes ainda maior relevância, quer do ponto de vista imaterial, ao ser gerador de sentimentos de orgulho e de apego das populações às suas raízes, quer do ponto de vista material, como elemento de atratividade turística e de projeção de toda esta região.
Tenho sublinhado, em inúmeras ocasiões, a importância da salvaguarda do nosso património, seja o património edificado, como as muralhas desta cidade, seja o património imaterial, como o Fado, que foi igualmente distinguido pela UNESCO.
Existe, nos nossos dias, uma consciência mais clara sobre a importância do património, inclusivamente do ponto de vista económico.
Um estudo recente concluiu que o património histórico é um dos domínios em que se verifica maior crescimento do contributo do setor cultural para a riqueza nacional. Faz, pois, todo o sentido que uma agenda de desenvolvimento e de criação de emprego confira especial atenção à salvaguarda e valorização do nosso património.
Além da amenidade do clima e das condições de segurança, bem como da reconhecida hospitalidade das populações, o património histórico e a cultura representam um dos maiores atrativos que Portugal pode oferecer no mercado turístico internacional, em que a concorrência é cada vez mais intensa.
Em diversos pontos do país, os autarcas, que saúdo neste Dia de Portugal, tomaram consciência de que a preservação do património cultural representa uma aposta de futuro, num tempo em que, além do mais, as infraestruturas básicas e os principais equipamentos já estão edificados e consolidados.
Muitas cidades e vilas portuguesas distinguiram-se no contexto nacional pelo facto de os seus autarcas terem tomado esta opção estratégica. Com isso, não só valorizaram o orgulho e a autoestima das populações como fizeram do património a sua «imagem de marca», que as singulariza e destaca, que as projeta no todo nacional de uma forma absolutamente inigualável.
No entanto, há ainda um longo caminho a percorrer. Mas não se julgue que o facto de vivermos tempos de dificuldades nos deve afastar desta opção, ou que o património cultural é uma questão acessória, uma benfeitoria ornamental ou um luxo a que só nos devemos entregar em alturas de prosperidade.
Pelo contrário, é justamente nos tempos de dificuldades que se devem fazer apostas de futuro. A recuperação de edifícios degradados e a valorização dos centros históricos são fatores que, no imediato, geram emprego e mobilizam a atividade económica.
Portugal necessita urgentemente de preparar o período “pós-troika” através de uma estratégia de crescimento geradora de emprego. Temos de localizar e aproveitar as nossas potencialidades, que existem e são muitas. O mar, desde logo, mas também o património histórico são ativos de que o País dispõe e de que não podemos prescindir na hora presente.
As muralhas que garantiram a nossa independência, que permitiram que hoje celebremos com orgulho o Dia de Portugal, fazem parte de um legado valioso, um legado que nos inspira e anima na afirmação da nossa soberania enquanto País livre e democrático, participante ativo no projeto europeu, nação socialmente coesa e confiante no seu futuro.
Portugueses,
Nesta região ladeada pelo Guadiana, um poeta cantou a epopeia da planície e um amador da etnografia foi pioneiro ao registar, através dos campos, o quotidiano da atividade agrícola.
O Dia de Portugal, celebrado este ano no Alentejo, constitui uma oportunidade ímpar para desfazer equívocos sobre a evolução recente da nossa agricultura e reconhecer a sua importância estratégica.
A agricultura constitui um domínio crucial para a sustentabilidade da soberania económica, para o desenvolvimento harmonioso do território e para a qualidade de vida das populações.
Ainda não atingimos todos os objetivos, temos vários desafios a vencer, mas o que foi feito no mundo rural, e que muitos cidadãos desconhecem, representa um exemplo notável e uma grande lição, sobretudo numa altura em que devemos fazer uma aposta inequívoca no crescimento da economia, com vista a combater o desemprego e a alcançar mais justiça social.
Há quem sustente que a adesão de Portugal às Comunidades implicou a destruição do mundo rural e a perda irreversível da nossa capacidade produtiva no setor primário. Este retrato é completamente desfasado da realidade.
Quando aderimos às Comunidades, em 1986, o número de agricultores era muito superior ao atual. Tínhamos, na altura, cerca de 600 mil agricultores, enquanto hoje possuímos menos de metade. De igual modo, o número de explorações agrícolas registou uma quebra significativa, de cerca de 53 por cento.
