UM PRESIDENTE EM TEMPOS DE CRISE
Uma crise anunciada
Nos últimos dois anos, as palavras “crise”, “troika” e “austeridade” entraram no vocabulário quotidiano dos Portugueses, surgindo com frequência crescente na linguagem da comunicação social, dos agentes políticos e sociais e, bem assim, dos comentadores e analistas da realidade nacional.
No início de 2011, o País chegou a uma situação de emergência económica e financeira. Era flagrante a total impossibilidade de assegurar o normal financiamento do Estado e da economia. O Governo viu-se obrigado, em abril desse ano, a formalizar um pedido de assistência financeira à Comissão Europeia e ao Fundo Monetário Internacional, entidades que instituíram a chamada “troika”, uma missão tripartida integrada por técnicos da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu, com vista a analisar, acompanhar e avaliar a situação económica e financeira de Portugal.
Nos termos do acordo celebrado com a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional, Portugal recebia, a título de empréstimo, 78 mil milhões de euros, ao longo de 3 anos, e comprometia-se a executar um vasto e exigente programa de ajustamento visando reduzir o défice das contas públicas, melhorar a competitividade da economia e reforçar a estabilidade do sistema financeiro. Do programa faziam parte medidas que impunham pesados sacrifícios às famílias portuguesas, como a redução dos salários da função pública e das pensões, aumentos de impostos e de preços de serviços públicos e uma diminuição das prestações e apoios sociais.
O Governo comprometeu-se igualmente a levar a cabo um programa de privatizações e de reformas estruturais, em particular nos domínios do mercado laboral, dos sistemas de saúde e de justiça, do mercado da habitação e do setor empresarial do Estado.
A execução do programa de assistência financeira, pelos desafios que colocava e pelos sacrifícios que impunha, tornou-se um elemento de grande exigência para todos os Portugueses, mas interpelou, acima de tudo, os agentes políticos e o seu sentido de Estado.
Da parte do Presidente da República, exige-se, por um lado, um conhecimento rigoroso da dimensão e das razões da crise económica e financeira que atinge o País e das restrições a que está sujeito e, por outro, uma noção precisa das linhas de rumo e de orientação estratégica para a economia nacional que permitam encarar o futuro com realismo e esperança.
A obediência a uma cultura de responsabilidade impõe, além disso, que o Presidente da República não se deixe influenciar pelo ruído mediático ou pelas pressões de grupos ou corporações. O Presidente deve atuar de forma ponderada e sensata, com equilíbrio e racionalidade, estudando os novos e complexos dossiês que emergem do programa de assistência financeira. Não pode deixar-se arrastar por pulsões emocionais ou afetar pelas tensões que sempre emergem dos tempos de crise.
Por experiência própria, acumulada ao longo de dez anos como Primeiro-Ministro e após um mandato presidencial de cinco anos, sei, como poucos, que existe uma relação inversa entre o protagonismo mediático do Presidente da República e a sua influência efetiva sobre o processo político de decisão. Os que cedem à tentação da visibilidade fácil e da vaidade efémera acabam fatalmente por perder margem de manobra e capacidade de interlocução junto dos diversos agentes políticos e sociais, os quais, em situações de crise, se colocam frequentemente em posições de antagonismo e conflito, o que reclama uma intervenção arbitral, acrescida mas discreta, do Presidente da República.
Em suma, sempre guiado pelo critério do superior interesse nacional, fui chamado a exercer o princípio da magistratura ativa que eu próprio tinha definido, em campanha eleitoral, como correspondendo a uma intervenção do Presidente da República que se intensifica em função das necessidades do País, nomeadamente em momentos de emergência social e económica.
