Quando tomei posse como Presidente da República, entendi que o mar deveria ser colocado no centro do debate público, assumindo-se como um grande desígnio nacional, juntamente com outras questões-chave, como a qualificação e educação dos Portugueses, a competitividade das empresas, a protecção dos mais desfavorecidos, a credibilização do sistema de justiça, ou a projecção internacional da língua portuguesa.
Por isso, referi o mar logo no meu discurso de investidura, em 9 de Março de 2006. Fi-lo sob o prisma da geografia, dizendo que a nossa localização no extremo sudoeste da Europa nos leva a olhar o mundo de forma adversa.
Temos tendência a enfatizar a situação periférica de Portugal, porque nos vimos, hoje, apenas no contexto europeu. Mas, como disse nessa minha intervenção de Março de 2006, uma observação mais atenta revela que somos o espaço onde a Europa se abre ao Atlântico, o que pode representar uma enorme vantagem. Em Junho de 2007, no Dia de Portugal, celebrado nesse ano em Setúbal, voltei a dar destaque à importância de criarmos valor a partir de indústrias e sectores baseados na exploração do mar. E fi-lo outras vezes, tendo dado especial ênfase ao tema no meu mais recente discurso por ocasião das celebrações do 25 de Abril.
Coloquei, então, uma pergunta crucial: como pode um país projectado sobre o oceano Atlântico e situado na encruzilhada de três continentes – Europa, África e América –, ver-se a si próprio como um país periférico?
Se abdicarmos do mar, reduzimos as nossas hipóteses de desenvolvimento e tornamo-nos, de facto, um país mais remoto. Mas saibamos nós navegar e tirar partido do mar e ganharemos uma nova centralidade atlântica. Centralidade que, por exemplo, tem vindo a beneficiar uma empresa como a Lisnave, que tive oportunidade de visitar no mês passado. Uma empresa que, devido à sua localização geográfica, conta com clientes de mais de 60 países e que, pela sua notável recuperação nos últimos dez anos, se encontra no grupo das maiores empresas de reparação naval do Mundo.
Poderão alguns interrogar-se se não será exagero trazer o mar à agenda do País, passados que estão anos e décadas sobre a sua ausência. As razões para o fazer são fortes, claras e objectivas. Temos algumas vantagens comparativas no domínio da exploração do mar: longa linha costeira; dois arquipélagos atlânticos; maior área marítima sob jurisdição nacional da União Europeia; alargamento da plataforma continental; clima; localização geográfica privilegiada no contexto das rotas de tráfego marítimo internacional.
Há também o facto, igualmente importante, de, pela nossa história marítima, beneficiarmos de uma imagem externa positiva no que respeita à nossa ligação aos oceanos.
Outra razão que, objectivamente, nos deverá conduzir nessa direcção é o reconhecimento de que Portugal é hoje um dos países costeiros da União Europeia onde há menor criação de valor e emprego nos sectores ligados ao mar. No domínio das actividades marítimas, Portugal produz três vezes menos emprego do que a Grécia, gera um valor que é mais de três vezes inferior ao da Bélgica e mais de seis vezes inferior ao da Dinamarca. O que isto significa é que há muito por fazer no sector marítimo português, onde grande parte do seu potencial está não apenas por explorar mas até por revelar – basta pensar na exploração dos fundos marinhos da nossa plataforma continental.
A conclusão que se pode extrair é que um país que não sabe aproveitar os seus recursos naturais se arrisca a ver esses recursos serem explorados por terceiros, assim hipotecando o seu futuro.
A situação financeira do País não deve ser uma justificação para continuar a ignorar o desafio com que o mar nos confronta. Ao contrário, é especialmente em tempos como estes que urge pensar em novas possibilidades, em novos caminhos de desenvolvimento.
A resposta ao repto que lancei tem sido ampla e diversificada. Universidades, agentes económicos, associações empresariais e autarquias locais, todos têm reagido com entusiasmo ao meu apelo para que se intensifique a exploração económica do nosso mar. No entanto, não nos devemos iludir. Para que se possa explorar o mar com sucesso, é necessário não só possuir empresas competitivas mas também ter um país atractivo para que essas indústrias – e o investimento estrangeiro que se pretende atrair – se estabeleçam e floresçam em Portugal.
Ora, os factores de que depende a atractividade de um país – infra-estruturas, educação e formação, capacidade de inovação, leis fiscais competitivas, eficiência do sistema de justiça e outros incentivos – são determinados essencialmente pelo poder político central do Estado, ou seja, pela Assembleia da República e pelo Governo.
É precisamente aqui que, de entre os agentes e decisores da sociedade portuguesa, o silêncio sobre este desafio se continua a fazer com mais intensidade. Não é sem razão, por isso, que tenho apelado a que o mar se torne uma prioridade da nossa agenda nacional. Cabe, pois, às instituições políticas decidir se querem ou não aproveitar a vantagem comparativa que o mar nos pode trazer.
Concluindo, se há algo indubitável, é a importância do mar para Portugal, não apenas por razões económicas mas pela identidade e pela soberania que lhe confere. Ao abraçar um desígnio marítimo, Portugal reencontra uma ideia que o reconcilia com a sua geografia, passando a poder tirar partido dela, ao invés de continuar a desprezá-la.
Na conjuntura actual, talvez mais do que nunca antes, sente-se a falta de desígnios nacionais que contribuam para dar mais coesão e mais auto-estima aos Portugueses. O mar, despojado de messianismos, enquanto activo estratégico e económico nacional, poderá consistir num dos desígnios que hoje nos faltam. De que é que estamos à espera?
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.