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INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República na Conferência sobre a Estratégia Marítima da União Europeia para a Região Atlântica
Centro de Congressos de Lisboa, 28 de Novembro de 2011

É com especial interesse que participo hoje, aqui em Lisboa, na Conferência organizada em torno do lançamento da Estratégia Marítima da União Europeia para a Região Atlântica.

Esta Estratégia é um produto da Política Marítima Integrada da União, em boa hora desenvolvida por iniciativa da Comissão Europeia, e que tem contado com o apoio das regiões marítimas europeias, dos agentes económicos ligados à economia do mar e, igualmente, com a aprovação do Conselho e do Parlamento Europeu.

A recente aprovação, por uma expressiva maioria do Parlamento Europeu, do regulamento financeiro da Política Marítima Integrada para os próximos dois anos é um sinal claro da importância atribuída a esta nova política europeia.

Portugal, pelo facto de ser o país da União Europeia com a maior jurisdição marítima, tem um interesse, e, espero, uma voz especial na discussão dos assuntos marítimos europeus. Aliás, o nosso país pode orgulhar-se de ter sido um dos inspiradores da iniciativa da Comissão Europeia, através do trabalho realizado pela Comissão Estratégica dos Oceanos.

Além disso, desde os primeiros sopros de vida da Política Marítima Integrada, que Portugal desempenhou um papel de liderança, apoiando a Comissão em todos os momentos-chave do desenvolvimento desta política. Recordo e destaco o documento tripartido, com uma visão para a Europa e para o mar, apresentado por Portugal, Espanha e França, bem como a acção diplomática portuguesa desenvolvida durante a nossa última presidência da União, que julgo ter contribuído decisivamente para a rapidez com que se deu a aprovação, pelo Conselho Europeu de Dezembro de 2007, da nova política marítima, apresentada pela Comissão apenas dois meses antes.

Um dos principais méritos da Política Marítima Integrada é o de trazer uma visão geo-estratégica e de longo prazo para a Europa: uma Europa que reconhece o potencial que têm os assuntos do mar a nível planetário; que vê no mar, nos recursos marítimos e nas suas regiões costeiras um suporte crítico ao bem-estar e à qualidade de vida dos seus cidadãos; e que toma a decisão de passar a governar os assuntos do mar da forma mais abrangente possível, com uma visão de conjunto que, todavia, ainda estamos longe de conseguir materializar.

Esta questão da governação integrada é uma questão chave da Política Marítima Europeia e uma das que mais tem interessado a Portugal. Há quem a considere uma quimera e há quem considere que é um objectivo que importa, de facto, procurar atingir. Portugal, pela acção de liderança que tem desenvolvido, como referi, tem direito a exigir progressos neste domínio, mas tem também responsabilidades acrescidas em fazer o seu próprio trabalho na matéria.

Devemos, por isso, passar com mais vigor da definição estratégica à acção, transformando o princípio da governação integrada numa prática, não limitada à tutela do mar, mas transversal ao Governo do país. O mesmo será válido para a Assembleia da República, que nesta legislatura tem dado indicações de pretender ocupar-se mais com os assuntos do mar.

Acontece que só através de uma governação genuinamente integrada Portugal, como aliás qualquer outro Estado Membro da União Europeia, poderá concretizar as reformas necessárias para tornar o país mais atractivo ao investimento na economia do mar e criar, assim, uma nova base produtiva para a economia nacional.

Estas reformas, que não devem ser adiadas pela conjuntura difícil que atravessamos, devem incidir na criação de um ordenamento do espaço marítimo que, preservando o ecossistema marinho, seja amigo da economia do mar, havendo que simplificar os licenciamentos e as concessões administrativas do espaço no domínio público marítimo; e incluir o recurso a regimes fiscais mais favoráveis para o sector dos transportes marítimos.

Importa, igualmente, encontrar meios de estimular o investimento dos grupos económicos portugueses e o investimento estrangeiro directo no uso do vasto mar português, bem como criar condições para trazer a investigação e o conhecimento do mar para fora das universidades e dos laboratórios e alimentar, com essa matéria-prima, a inovação de que precisamos.

O mesmo devemos esperar da Comissão Europeia: que concretize o slogan do seu Livro Azul, “Um Mar de Oportunidade”, passando das estratégias aos actos, designadamente através de medidas que reforcem a competitividade da economia do mar europeia, que gerem procura interna para essa economia e que lhe confiram vantagens comparativas face à economia marítima global.

A responsabilidade da Comissão é grande, até porque as expectativas criadas com o lançamento da Política Marítima Integrada da União Europeia foram, também elas, muito elevadas. Para Portugal, devo dizê-lo, as expectativas do sucesso dessa nova política foram, pelo menos, proporcionais aos esforços que aplicámos em apoiá-la e dar-lhe vida.