Em primeiro lugar, há que ter presente o diagnóstico, saber como chegámos a uma situação para a qual, em devido tempo, alertei os Portugueses. A principal razão da crise portuguesa reside na acumulação insustentável de desequilíbrios das contas externas – entre 2005 e 2010, o défice anual foi, em geral, superior a 9 por cento do PIB – e no consequente aumento do endividamento do País para com o estrangeiro e do respetivo encargo de juros. O saldo devedor da nossa Posição de Investimento Internacional, que corresponde grosso modo ao grau de endividamento líquido da economia para com o exterior, subiu de 67,4 por cento do PIB, no fim de 2005, para 107,2 por cento, em 2010.
Na base destes desequilíbrios – traduzidos na vulgar expressão “Portugal vive acima das suas possibilidades” – encontrava-se o excesso de endividamento do Estado, das empresas e das famílias, e a perda de competitividade externa da nossa economia.
A partir de maio de 2011, a condução da política económica passou a estar condicionada pela necessidade de cumprimento do programa de ajustamento económico e financeiro, que se tornou ainda mais imperiosa perante a impossibilidade total de acesso do Estado, dos bancos e das empresas ao financiamento nos mercados internacionais.
Portugal não podia – e não pode – deixar de honrar os compromissos assumidos com as instituições internacionais. Desde logo, porque, nos termos do acordo celebrado, a avaliação trimestral positiva da execução do programa é condição necessária para o desembolso das sucessivas parcelas do empréstimo, sem as quais o Estado não conseguiria satisfazer os seus encargos.
A ideia, defendida por alguns, de que Portugal poderia, unilateralmente, decidir não cumprir os compromissos assumidos com a “troika” e promover uma restruturação da dívida pública, envolvendo uma redução do seu valor nominal, ignora os efeitos extremamente negativos dessa opção.
Se acaso enveredássemos por esse caminho, agravar-se-ia seriamente a situação do sistema bancário português, assim como de outros investidores institucionais; desvalorizar-se-ia o valor das empresas e de outros ativos nacionais; diminuiria a capacidade de Portugal para defender os seus interesses no plano externo; deteriorar-se-iam drasticamente a imagem, a credibilidade e a reputação externas do País, com prejuízo para as nossas exportações, para a captação de investimento estrangeiro e para a internacionalização da economia; e o Estado, as empresas e os bancos portugueses seriam afastados, por vários anos, porventura décadas, dos mercados financeiros internacionais.
Portugal deixaria de ser um Estado que honra os seus compromissos, que cumpre a palavra dada. A partir desse momento, que Estados ou organizações internacionais iriam confiar em nós? Os efeitos negativos para o Estado português não se limitariam aos domínios económicos ou financeiros. No plano das relações externas, no diálogo bilateral ou multilateral, na cooperação militar, a nossa posição seria comprometida e o nosso peso negocial diminuiria substancialmente. A descredibilização não afetaria apenas o Estado mas também as instituições privadas, como os bancos ou as empresas, e até os cidadãos individualmente considerados. Os potenciais investidores olhariam o País como um lugar onde os valores da confiança e do respeito pelos compromissos estariam ausentes, as nossas empresas teriam dificuldades acrescidas no estabelecimento de parcerias com as suas congéneres de outros países, os cidadãos teriam, nas suas vidas profissionais e pessoais, a marca de serem oriundos de um Estado que fora ajudado financeiramente mas que, na altura decisiva, se eximira às obrigações que voluntariamente havia assumido.
Por outro lado, a situação de emergência financeira a que o País chegou, em resultado da trajetória insustentável do endividamento externo, impôs como linhas prioritárias de orientação estratégica o aumento da afetação de recursos à produção de bens e serviços que concorrem com a produção estrangeira (ou seja, bens e serviços transacionáveis), a melhoria da competitividade das nossas empresas e a conquista de novos mercados.
Esta orientação exige a redução do défice do setor público, incluindo o setor empresarial do Estado, e a melhoria da qualidade das políticas públicas, de modo a libertar recursos para a produção de bens e serviços transacionáveis, a aumentar a eficiência no funcionamento da nossa economia e a reforçar a confiança dos investidores e dos mercados. A redução do défice público, mais do que um fim em si mesmo, constitui um meio para corrigir os desequilíbrios externos e a falta de competitividade da economia portuguesa.
