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Discurso do Presidente da República na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores

Horta, Faial


Senhor Presidente da Assembleia Legislativa dos Açores
Senhor Presidente do Governo Regional
Senhores Deputados
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Tem para mim um especial significado usar da palavra, pela primeira vez como Presidente da República, nesta casa da democracia açoriana.

Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as suas palavras e cumprimento muito calorosamente os Senhores Deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, representantes legítimos das aspirações e da vontade dos habitantes deste arquipélago.

Na qualidade de primeiros responsáveis pela concretização da autonomia político-administrativa dos Açores, os Deputados do parlamento regional são também os principais garantes do sistema autonómico e da sua articulação com a soberania da República.

Senhores Deputados,

Mais de trinta anos volvidos sobre a entrada em vigor da Constituição da República, não existe hoje em Portugal uma «querela autonómica» nem um «contencioso das autonomias» verdadeiramente digno desse nome. A existência das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira não suscita a mínima controvérsia entre os Portugueses e pode dizer-se que é absolutamente consensual a ideia de que foi correcta a opção do legislador constituinte.

A consagração constitucional da autonomia, de uma autonomia política e não meramente administrativa, é, na verdade, a solução que melhor se coaduna com o interesse nacional. É ela que permite uma conjugação harmoniosa entre unidade e diversidade, que garante o reconhecimento das especificidades regionais, no respeito pela integridade da soberania do Estado, e que mais favorece a coesão nacional.

A autonomia das regiões insulares é uma das criações mais frutuosas da democracia portuguesa.

Assim, antes de avaliarmos se a actual dimensão da autonomia já é suficiente ou ainda é deficitária, deveremos congratular-nos por termos sabido encontrar uma solução jurídico-constitucional que, ao longo de três décadas, foi fonte de progresso económico e social e assegurou uma sã convivência entre todos os Portugueses.

De facto, quando olhamos para exemplos de Estados onde a fractura entre unidade e diversidade é um problema real e até dramático, deveríamos, nem que fosse por breves instantes, saudar aqueles que, através da fórmula do Estado unitário regional, souberam encontrar um saudável equilíbrio entre dois princípios estruturantes da República Portuguesa.

É, pois, devida uma palavra de reconhecimento aos deputados constituintes e à sabedoria que evidenciaram em 1976. Mas também é justo sublinhar o papel dos responsáveis pelos órgãos de governo próprio das Regiões que, no essencial, sempre defenderam o aprofundamento da autonomia sem pôr em causa a unidade nacional e contribuíram decisivamente para a demonstração prática da correcção do modelo escolhido.

A busca de um equilíbrio entre a integridade do Estado e a autonomia das Regiões e, acima de tudo, a concretização prática dos grandes princípios enunciados na Lei Fundamental nem sempre foram isentas de tensões. Mas essas tensões são próprias da dinâmica da autonomia regional e, dentro de certos limites, os atritos com o poder central são prova de que a autonomia é uma realidade viva que pretende afirmar-se e adaptar-se às mudanças dos tempos.

Senhores Deputados,

Não compete, naturalmente, ao Presidente da República desenhar a arquitectura constitucional do sistema autonómico. O leque de poderes atribuído às Regiões Autónomas, seja na versão originária seja nas suas subsequentes revisões, é matéria da competência exclusiva da Assembleia da República. Nesta sede, o que se oferece dizer, numa apreciação global, é que os órgãos de governo próprio dispõem hoje, sobretudo em virtude das últimas revisões da Constituição, de um conjunto vasto de atribuições, competências e poderes.

E pode ainda dizer-se que os grandes desafios que se colocam ao futuro das autonomias passam, hoje, mais pelas políticas adoptadas do que pela consagração formal de novas competências e de novos poderes.

Na verdade, independentemente de aperfeiçoamentos que venham a ser introduzidos no futuro, o tempo é de concretizar as atribuições que a Constituição confere às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, de desenvolver no terreno os poderes que os órgãos de governo próprio possuem e de aprofundar a solidariedade entre as diferentes partes do todo nacional, num espírito de diálogo frutuoso entre os órgãos regionais e as autoridades da República.

Senhores Deputados,

Tenho acompanhado de forma particularmente atenta o processo político, económico e social açoriano. Essa é a obrigação natural do Presidente da República, enquanto garante da unidade do Estado. E a circunstância de os Representantes da República para as Regiões Autónomas serem nomeados pelo Presidente da República e responderem exclusivamente perante ele é um motivo adicional para que o Presidente procure conhecer de perto a realidade insular e os seus problemas.

Desejo, por isso, reiterar a minha confiança nos Representantes da República para as Regiões Autónomas, que aqui saúdo, fazendo votos de que os mesmos disponham de um estatuto adequado ao cabal exercício das suas competências de representação da soberania da República.

