Torben Rankine, EUA
Donzelina Barroso, United States
Há mais de um século, em 1854, o grande homem de letras e pensador norte-americano, Henri David Thoreau, escreveu:
«Quando, numa pequena localidade rural, os agricultores se reúnem num town meeting para expressar a sua opinião sobre qualquer assunto que esteja a afectar a sua terra, isso é, em minha opinião, o verdadeiro Congresso, o mais respeitável de todos que alguma vez se reuniram nos Estados Unidos».
Os town meetings são das instituições políticas e cívicas mais antigas da América, com uma origem que remonta ao século XVII. Já nos tempos coloniais, era costume que os homens de uma dada localidade se reunissem sob a copa generosa de grandes árvores seculares, para decidirem, em conjunto, sobre temas de interesse comum. As decisões eram tomadas colectivamente por um punhado de cidadãos livres e iguais, em dignidade e direitos, que se vinculavam mutuamente pelo valor da honra e da palavra dada.
O espírito comunitário precede a existência dos Estados Unidos e constitui a matriz inspiradora de uma democracia republicana construída por cidadãos livres e iguais, que um dia decidiram trilhar o seu próprio caminho, o caminho da independência. Aqui, os valores da liberdade e da igualdade foram postos em prática antes de serem proclamados em declarações solenes.
Os Estados Unidos converteram-se numa grande Federação e, com o passar dos anos, tornaram-se uma das nações mais poderosas do planeta. Modelar na simplicidade da sua forma e na grandeza do seu conteúdo, a Constituição de 1787 inspirou diversas leis fundamentais de vários países, incluindo a primeira Constituição republicana de Portugal, cujo centenário assinalámos.
Não surpreende, pois, que o povo norte-americano continue a destacar-se pelo seu admirável patriotismo, em que o culto da ética e das virtudes republicanas se cruza com um apego profundo pelos ideais da democracia e da dignidade humana. Foi em nome desses ideais que, por duas vezes, milhares de jovens americanos atravessaram o Atlântico para combater numa Europa dilacerada pela ameaça do totalitarismo. Foi, também, para salvaguardar os valores democráticos do Ocidente que a América participou activamente na criação da Aliança Atlântica, organização de defesa colectiva a que Portugal se orgulha de pertencer, desde a sua fundação. Ainda hoje, em vários lugares do mundo, existem norte-americanos que se batem e dão a vida em prol do sonho universal da democracia.
As grandes nações não se medem pela dimensão dos seus territórios mas pela generosidade dos seus povos. Os Estados Unidos são uma grande nação não apenas por constituírem uma vasta parcela do continente americano ou por terem milhões de habitantes. São uma grande nação porque ao longo dos séculos receberam de braços abertos milhares e milhares de homens e mulheres em busca de um futuro melhor. E hoje, nesta sala, vejo nos rostos desta ilustre plateia o exemplo vivo da generosidade norte-americana. Os que aqui se reuniram esta noite, neste town meeting da portugalidade, fazem-no porque se orgulham, ao mesmo tempo, das suas raízes portuguesas e dos frutos que cultivaram e colheram nos Estados Unidos. Quem aqui está, ama a terra onde vive, mas não esqueceu a terra de onde partiu, ou de onde partiram os seus antepassados.
Foi longo o percurso desde os town meetings dos tempos coloniais. Hoje, os Estados Unidos são muito mais do que o conjunto dos seus cidadãos, são um modelo cívico de referência. Os Estados Unidos são uma grande União, mas não perderam o espírito de comunidade. Atrevo-me mesmo a dizer que o que faz a grandeza desta Federação é a vitalidade da cidadania dos seus habitantes, uma cidadania que se constrói em cada bairro, em cada comunidade, em cada lugar, desde as mais remotas aldeias até aos grandes centros urbanos.
Como poucos países do mundo, os Estados Unidos souberam conciliar a unidade e a diversidade. A União é forte porque se enriquece com os contributos distintos de cada uma das comunidades que as integram.
É neste contexto que se afirma a comunidade portuguesa e de luso-descendentes. Orgulho-me de ser Presidente da República Portuguesa porque me orgulho de Portugal e dos Portugueses. Os portugueses dos Estados Unidos, os seus filhos e os seus netos, são a imagem do melhor de Portugal. Aqui souberam formar uma comunidade integrada e organizada, feita de gente que se revê no apego americano à família e ao trabalho. É essencial que a nossa comunidade mantenha o prestígio que indiscutivelmente detém na sociedade norte-americana. Graças a esse prestígio, o nome de Portugal projectou-se através de destacados líderes políticos, de empresários dinâmicos, de trabalhadores dedicados, a que agora se junta uma nova geração de jovens investigadores e cientistas que se notabiliza em centros universitários de excelência mundialmente reconhecida.
