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30.º aniversário da adesão de Portugal às Comunidades Europeias
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PRESIDENTE da REPÚBLICA

INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República na Sessão Solene Comemorativa do Centenário do Liceu Camões
Lisboa, 16 de Outubro de 2009

Senhor Director da Escola Secundária de Camões,
Senhora Presidente da Comissão Organizadora do Centenário,
Senhor Professor João Lobo Antunes,
Senhor Representante dos Alunos,
Senhoras e Senhores,

É com imenso gosto que presido a esta sessão comemorativa do centenário do edifício do Liceu Camões, uma das nossas escolas de maior prestígio e referência para muitas gerações de alunos e professores.

Pudemos hoje aqui assistir ao lançamento do livro que recorda a vida deste Liceu, através do testemunho de muitos dos que o frequentaram. Traço comum, o orgulho e afecto com que referem: “Fui aluno do Liceu Camões”!

Recordo que, até há cerca de meio século, entrar no liceu era adquirir um estatuto de distinção, era integrar o grupo dos privilegiados que tinham conquistado o direito a prosseguir os estudos com vista à entrada na Universidade.

O liceu marcava a primeira grande selecção social: os que ficavam apenas com a 4ª classe, os que eram encaminhados para as escolas comerciais e industriais, como foi o meu caso, e os que tinham condições materiais para voos mais altos.

Nessa altura, contava-se pelos dedos da mão o número de liceus existentes no País, o que obrigava a que muitos jovens que viviam longe das capitais tivessem que se deslocar e ficar hospedados em pensões ou em casa de familiares.

Esta circunstância tornava o prosseguimento dos estudos uma opção criteriosamente ponderada pelas famílias, muitas vezes forçadas a escolher o filho que teria mais capacidades de obter êxito. “Ter um filho a estudar” era apresentado como um luxo de que os pais de origem mais modesta muito se orgulhavam.

Havia, além disso, um conceito social propício ao trabalho precoce, que facilmente legitimava que os menos dotados ou aqueles que, embora tendo capacidades, exigiriam à família um esforço financeiro incomportável, integrassem o mercado de trabalho logo que concluído o ensino primário obrigatório.

Isto, naturalmente, para não falar da visão ancestral que ainda perdurava relativamente ao papel das mulheres na sociedade, e que conferia às raparigas uma claríssima desvantagem no acesso aos estudos liceais.

Assim se desperdiçavam muitos talentos e assim se viveram muitas revoltas pessoais, por querer e não poder.

Quantas e quantas histórias de vida são relatadas na nossa literatura em que o primeiro grande obstáculo que um jovem ambicioso tinha que vencer era precisamente o de ganhar o direito a prosseguir estudos no liceu!

Talvez por isso, por essa selecção e essa exigência, era muito mal aceite a falta de sucesso escolar. Era considerado um dever absoluto dos alunos estudar afincadamente, esforçar-se, ter boas notas e passar nos exames. E era encarado como natural que aqueles que sentissem dificuldades e perdessem o ano acabassem por abandonar os estudos.

Trabalho, rigor e disciplina eram as condições indispensáveis ao sucesso e os professores dispunham de uma autoridade incontestável, que devia ser capaz de produzir os melhores resultados e garantir que o investimento dos pais iria dar os seus frutos.

Havia o quadro de honra, onde os melhores viam, com orgulho, o seu nome inscrito. Servia de exemplo, mas era também um forte compromisso de expectativas, pois tão honroso era entrar no quadro como humilhante deixar de lá constar.

Podemos dizer, e com orgulho, que muito se evoluiu desde esses tempos e que a escolaridade para todos passou a ser uma questão central nas políticas nacionais, europeias e internacionais.

Hoje, ir à escola é um direito elementar de todas as crianças e o ensino obrigatório abrange já os 12 anos de escolaridade.

Hoje, é um dever dos pais enviar os seus filhos à escola, dar-lhes condições para estudar ou obter junto do Estado o apoio necessário, condição indispensável para uma efectiva igualdade de oportunidades.

Hoje, completar o ensino secundário e avançar o mais possível nos estudos é, desde logo, uma questão de justiça social, além de um investimento altamente compensador, não só para os próprios como para a sociedade como um todo.