Desejo, também, enaltecer a força de vencer das populações açorianas. Ainda recentemente, ao deslocar-me aos Estados Unidos, contactei diversas comunidades portuguesas da diáspora, em que se integram muitos cidadãos vindos dos Açores. Em todos encontrei o mesmo inconformismo, o mesmo desejo de ultrapassar dificuldades e, também, o mesmo sentido de ligação às ilhas de onde partiram.

É esse o espírito do povo açoriano, o espírito que sempre marcou desde o mais humilde habitante destas ilhas às grandes figuras da vida pública nacional, como Manuel de Arriaga ou Teófilo Braga, ou aos nomes maiores da nossa cultura, como Antero de Quental, Vitorino Nemésio ou Natália Correia.

Tenho, por isso, confiança em que os açorianos saberão aproveitar as oportunidades que o futuro próximo lhes oferece.

Estou certo de que, com os apoios previstos no Quadro de Referência Estratégico Nacional, os Açores darão novo impulso ao processo de desenvolvimento económico e social que se vem registando desde há anos, sobretudo desde a nossa adesão às Comunidades Europeias.

A União Europeia veio mostrar que o princípio da solidariedade não envolve apenas o Estado e as suas regiões insulares; deve igualmente nortear a relação de toda a Europa com os seus espaços ultraperiféricos.

Senhores Deputados,

Um parlamento é, por essência, a morada do pluralismo. Os representantes do povo, aqui reunidos, pertencem a diversas forças partidárias, perfilham sensibilidades ideológicas distintas, têm ideias próprias quanto aos destinos desta Região Autónoma. A nobreza do trabalho parlamentar decorre justamente da capacidade de representar de modo frutuoso a pluralidade das opiniões e das tendências existentes numa sociedade. E, como é evidente, a sociedade açoriana não foge a esta regra. Co-existem aqui opiniões diferentes quanto ao governo da Região, orientações diversas para o futuro dos Açores.

Este pluralismo, e a riqueza que dele se retira, constituem um património que a vós, Senhores Deputados, cabe preservar. A diversidade de opiniões é atestado da maturidade da vida pública da Região e do empenhamento cívico das suas gentes.

Estou certo de que os Deputados desta Assembleia têm o sentido de responsabilidade necessário para assegurar um relacionamento saudável com as autoridades da República e de que estas estão empenhadas no desenvolvimento de um diálogo frutuoso com os órgãos de Governo próprio da Região.

Estou certo, também, que o pluralismo espelhado nestas bancadas é um valor essencial, que jamais será posto em causa. Daí a minha esperança de que, em articulação com os poderes centrais e através da obtenção de consensos quanto aos grandes desígnios insulares, será possível aprofundar de forma equilibrada a autonomia dos Açores e promover o seu progresso.

Senhores Deputados,

Ao visitar os Açores, não podia perder de vista a importância que o mar possui para esta Região. Os Açores sempre constituíram uma plataforma fundamental de apoio à navegação e ao início das rotas comerciais atlânticas. Foi a partir destas ilhas que se fixou uma das mais importantes bases da expansão marítima portuguesa, o que mostra a singularidade histórica dos Açores e o seu papel natural de ponto de encontro da terra com o mar.

Por isso, ao realizar aqui uma jornada do Roteiro para a Ciência dedicada às Ciências e Tecnologias do Mar, pretendi associar a minha visita à preocupação pelos oceanos, que expressei desde o início do meu mandato.

Na verdade, logo ao tomar posse como Presidente da República, tive ocasião de dizer: «É tempo de prestar ao mar uma nova atenção. A vasta área marítima sob jurisdição nacional, que nos posiciona como uma grande nação oceânica, ponte natural entre a Europa, a África e a América, encerra potencialidades económicas e um valor estratégico que não podemos ignorar. O mar, para além do seu significado histórico, constitui, para Portugal, uma enorme oportunidade».

Os Açores, ao longo da História, são um exemplo da convivência única que os Portugueses souberam estabelecer com os oceanos. É difícil encontrar melhor local e melhor ocasião para lembrar este tema do que esta sessão no parlamento açoriano.

O mar é um património que Portugal deve preservar e saber aproveitar. Constitui, porventura, o nosso mais importante activo de futuro.

Os açorianos, que desde há séculos souberam explorar as potencialidades oferecidas pelo Atlântico, compreenderão certamente o sentido deste meu apelo. Um apelo que se dirige a todos os Portugueses, mas que hoje faço, muito calorosamente, aos habitantes de uma terra a que, com inteira razão, já chamaram as «Ilhas Encantadas».

Muito obrigado.


08.10.2007
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