A Assembleia da República aprovou, no passado mês de Fevereiro, uma lei que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
É de lamentar que não tenha havido vontade política para alcançar um consenso partidário alargado sobre uma matéria de tão grande melindre, de modo a evitar clivagens desnecessárias na sociedade portuguesa.
Face à grave crise que o País atravessa e aos complexos desafios que tem à sua frente, importa promover a união dos Portugueses e não dividi-los, adoptar uma estratégia de compromisso e não de ruptura.
As forças partidárias que aprovaram o diploma não quiseram ponderar um princípio elementar da acção política numa sociedade plural: o de escolherem, de entre as várias soluções jurídicas, aquela que fosse susceptível de criar menos conflitualidade social ou aquela que pudesse ser aceite pelo maior número de cidadãos, fosse qual fosse a sua visão do mundo.
Considero que não teria sido difícil alcançar um compromisso na Assembleia da República se tivesse sido feito um esforço sério nesse sentido.
Bastava ter olhado para as soluções jurídicas encontradas em países como a França, a Alemanha, a Dinamarca ou o Reino Unido que, como é óbvio, não são discriminatórias e respeitam a instituição do casamento enquanto união entre homem e mulher.
Nesses países, à união de pessoas do mesmo sexo foram reconhecidos direitos e deveres semelhantes aos do casamento entre pessoas de sexo diferente, mas não se lhe chamou casamento, com todas as consequências que daí decorrem.
Aliás, no mundo inteiro, só em sete países é designada por “casamento” a união entre pessoas do mesmo sexo. Dos 27 Estados da União Europeia são apenas quatro aqueles que o fazem.
Não é, portanto, verdadeira a afirmação de que a inexistência do casamento entre pessoas do mesmo sexo corresponde a um fenómeno residual no mundo contemporâneo, um resquício arcaico típico de sociedades culturalmente mais atrasadas.
Não me parece que alguém, honestamente, possa qualificar o Reino Unido, a Alemanha, a França, a Suíça ou a Dinamarca como países retrógrados.
O diploma da Assembleia da República, que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, foi por mim submetido à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional, tendo por este sido considerado não inconstitucional.
Tal não impede, contudo, que o Presidente da República possa ainda utilizar o poder de veto que a Constituição lhe confere e devolver o diploma ao Parlamento.
Importa, no entanto, ponderar os efeitos práticos de uma tal decisão e ter em devida conta o superior interesse nacional, face à dramática situação em que o País se encontra.
Conhecidas que são as posições expressas aquando do debate do diploma na Assembleia da República, tudo indica que as forças políticas que o aprovaram voltariam a aprová-lo.
Nessas circunstâncias, o Presidente da República seria obrigado a promulgá-lo no prazo de oito dias.
Sendo assim, entendo que não devo contribuir para arrastar inutilmente este debate, o que acentuaria as divisões entre os Portugueses e desviaria a atenção dos agentes políticos da resolução dos problemas que afectam gravemente a vida das pessoas.
Como Presidente da República não posso deixar de ter presente os milhares de Portugueses que não têm emprego, o agravamento das situações de pobreza, a situação que o País enfrenta devido ao elevado endividamento externo e outras dificuldades que temos de ultrapassar.
Os Portugueses recordam-se, certamente, de que na minha mensagem de Ano Novo alertei para o momento muito difícil em que Portugal se encontra e disse mesmo que podíamos “caminhar para uma situação explosiva”. E disse também que não é tempo de inventarmos desculpas para adiar a resolução dos problemas concretos dos Portugueses.
Há momentos na vida de um País em que a ética da responsabilidade tem de ser colocada acima das convicções pessoais de cada um.
Assim, decidi promulgar hoje a lei que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
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