Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Senhor Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas,
Senhor Presidente da Comissão da Defesa Nacional da Assembleia da República,
Senhores Chefes Militares,
Senhor Presidente da Liga dos Combatentes,
Senhores Representantes do Poder Local,
Senhoras e Senhores,
Combatentes,
Neste local do maior significado para os combatentes portugueses, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, celebramos hoje o Dia do Combatente e evocamos, em simultâneo, a memória da Batalha de La Lys ocorrida há precisamente 92 anos.
A cerimónia que aqui tem lugar é um testemunho vivo de amor pátrio e de coesão nacional, expressos numa comunhão de sentimentos de orgulho por um passado que nos une e pelos valores que nos fizeram erguer Portugal como Nação livre, soberana e independente.
A presença de todos nós aqui, neste local, é também uma afirmação de vontade inquebrantável de continuar Portugal. De expressar de forma clara que devemos abraçar com respeito a nossa história, acolhendo as lições que ela nos deu e valorizando os nossos heróis, o muito que demos ao Mundo e a matriz de valores humanistas que difundimos.
Mas hoje, e acima de tudo, trata-se de um preito de homenagem aos combatentes, a todos os que deram, e dão, o melhor de si, até a própria vida, por esta Pátria que amamos. Curvamo-nos perante o seu esforço, a sua coragem e o seu sacrifício.
Sendo a ocorrência de conflitos e de guerras uma constante da história, devemos reconhecer o papel dos combatentes e ter presente que, a par da glória dos vencedores e das suas consequências políticas e sociais, a guerra é feita de sacrifícios e dor, onde muitos sublimam as suas capacidades e sofrem no corpo e na alma o preço pelo dever cumprido. Aqueles que se dispõem a combater ao serviço de Portugal devem merecer de todos nós o maior respeito e admiração.
Caros Combatentes,
Paradoxalmente, comemoramos o Dia do Combatente numa data que assinala uma das maiores derrotas militares envolvendo tropas portuguesas: a Batalha de La Lys. Ali se perderam cerca de 7.500 homens, entre mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros. Mais de um terço dos efectivos portugueses na Flandres. Uma derrota que, todavia, se traduziu num contributo significativo para o sucesso do esforço aliado em contrariar a ofensiva alemã.
Sendo certo que na guerra não se vencem todas as batalhas, interessa retirar as ilações que nos permitam melhorar e evitar futuros desaires. Nesta perspectiva, merecem particular reflexão algumas circunstâncias que marcaram a participação de Portugal na I Grande Guerra:
- Em primeiro lugar, o chamado “milagre de Tancos”, com a preparação de um Corpo de Exército para a Guerra num prazo de 3 meses. O instrumento militar obriga a uma preparação complexa, prolongada e exigente em termos de qualidade dos seus quadros e de equipamento, que não se compadece com soluções milagrosas de curto prazo.
- Em segundo lugar, o abandono a que foi votado o Corpo Expedicionário Português no teatro de Guerra, a braços com fortes dificuldades de apoio logístico, com a inexistência de reforços e com o prolongar excessivo das unidades na Flandres.
A responsabilidade de enviar militares para a guerra implica que se lhes proporcione as melhores condições para o sucesso. Impõe-se uma unidade de esforço na acção política e uma retaguarda militar sólida, sem as quais o emprego das Forças Armadas não é eficaz, nem democraticamente aceitável.
Importa, pois, lembrar La Lys como um sério alerta para que Portugal apoie sempre de forma coesa os seus soldados no cumprimento das missões que lhes são atribuídas.
La Lys foi um testemunho sublime e pungente de determinação e de coragem de militares que, praticamente esquecidos nos lamaçais das trincheiras da Flandres, escolheram honrar Portugal naquele que foi um dos mais dramáticos hinos à capacidade de sofrimento e de amor à Pátria do Soldado Português.
Os ex-combatentes que lutaram na Flandres já não se encontram entre nós, mas estão nos nossos corações. Dirijo uma palavra de reconhecimento e de saudade aos seus familiares, pelo imenso sacrifício que realizaram por Portugal.