Convém recordar que os défices das contas públicas de 2009 e 2010 – respetivamente 10,2 por cento e 9,8 por cento do PIB – violavam as regras de disciplina orçamental a que Portugal se encontra sujeito como membro da União Europeia. A trajetória insustentável da dívida pública (que, na primeira década do século XXI, subiu de 50 para 93,5 por cento do PIB), a que acrescia a dívida do setor empresarial do Estado, suscitava dúvidas crescentes aos mercados quanto à capacidade futura do País para cumprir as suas responsabilidades de pagamento de juros e de reembolso.
O acordo de assistência financeira, celebrado em maio de 2011, fixou metas anuais muito precisas e exigentes para a redução do défice público, de modo a que este atingisse um valor inferior a 3 por cento do PIB em 2014, e elevou-as, de resto, à categoria de indicadores decisivos para avaliação do cumprimento do programa de ajustamento.
O objetivo da sustentabilidade do endividamento externo impôs também, como orientação prioritária, a valorização e o estímulo da iniciativa privada. É nas empresas que reside o potencial de investimento vocacionado para o setor dos bens transacionáveis e a força dinamizadora das exportações, para além da capacidade de criação de emprego. Daí ser igualmente muito relevante a atração de investimento estrangeiro, pela possibilidade que oferece de expandir as exportações e reduzir o nível de endividamento externo.
Os compromissos assumidos perante as instituições internacionais, que foram apoiados por um amplo consenso político-partidário, correspondente a 90 por cento dos Deputados à Assembleia da República, definem o quadro que, desde maio de 2011, serve de referência para a ação dos poderes públicos, incluindo a magistratura presidencial, nos planos externo e interno.
A ação presidencial no plano externo
A partir de meados de 2011, o programa de assistência financeira definido com a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional passou a influenciar decisivamente a minha ação no plano externo.
Assim aconteceu nas dezenas de encontros que mantive com Chefes de Estado e outros destacados dirigentes políticos de países da União Europeia e com altos responsáveis de instituições internacionais. Pelos seus poderes de decisão ou de influência, era do interesse nacional que dispusessem de informação correta sobre a situação económica, social e política portuguesa, sendo ainda essencial transmitir-lhes mensagens relevantes sobre a execução do programa de ajustamento que o País estava a concretizar.
Antes de mais, era importante que os diversos Estados europeus soubessem que as autoridades portuguesas estavam firmemente determinadas a cumprir, de forma rigorosa, os compromissos que tinham sido assumidos com as instâncias internacionais. De igual modo, deveriam conhecer o progresso verificado na realização dos objetivos definidos, em particular na redução do desequilíbrio das contas com o exterior e das finanças públicas, na concretização das reformas dirigidas à melhoria da competitividade externa e à estabilidade do sistema financeiro, e no processo de privatizações.
Esta foi, numa primeira fase, uma mensagem imprescindível para desfazer dúvidas e equívocos, para vencer preconceitos e ultrapassar as desconfianças dos mercados, dos investidores e de alguns agentes políticos europeus quanto à vontade e à capacidade de Portugal para corrigir os desequilíbrios que o afetavam.
Mas era igualmente importante dar a conhecer os pesados sacrifícios impostos aos Portugueses e, por outro lado, valorizar o consenso entre as principais forças políticas relativamente à execução do programa de ajustamento, assim como o consenso social, envolvendo organizações patronais e sindicais, que fora alcançado para a realização das reformas estruturais. Além disso, fazia questão de sublinhar o sentido de responsabilidade revelado pelo povo português no cumprimento de um programa de grande exigência.