Esta integração exemplar dos portugueses e luso-descendentes na vida pública norte-americana, ao nível político federal, estadual e local, ao nível económico, social e cultural é um activo que Portugal deve acarinhar, porque constitui um elemento fundamental de projecção da credibilidade do País.
A diáspora portuguesa, graças ao prestígio que adquiriu nos Estados Unidos, é um elemento essencial para que Portugal ponha em prática uma diplomacia económica que evidencie as potencialidades do País e a qualidade dos seus produtos e que seja capaz de mobilizar investimento externo de qualidade.
É neste contexto que quero sublinhar a acção desenvolvida, desde a data da sua criação, em 1991, pelo PALCUS, Conselho Luso-Americano para Liderança nos Estados Unidos, que tem desempenhado um papel notável no apoio à comunidade portuguesa e luso-descendente. O PALCUS afirmou-se, ao longo destes anos, como um grande interlocutor da diáspora portuguesa junto das autoridades norte-americanas, sendo múltiplos os exemplos que atestam este seu papel.
Desde o primeiro dia do meu mandato como Presidente da República, tenho procurado que os portugueses que vivem em Portugal reconheçam o esforço notável e a importância das comunidades da diáspora. Essas comunidades são exemplos que devemos ter presentes, pela sua capacidade de trabalho e pelo seu extraordinário dinamismo, mas também pela forma como se souberam integrar e prosperar nos países de acolhimento. As comunidades da diáspora são a prova de que os Portugueses são gente de fibra e com vontade de vencer.
O espírito do PALCUS é solidário. Apelo, pois, a que o PALCUS aprofunde a sua acção em prol das comunidades portuguesas e, tirando partido do prestígio que soube granjear, seja um agente mobilizador da redescoberta das potencialidades de Portugal, um país que dispõe de oportunidades de investimento, que a criatividade e o engenho dos portugueses da América podem e devem aproveitar.
Vivemos tempos de grande incerteza em todo o mundo. Mas, nesses tempos de incerteza, há certezas profundas que nos devem unir. Temos a certeza de que entre os portugueses e os luso-descendentes existe um património comum. Cabe a organizações como o PALCUS a grande responsabilidade de preservar essa herança do passado, dando-lhe um sentido de futuro. Estou certo de que o futuro será um tempo em se aprofundarão os laços políticos, culturais e económicos entre os Estados Unidos e Portugal.
Portugal é hoje uma democracia estável e consolidada, um país dotado de infra-estruturas de excelência, que pretende fazer da crise actual uma oportunidade para sanear, por uma vez, a sua situação financeira e para introduzir reformas que garantam a competitividade da sua economia.
Os efeitos de uma crise de natureza sistémica, que em larga medida nos ultrapassa, expuseram as fragilidades da nossa situação financeira e da nossa economia e obrigaram-nos a recorrer à assistência financeira da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional, com os quais subscrevemos um ambicioso programa de ajustamento orçamental e de reformas estruturais. O mais importante a sublinhar é que a determinação de Portugal tem vindo a ser positivamente avaliada pelos seus parceiros europeus e pelas instituições internacionais e que existe na sociedade portuguesa um amplo reconhecimento da necessidade de prosseguir esse esforço, apesar dos sacrifícios que daí decorrem.
Tenho confiança na maturidade cívica dos Portugueses, que compreenderam a gravidade da situação do País e estão dispostos a mudar de rumo, com realismo e sentido patriótico. Por isso, apelo à diáspora que apoie o esforço que está a ser feito pelos seus irmãos de Portugal, quer investindo em Portugal, ou adquirindo bens portugueses, quer exercendo a prestigiada influência de que dispõe junto dos empresários e dos investidores norte-americanos. Estou certo de que Portugal pode contar convosco.
Em nome de Portugal, agradeço-vos o prestígio que alcançaram nos Estados Unidos da América e o que têm feito pela imagem do nosso país, através do vosso esforço, da vossa inteligência, do vosso dinamismo e da vossa honestidade. Agradeço, ainda, tudo quanto tendes feito – e continuareis, certamente, a fazer – para que Portugal retome o caminho do desenvolvimento, num quadro de paz social e coesão patriótica.
Muito obrigado.
© 2011 Presidência da República Portuguesa