Passou-se de uma escola selectiva para uma escola inclusiva.

Uma escola inclusiva tem que ter lugar para os melhores, que devem poder expandir as suas capacidades, mas tem igualmente que saber acolher, apoiar e desenvolver todos os que aí chegam com menos potencial, seja por razões de natureza individual, seja por condições sociais ou familiares desfavoráveis.

É no campo do conhecimento e das qualificações que Portugal tem ainda uma significativa desvantagem em relação aos outros países da Europa.

Se, por um lado, fizemos nas últimas décadas progressos notáveis na generalização do ensino obrigatório, na redução do abandono escolar e nos níveis de frequência das universidades, falta-nos, por outro lado, ir muito mais longe na qualidade e na competitividade dos nossos sistemas de educação e formação, tendo em conta os padrões europeus com os quais nos comparamos.

É na escola que se adquirem as bases de todo o conhecimento e competências. Mais ainda, é na escola que se adquirem muitas das regras, das atitudes e dos valores fundamentais que servirão de referência ao longo da vida, sobretudo quando o papel das famílias se vê cada vez mais condicionado pela vertigem da vida moderna e pela crescente desagregação dos laços familiares ou da ligação inter-geracional.

As características e o modo de funcionamento dos mercados de trabalho têm conhecido, por sua vez, uma mudança acelerada.

Os jovens terão que sair da escola munidos não apenas de um conjunto de conhecimentos e competências específicos mas também de competências genéricas que lhes confiram capacidade de adaptação, criatividade e gosto pela aprendizagem ao longo da vida.

Já não há empregos para a vida, e a mobilidade, incluindo entre diferentes países, é uma realidade exigente. Também isso implica novas maneiras de ensinar e de aprender, a que a escola tem que dar resposta.

Os professores, que foram os agentes da escola de rigor e de selecção de outrora, são hoje os agentes cruciais para o sucesso desta evolução que a sociedade moderna e global exige.

Cabe-lhes fazer a ligação entre o mundo exterior e a preparação das crianças e jovens que se sentam na sua sala de aula para aprender e descobrir.

Hoje, como há cem anos, a escola tem um papel marcante na vida dos jovens, mas a sua função tornou-se tão complexa e tão extensa que exige concertação de políticas nacionais e europeias assim como a definição de padrões de qualidade que orientem e estimulem um aperfeiçoamento constante.

Mas hoje, tal como há cem anos, uma boa escola e bons professores constituem uma referência que permanece ao longo da vida de cada aluno, como uma semente que frutifica e que dará novos frutos, tal como o testemunham os alunos que passaram pelos bancos do Liceu Camões e que aqui lhe renderam justa homenagem.

O Liceu Camões, com o seu edifício projectado de raiz pelo Arquitecto Ventura Terra, amplo e austero, foi logo de início um símbolo de exigência e de qualidade educativa, numa concepção moderna de uma escola de formação integral, física e intelectual.

Decorridos 100 anos sobre a inauguração destas instalações, podemos dizer que elas são um símbolo do que pode e deve ser uma escola. Um espaço de desenvolvimento pleno das capacidades dos jovens, um campo de convívio e de competição, mas também um centro de cultura e de formação que deixe nos jovens uma marca indelével de carácter, de abertura ao mundo e à diversidade, o gosto pelo saber e a coragem de ir mais além.

Esse espírito está bem demonstrado pela extensa galeria de alunos famosos nos mais diversos campos de actividade, desde a literatura, à política, à medicina ou à música, entre muitos outros.

Felicito o Liceu Camões e todos os que nele estudam e trabalham, desenhando, ainda e sempre, novos caminhos do futuro.

Saúdo os membros dos órgãos de gestão, os professores e funcionários que já se retiraram da vida activa mas que são ainda hoje uma presença viva na escola e nos afectos dos antigos alunos.

Saúdo a memória dos que, não estando já entre nós, souberam imprimir, ao longo deste século, tão grande carisma a esta instituição.

Faço votos de que os próximos 100 anos possam confirmar e honrar tudo o que aqui se fez e se continua a fazer, no dia-a-dia, com dedicação, com devoção e com muito trabalho, a bem das novas gerações.

Muito obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.