Quem observar apenas estes números poderá concluir que, nos últimos trinta anos, a agricultura em Portugal sofreu um grave retrocesso.
Não é verdade. Importa ter presente toda a realidade, e não apenas uma parte dela, quando procedemos a uma avaliação global e objetiva das transformações ocorridas no setor primário.
De facto, mais do que um processo de declínio da nossa agricultura, assistimos e ainda estamos a assistir, isso sim, a uma reconversão profunda do mundo rural. Reconversão que, sublinhe-se, era não só inevitável como desejável e que veio a revelar-se, afinal, extremamente positiva.
A agricultura era um setor que ocupava uma parcela significativa da nossa mão-de-obra, mais por efeito da persistência de um modelo socioeconómico herdado do passado do que por uma opção profissional deliberada. Não se era agricultor, estava-se na agricultura. E estava-se na agricultura com vista a assegurar o sustento do dia-a-dia, muitas vezes no limiar da pobreza e da mera subsistência.
Àqueles que possuem uma visão saudosista de um passado que, verdadeiramente, nunca existiu, basta perguntar: se nessa altura se vivia bem no mundo rural, por que motivo tantos e tantos Portugueses fugiam dos campos, em busca de uma vida melhor?
Há cerca de 30 anos, tínhamos um setor agrícola profundamente estagnado e descapitalizado, padecendo de fortes limitações estruturais.
Conseguimos, com sucesso, operar uma transformação estrutural da nossa agricultura. As explorações agrícolas, em média, duplicaram de dimensão e a reconversão técnica e produtiva que aí ocorreu permitiu obter resultados notáveis, que devemos conhecer antes de formularmos juízos apressados, que ignoram os factos e os números.
Na sua rigorosa objetividade, as estatísticas não enganam. A produtividade da terra cresceu 22 por cento e a produtividade do trabalho agrícola aumentou 180 por cento.
Há 20 anos, 80 mil produtores de leite obtinham 1 milhão de toneladas por ano; atualmente, 7.800 produtores – ou seja menos de um décimo daqueles que existiam há 20 anos – conseguem produzir 2 milhões de toneladas. A produção global no setor do leite duplicou e a produtividade por agricultor aumentou mais de 20 vezes.
No setor do tomate para a indústria, a produção global aumentou duas vezes e meia e a produção por agricultor cresceu 26 vezes.
Na olivicultura, aquilo que há 20 anos se produzia em 300 mil hectares consegue hoje ser obtido em apenas 10 por cento da área, ou seja, 30 mil hectares.
As grandes transformações não se cingiram a estes setores. De um modo geral, a atividade agroindustrial e florestal foi alvo de um intenso processo de modernização.
Afirmámo-nos como um país exportador em vários domínios: frutas, hortícolas, vinhos, produtos lácteos, concentrado de tomate, produtos de origem florestal. No passado, apenas exportávamos pasta de papel, cortiça, vinho do Porto e pouco mais.
O setor florestal, por seu turno, tem crescido sistematicamente nos últimos anos, com as exportações a atingirem em 2012 o valor recorde de 3600 milhões de euros.
Nada disto seria possível sem uma forte renovação do setor primário, a base em que assenta o desenvolvimento de parcelas muito vastas do nosso País.
A melhoria das condições de produção agrícola, quer em quantidade, quer em qualidade, teve um reflexo direto na alimentação dos Portugueses. Por vezes, não nos apercebemos do seu alcance. Mas é preciso dizer, sobretudo às novas gerações, a evolução notável que se registou nas últimas décadas.
A forma como hoje nos alimentamos é muito diferente da que existia no passado e melhorou substancialmente: o consumo médio per capita da população aumentou 63 por cento nos produtos hortícolas, 41 por cento na carne e 24 por cento no leite, sendo que o aumento do consumo desses bens não implicou um acréscimo de idêntica proporção do défice alimentar face ao exterior. Pelo contrário, recentemente assistimos mesmo a uma redução desse défice, graças a um aumento significativo das exportações, que em 2012 se cifrou em 416 milhões de euros.
