Intervenção da Dra. Maria Cavaco Silva na Cerimónia oficial do Lançamento da Fundação S. João de Deus
Lisboa, 12 de Junho de 2007

Minhas Senhoras e meus Senhores


Caros Irmãos da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus:

É bom partilhar convosco este momento especial em que colocamos mais um marco na história da vossa Ordem e ao mesmo tempo assinalamos quatro séculos da vossa presença em Portugal.
Sinto-me honrada com o vosso convite.

A Ordem Hospitaleira de S. João de Deus tem uma obra notável em Portugal e que infelizmente nem sempre mereceu a atenção e o reconhecimento dos portugueses.

Compreende-se a razão. Ao escolher trabalhar com as pessoas mais excluídas da sociedade, entre elas principalmente os doentes mentais, são eles próprios, os irmãos da Ordem, que se condenam a um certo esquecimento.

Os portugueses, mas nisso não estamos com certeza sozinhos, lidam mal com este problema. O estigma que lhe está associado é de tal forma poderoso que são as próprias famílias a tentar “ignorar” ou a “esquecer” os seus mais próximos. E isto apenas porque não sabem lidar com a sua estranheza.

Por isso é grande a admiração que nutro pelo vosso trabalho, pela vossa persistência, pela dádiva plena que preenche as vossas vidas. É uma forma sublime de viver o amor ao próximo, mas tão difícil que só está ao alcance de alguns.

Lidar com o sofrimento humano de carácter prolongado, seja ele qual for, exige não só a terapia, mas, como lembrava S. João de Deus, um “profundo calor humano”.

Esse “calor humano” talvez se vá tornando um pouco mais raro, o que o torna cada vez mais necessário.

Assistimos, por um lado, ao crescimento de um certo materialismo no nosso quotidiano mas, por outro, e falo por experiência, há cada vez mais almas de boa vontade a sentirem-se realizadas na ajuda voluntária aos outros.

Tenho conhecimento que a Ordem Hospitaleira de S. João de Deus tem vindo a alargar o leque das suas actividades. São cada vez mais as crianças, os idosos e os dependentes que beneficiam do apoio nos diferentes centros assistenciais em Portugal, em Moçambique, no Brasil e em Timor-Leste.

Obrigado pela vossa obra e pelo vosso amor e dedicação à causa dos mais pobres entre os pobres.

A Fundação S. João de Deus, hoje oficialmente lançada nesta cerimónia, tem pela frente grandes desafios. Espero que esta seja a solução institucional para melhor lhes dar resposta.

A sociedade de hoje não se compadece com o tradicional voluntarismo.

Hoje precisamos de mais e melhor organização das instituições de solidariedade social de forma a prestar melhores serviços e a propiciar mais bem estar e dignidade àqueles que, tocados pela doença e pelo abatimento, têm o direito de serem tratados como seres humanos, como pessoas e como próximos.

O teu próximo é aquele que está ao teu lado e precisa de ti – regra de ouro que os irmãos cumprem exemplarmente há séculos e até vão mais longe, procurando valer mesmo aqueles que não têm força nem discernimento para se aproximarem.

Face à escassez de recursos e ao avolumar dos problemas, é igualmente necessário que essas instituições unam esforços, partilhem os recursos disponíveis e coordenem as suas acções de forma a conferir maior sustentabilidade à sua acção social.

É com agrado que assisto ao lançamento da Fundação no Centro Ismaili de Lisboa, associado à Rede Aga Khan. Espero que a colaboração entre estas duas instituições possa ir mais longe – estou a pensar em Moçambique, país em que estão presentes através de obras e projectos de grande mérito e que, como já sabem todos, é um país que está para sempre ligado ao meu coração – e que possa constituir um exemplo de como a cooperação entre instituições é o caminho a seguir.

Afinal, todos temos o mesmo objectivo: combater a pobreza e a exclusão social, defender em todas as suas dimensões essa causa de tornarmos mais felizes milhares e milhares de seres humanos que sofrem com os horrores da guerra, da doença, da pobreza, sem que possam partilhar connosco os benefícios do progresso e do bem estar.

A propósito dos males da guerra, neste momento do lançamento oficial da Fundação S. João de Deus, quero chamar particularmente a vossa atenção para a sua primeira campanha de solidariedade: Inocentes de Guerra.

O Hospital S. João de Deus em Montemor-o-Novo, terra natal de S. João de Deus, há mais de meio século que presta assistência na área da Ortopedia e Reabilitação estando por isso, com a nossa ajuda, particularmente vocacionado para levar a bom porto esta tarefa. Com a Fundação vamos todos ajudar as crianças vítimas de rebentamento de minas em Angola, problema para o qual a princesa Diana, cuja morte ocorreu há já 10 anos, chamou tanto a atenção do mundo.

O projecto é ambicioso porque, para lá da reabilitação dos jovens “inocentes de guerra”, não descura a sua escolarização e formação nas áreas específicas da reabilitação, permitindo-lhes voltar à sua terra aptos a, por sua vez, ajudarem outros.

Não podemos deixar cair esta oportunidade de estabelecermos mais uma ponte de ligação a Angola, país a que estamos unidos por tanta história, boa e má, e afectos, esses só bons.

Quero deixar votos de felicidades para os vossos objectivos e a expressão do profundo reconhecimento pela obra que têm vindo a construir, aqui em Portugal e um pouco por todo o mundo, em benefício dos mais desfavorecidos.

E o desejo sincero de que este novo passo seja tão bem sucedido quanto desejais.

Que as pessoas saibam mais sobre o que estão a fazer há 4 séculos entre nós, porque assim terão mais vontade de vos ajudar.

Longe da vista, longe do coração – diz a sabedoria popular. Não se afastem da nossa vista para que o nosso coração possa estar convosco.

Quando visitei a Casa de Saúde de S. José em Vilar de Frades, tive ocasião de ver com os olhos e com o coração, de partilhar convosco momentos inesquecíveis e perceber como é difícil a área em que exerceis a vossa partilha de amor.

Bem hajam pelo muito que já fizeram!

Bem hajam pelo muito que vão ainda fazer!