Há precisamente dez anos, Portugal perdeu Sophia de Mello Breyner Andresen.
Com ela, desapareceu uma das personalidades mais carismáticas da nossa literatura contemporânea. Mas desapareceu também uma cidadã exemplar, um modelo de retidão moral e uma referência ética da sociedade portuguesa.
No momento em que se realiza a trasladação dos seus restos mortais para o Panteão Nacional, onde a partir de hoje repousará, por direito próprio, ao lado de grandes vultos da cultura e da história portuguesas, é justo homenagear também, a par do seu génio literário, a grandeza cívica e humana por que sempre se distinguiu.
Sophia de Mello Breyner foi grande pela harmonia e a aura dos seus versos, mas foi igualmente grande pela inteireza do seu carácter. Ambas as dimensões – a literatura e a vida – constituem na sua biografia dois ramos da mesma árvore, firme e inabalável. Era como escrevia e escrevia como era: autêntica, inteira na escrita e na coragem da defesa da justiça e da liberdade.
A obra de Sophia – nome pelo qual ficará para sempre conhecida na nossa memória – impõe-se hoje em dia como um verdadeiro marco na língua portuguesa. Em qualquer dos países onde se fala ou se ensina a nossa língua, os seus poemas são conhecidos e os seus contos são exemplares: no título, na exatidão das palavras e na sobriedade do estilo.
Sophia é unanimemente considerada um clássico. Enquanto modelo de bem escrever, ombreia com os maiores poetas e prosadores que ao longo dos séculos fizeram do português uma língua de cultura.
A sua voz foi ao mesmo tempo moderna e antiga na ligação às raízes portuguesas, gregas, cristãs.
Camões é o Poeta maior, em quem Sophia de Mello Breyner se revê.
Mas Camões é também para Sophia o testemunho de um País onde o poeta foi vítima de invejas e calúnias.
Um País «que tu chamaste e não responde/ País que tu nomeias e não nasce».
É contra esse País do silêncio e da injustiça que Sophia vai erguer a sua voz, serena mas nem por isso menos veemente, ansiosa por ver raiar no horizonte «o dia inicial inteiro e limpo», que tanto a empolgou no momento em que a liberdade foi restaurada.
Toda a obra de Sophia é atravessada por um ideal de verdade, coerência e rigor, que se inspira na Antiguidade Grega, e se exprime na justeza das palavras e no equilíbrio da arte e da vida.
Conforme ela própria escreveu: «Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. (…) E é por isso que a poesia é uma moral. E é por isso que o poeta é levado a buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia».
Dotada de uma intuição e uma sensibilidade raras, Sophia de Mello Breyner, além de poeta, foi também uma excecional prosadora, em particular nos contos infantis, como A Menina do Mar, ou O Cavaleiro da Dinamarca, textos admiráveis com que milhares de crianças tiveram o primeiro contacto com a literatura portuguesa.
Homenagear Sophia de Mello Breyner Andresen é um gesto a que se associam as várias gerações de Portugueses, irmanados na língua comum, que hoje partilhamos com mais sete povos independentes.
Hoje, como no futuro, temos de ser dignos da Pátria que ela sonhou e pela qual tanto se bateu, com coragem e com palavras que ficarão para sempre na nossa memória coletiva.
Muito obrigado.
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