Como Comandante Supremo das Forças Armadas, permitam-me recordar de forma especial os bravos de La Lys. O filho de um Tenente de Infantaria que ali combateu ofereceu-me recentemente um livro, escrito pelo seu pai, que retrata a vida nas trincheiras. Lendo-o, mais vivos se tornam os sentimentos de respeito e de admiração por todos aqueles que, com um desprendimento e com uma simplicidade heróicos, se dispuseram a enfrentar o destruidor ataque alemão sabendo que iam morrer.
Em sentida homenagem aos seus soldados nas trincheiras o Tenente Pina de Morais escreve:
“É aqui o nosso lugar de espera --- esperamos.
(…) É o nosso dever. Sinto correr um suor frio pelo corpo. Eu sei que ninguém recuará --- todos se batem.”
E, numa saudação final, dedica estas palavras aos seus homens:
(…) Escrevo-vos apenas para deixar aos nossos mortos – a nossa lembrança. Aos nossos mortos, que ficaram nas campinas dolorosas da Flandres nevoenta. Caíram (…) levando (…) no coração um sentimento de grandeza que ninguém igualará. Nas suas campas de acaso, à beira de aldeias, nos ermos, sob as árvores (…) – eles terão sempre como uma prece a nossa lembrança, como carinho o nosso triunfo, como saudade a nossa admiração.
(…) Todos poderão esquecê-los menos nós (…) temos de nos curvar ao respeito que infundem os que ficaram nessa cruzada do nosso século. Que descansem – os heróis mortos.”
Dirijo hoje, também, a minha saudação aos antigos combatentes que lutaram nos diversos teatros de guerra a que foram enviados em nome de Portugal. Os combates na Índia, em Angola, em Moçambique e na Guiné-Bissau materializaram o fim violento de um ciclo nacional, mas que deixou, nas picadas sangrentas então trilhadas, honra militar capaz de abrir o caminho a uma cooperação fraterna e frutuosa, que hoje existe.
Quero ainda saudar os militares e os antigos militares que, mais recentemente, foram chamados a participar em missões em teatros de operações longe do território nacional. As características das operações militares em que estiveram ou estão envolvidos comportam, em muitos casos, acções de elevado risco e grande importância na defesa da paz e dos interesses de Portugal. Estes são os nossos actuais combatentes, briosos e dignos representantes da tradição militar nacional.
Portugueses,
Foi com homens desta estirpe que se fez Portugal, trilhando um caminho árduo, feito com honra e nobreza, com sacrifício e entrega, com coragem e bravura. Por isso os combatentes são um pilar essencial da reserva moral da nação.
Temos, contudo, de ser mais ambiciosos. Nas dificuldades que vivemos, não podemos deixar de mobilizar estas capacidades e qualidades, activos que tão importantes podem ser para as ultrapassar. Combatemos em múltiplas trincheiras: pelos ideais da paz e da liberdade; pela justiça e pelos mais desfavorecidos; pela soberania e pela independência; pelo progresso e pelo bem-estar dos Portugueses; pelo nosso futuro individual e colectivo.
Temos de reconhecer que a felicidade de cada um, tão exaustivamente procurada, está muito dependente da capacidade de nos realizarmos como grupo, de forma solidária.
É preciso, sobretudo, criar um ambiente de responsabilidade individual e social assente em valores como os da honestidade, do reconhecimento do mérito, da verdade e, em especial, da honra.
Importa erguer Portugal com sentido de inclusão, sem esquecer ninguém, sem deixar ninguém para trás. Os combatentes têm este espírito bem inculcado no seu carácter. Importa que sejam capazes de o disseminar na nossa sociedade e que estejamos todos disponíveis para o absorver.
É tempo de nos unirmos e identificarmos o que podemos e devemos fazer por Portugal. O espírito de serviço e de luta pelo bem comum, tão queridos aos combatentes, têm de ser prosseguidos por todos os portugueses.
Cada português tem de ser um combatente por Portugal. Só assim fará sentido o sacrifício de tantos combatentes que nos precederam e que hoje, aqui, homenageamos.
Bem hajam.
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Acedeu ao sítio de arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
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