Em síntese, não só conseguimos aumentar a produtividade da nossa agricultura, não só conseguimos afirmar a nossa capacidade exportadora em diversos domínios, como melhorámos de forma substancial a qualidade e a diversidade da alimentação dos Portugueses. Mais do que isso: fizemo-lo em condições que garantem um nível elevado de autossuficiência alimentar, situado nos 81 por cento.
Os benefícios não se centraram, por conseguinte, apenas nos produtores agrícolas e estenderam-se ao conjunto da população no seu todo.
E não se pode esquecer o papel da agricultura na mobilização de atividades como o turismo, o artesanato, a produção industrial ou o comércio, contribuindo para a qualidade de vida nos centros urbanos de média dimensão situados no espaço rural.
Para esta transformação, a Política Agrícola Comum deu um contributo fundamental, mas a verdade é que o grande mérito cabe aos nossos agricultores.
Neste Dia de Portugal, presto a minha homenagem a todos os nossos agricultores que, pelo seu esforço, pelo seu mérito, pelo seu espírito de iniciativa, souberam adaptar-se às exigências de um mercado altamente competitivo, concorrendo com países de grande dimensão, dotados de mais maquinaria e tecnologia, com solos mais férteis e com condições climatéricas mais favoráveis à exploração da terra.
Os nossos agricultores bateram-se sem temor com os seus congéneres europeus, investiram na modernização das suas explorações e souberam fazer uma aposta certa em produtos de qualidade.
Os números, uma vez mais, são expressivos: dos 872 produtos europeus reconhecidos como de qualidade especial, 120 são portugueses, ou seja, 14 por cento dos produtos de qualidade na Europa são de origem portuguesa.
Além disso, a agricultura biológica tem tido um crescimento muito significativo, ocupando já cerca de 210 mil hectares e 2.800 produtores, facto a que não é alheia a preocupação crescente dos consumidores com a segurança e com a qualidade alimentar.
Portugueses,
A evolução da nossa agricultura constitui um bom exemplo da necessidade de abandonarmos ideias feitas e preconceitos, de ultrapassarmos a tendência para o derrotismo e para o pessimismo.
Na verdade, encontra-se ainda enraizada em muitos espíritos a ideia – objetivamente errada – de que a agricultura portuguesa se encontra em declínio e que a nossa adesão às Comunidades implicou a destruição do mundo rural.
É um facto que o mundo rural do passado desapareceu. Simplesmente, não devemos lamentar essa extinção. Pelo contrário, ninguém de bom senso pode alimentar sentimentos de nostalgia por um tempo em que a atividade agrícola registava níveis baixíssimos de produtividade, ocupava uma parcela significativa da população mas não lhe dava em troca qualidade de vida, fazia com que muitos portugueses, mais de meio milhão, praticassem uma agricultura obsoleta que, por vezes, os colocava no limite da subsistência.
Ao atraso do mundo rural estava associado o atraso das suas populações, que viviam em condições precárias, com níveis de analfabetismo muito elevados.
Não é preciso recuar muitos anos para reviver situações de miséria que persistiam em pleno século XX, e que, pela pena de autores como Alves Redol ou Manuel da Fonseca, a literatura neorrealista captou em páginas que ilustram o modo como se vivia – ou, antes, sobrevivia – nos campos de Portugal.
Em trinta anos, conseguimos mudar práticas ancestrais que obrigaram sucessivas gerações de Portugueses a viver desigualdades iníquas, absentismo dos proprietários, dramas de fome e de miséria, precárias condições de higiene e de saúde, analfabetismo transmitido de pais para filhos, migrações sazonais internas ou, no limite, o êxodo rural para as cidades ou para o estrangeiro. A paisagem social dos nossos campos mudou – e muito.
Estamos no Alentejo e quero salientar o enorme esforço que os agricultores desta região têm feito para alterar a estrutura e a orientação das suas produções, numa adaptação, nem sempre fácil, às condições do mercado e ao enquadramento europeu.
Os resultados desse esforço são já visíveis, com novas vinhas, modernos olivais, novos pomares e também muitos povoamentos florestais jovens. A obra de regadio do Alqueva tem proporcionado condições ímpares para a renovação do tecido produtivo numa vasta região e há ainda um enorme potencial que devemos aproveitar.
Deve reconhecer-se que, na agricultura portuguesa dos nossos dias, persistem ainda limitações estruturais. A propriedade continua muito fracionada, a qualidade dos solos aráveis nem sempre é a melhor, as características do clima são por vezes adversas.