Penso ser da maior importância relançar a Política Marítima Integrada Europeia, iniciando um novo ciclo da sua vida, e apostando em políticas que desenvolvam efectivamente a economia europeia e que contribuam para melhorar, em concreto, a vida dos cidadãos europeus.

Nesse sentido, e a título de exemplo, seria positivo desenvolver uma política dirigida a manter na Europa a indústria da construção naval, hoje tão seriamente ameaçada. Dever-se-ia pensar em articular o apoio à construção naval com um estímulo forte ao transporte marítimo de curta distância intra-europeu e às auto-estradas do mar. Através do incentivo ao transporte marítimo, a União Europeia poderia reduzir a factura energética do sector dos transportes, e, com a modernização da frota de curta distância, poderia reduzir a emissão de gases poluentes ou de efeito de estufa, assim contribuindo para atingir os objectivos das políticas europeias para o ambiente e o clima.

Seria igualmente muito positivo desenvolver uma política especificamente de apoio às energias renováveis offshore, que nos permita explorar a imensidão dos nossos espaços atlânticos, extravasando o actual enfoque da Comissão na região do Mar do Norte.

Uma tal política deveria apoiar formas de energia como a eólica offshore flutuante, em que algumas empresas portuguesas têm apostado, assim como a energia das ondas, ou a produção de biocombustíveis com origem em macro-algas marinhas.

Outras áreas há que mereceriam, igualmente, em meu entender, ser alvo de medidas por parte Comissão Europeia, como seja a adaptação das zonas costeiras europeias às alterações climáticas, devidamente suportada pelos fundos europeus do período 2014-2020; e a atribuição, no âmbito do futuro Programa “Horizonte 2020”, de fundos para a investigação científica e tecnológica dirigida às ciências do mar. Para realizar este tipo de políticas, que são transversais a vários sectores da governação, torna-se essencial que a Comissão Europeia reforce a coordenação entre os seus serviços e que colabore ainda mais estreitamente com as demais instituições e com os Estados Membros e as suas regiões costeiras.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Deixem-me acrescentar algumas palavras sobre a Estratégia Marítima para a Região Atlântica, que está no cerne dos trabalhos desta Conferência, e que, estou certo, será um tema forte da intervenção de outros oradores, a começar, nomeadamente, pela Senhora Comissária Maria Damanaki.

Para Portugal, um país que dispõe de uma grande zona económica exclusiva e de uma vasta plataforma continental projectada sobre o Oceano Atlântico, que tem mais de 2.500km de linha de costa no continente e ilhas e que conta com duas regiões ultraperiféricas europeias no Oceano Atlântico, a importância desta Estratégia Marítima é evidente.

Mais, ainda, quando detectamos na comunicação da Comissão a vontade de promover temas que são caros a Portugal, como articular, na bacia atlântica, programas sobre cooperação territorial financiados pela União Europeia, promover a segurança da navegação, o desenvolvimento do turismo marítimo, dos transportes e da aquacultura, ou promover a cooperação transatlântica.

Para o nosso país, estes temas, a par de outros, como é o caso particular da exploração do mar profundo, são temas estruturantes da aposta no mar que desenhámos. Daí que aguardemos com especial interesse o Plano de Acção que o novo Fórum do Atlântico deverá desenvolver.

Creio que a União Europeia tem muito a ganhar se der ao mar a atenção que este activo merece, tendo em conta o importante contributo que ele pode trazer à qualidade de vida e ao desenvolvimento económico do nosso Continente.

A Estratégia para a Região Atlântica, hoje aqui apresentada, pode ser um passo importante para o desenvolvimento económico dos Estados Membros e das regiões dessa bacia marítima.

Não obstante, estou convencido de que o aprofundamento da Política Marítima Europeia terá de passar pela abertura de um novo ciclo. Um ciclo que possa gerar políticas transversais às tutelas dos assuntos do mar e pôr em prática medidas como as que aqui apontei. Tais políticas requerem, naturalmente, um trabalho de conjunto, das instituições europeias, dos Estados membros e das suas respectivas regiões marítimas.

A Europa, que sempre beneficiou com o mar, tem tudo a ganhar com a “redescoberta” dos seus recursos marítimos, sendo que, para isso, precisa transformar as suas palavras em actos.

Neste contexto, Portugal deverá ser exemplar e, através do seu exemplo, contribuir activamente para que a Europa preserve, neste século XXI, a supremacia mundial no desenvolvimento sustentável dos oceanos e mares.

Muito obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.