Do mesmo modo, importa reconhecer que, em alguns setores e regiões, não foi possível acompanhar as exigências de competitividade e de inovação e que, sobretudo entre os pequenos produtores, muitos foram afetados no processo de reconversão da nossa agricultura.
A sustentabilidade a prazo da agricultura requer um rejuvenescimento do seu tecido empresarial. Devemos ter presente que cerca de 48 por cento – ou seja, quase metade – das nossas explorações são dirigidas por agricultores com mais de 65 anos.
Entre as questões a merecer a atenção dos decisores políticos, destaco o futuro dos jovens agricultores. Geralmente dotados de qualificações superiores, com ambição e vontade de aplicarem os seus conhecimentos no trabalho da terra, os jovens que querem dedicar-se à agricultura enfrentam dificuldades significativas. Por um lado, têm especiais dificuldades no acesso à terra em boas condições e, por outro lado, têm de suportar encargos elevados no início da sua atividade.
É certo que muitos jovens estão a procurar a atividade agrícola. No último ano, mais de 2.000 projetos de instalação de jovens agricultores terão sido aprovados. Trata-se de um sinal muito encorajador, que abre novas perspetivas à agricultura portuguesa.
Temos de valorizar o espaço rural e apoiar os jovens que querem colocar o seu dinamismo e as suas qualificações ao serviço da agricultura. Já muito fizemos, mas podemos – e devemos – fazer mais e melhor.
Portugueses,
Ao longo dos meus mandatos como Presidente da República, tenho procurado apontar caminhos de futuro e linhas de rumo que mobilizem os cidadãos e reúnam em seu torno um amplo consenso entre agentes políticos, económicos e sociais.
Sempre discordei daqueles que entendem que a magistratura presidencial deve ser uma magistratura negativa e conflitual, daqueles que têm uma visão do Presidente da República como um ator político que participa e se envolve no jogo entre maiorias e oposições, na busca, muitas vezes, do engrandecimento do seu protagonismo pessoal.
Considero, pelo contrário, que o contributo de um Presidente da República deve ser dado pela positiva. Por isso, adotei como princípios-chave da minha atuação a cooperação estratégica e a magistratura ativa. Também por isso, nos Roteiros que efetuo pelo País, procuro sublinhar os casos e os exemplos de sucesso, para que possam ser valorizados e adotados noutros lugares.
Se há quem pretenda alimentar o pessimismo e contribuir para o desânimo dos Portugueses, sentimentos que a nada nos conduzem, para isso não contarão comigo. Tudo farei para atuar de uma forma construtiva, incutindo ânimo e esperança nos meus concidadãos.
No difícil momento que o País atravessa, temos de cumprir os compromissos que assumimos, pois Portugal é uma República de bem, que honra a palavra dada.
Ao mesmo tempo, devemos preparar-nos para a fase em que já não contaremos com a garantia de financiamento das instituições internacionais. Portugal ficará inteiramente dependente da confiança que em nós depositarem os mercados e os investidores para assegurar o financiamento do Estado e da economia.
Desenganem-se os que pensam que o “pós-troika” é longínquo. Pelo contrário, o futuro avizinha-se e, independentemente de quem seja Governo, os desafios serão tão grandes que temos de começar, desde já, a antecipá-los e a prepararmo-nos. E a prepararmo-nos bem, para podermos ter sucesso.
As perspetivas de crescimento da economia e de criação de emprego no período “pós-troika” dependerão criticamente do consenso social que formos capazes de preservar e do compromisso quanto às linhas de rumo do País, num horizonte temporal de médio prazo, que às forças políticas compete estabelecer. Esta é uma questão decisiva para o nosso futuro coletivo.
Não é a primeira vez que Portugal se defronta com pesados desafios. Com coragem e determinação, soubemos vencer enormes adversidades. Estas muralhas atestam-no, estas fortificações comprovam-no. Serviram no passado para afirmarmos a nossa soberania. No presente, foram reconhecidas como Património da Humanidade. Estou certo de que, no futuro, as fortalezas de Elvas serão testemunho de um País mais desenvolvido e mais justo.
Em nome de um Portugal melhor, saúdo todos os Portugueses.
Obrigado.
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.