Interessava também revelar os efeitos negativos da execução do programa de ajustamento: a queda da produção e do investimento e o aumento do desemprego, superiores aos que tinham sido inicialmente previstos, a escassez e o elevado custo do crédito para as empresas e o alastrar de situações de pobreza. Tal como havia que demonstrar o impacto negativo da crise na Zona Euro, em particular da situação vivida em Espanha, um verdadeiro choque assimétrico para Portugal, dada a dimensão específica das relações comerciais e dos fluxos turísticos existentes com o país vizinho. Havia também que assinalar os sinais de cansaço revelados pelo povo português relativamente às sucessivas medidas de austeridade e o receio de que o País caísse num círculo vicioso, em que a queda da produção fosse seguida por mais austeridade orçamental, a que se seguiria nova queda da produção e assim sucessivamente.
Era essencial evidenciar estes aspetos, não apenas para sensibilizar os nossos interlocutores a adotarem uma atitude mais positiva em relação a Portugal, mas também para reforçar a noção de que o sucesso dos programas de ajustamento português e irlandês não interessa apenas aos dois países, mas à União como um todo e a cada um dos seus membros em particular.
Nas declarações e intervenções que tenho proferido sobre a política europeia e a crise do Euro, e que têm constituído uma outra vertente da minha atuação no plano externo, venho defendendo as políticas e as orientações europeias que mais se adequam aos interesses nacionais e criticando aquelas que nos são adversas, procurando sempre enquadrar as posições assumidas no interesse comum europeu e não deixando de sublinhar o quanto Portugal valoriza o projeto de integração, que garantiu um ciclo de paz e prosperidade sem precedentes na história deste continente.
Sublinhei, por diversas vezes, a urgência de uma atuação firme a nível europeu visando a estabilidade da Zona Euro, o reforço da confiança na moeda única e o aprofundamento da União Económica e Financeira.
Nesse sentido, defendi um papel mais ativo do Banco Central Europeu, agindo como emprestador de último recurso, à semelhança da Reserva Federal dos Estados Unidos, do Banco de Inglaterra e do Banco do Japão. Um Banco Central Europeu firme e declaradamente disponível para intervir, de forma ilimitada, no mercado secundário da dívida soberana dos países solventes da Zona Euro que enfrentem problemas de liquidez, mas que conduzam políticas orçamentais de sustentabilidade das finanças públicas e realizem reformas visando a melhoria da competitividade das suas economias, como é o caso de Portugal. Assegurar a integridade da política monetária europeia e eliminar o risco da reversibilidade do euro deve ser uma responsabilidade permanente do Banco Central Europeu.
A intervenção do Banco Central Europeu no mercado secundário da dívida soberana portuguesa contribuiria para a redução dos custos de novas emissões de dívida e aplanaria o caminho para o regresso do País ao mercado internacional de títulos de dívida a longo prazo em condições mais favoráveis.
Insisto, desde há muito, que a crise da Zona Euro não se resolve apenas com a imposição de políticas de austeridade orçamental e com a aplicação de sanções aos Estados-membros. É indispensável que, em paralelo, a União Europeia adote uma agenda de crescimento económico e criação de emprego. Sem ela, os custos da consolidação orçamental em países sujeitos a programas de ajustamento, como Portugal, correm o risco de se tornarem social e politicamente insustentáveis.
Na conferência que realizei no Instituto Universitário Europeu, em Florença, fui particularmente incisivo na defesa de um papel mais ativo do Banco Central Europeu e de uma agenda europeia vocacionada para o crescimento económico e para a criação de emprego. Em Madrid, ao intervir na cerimónia em que recebi o prémio Nueva Economía Fórum, voltei a sublinhar estas ideias.
Este ponto ganhou uma relevância crescente para Portugal à medida que se avançava na execução do programa de ajustamento e se tornava evidente a necessidade de associar ao processo de consolidação orçamental elementos favoráveis ao crescimento económico e à criação de emprego. Nas atuais circunstâncias, parte destes elementos deveria provir de decisões tomadas a nível europeu – tais como a reafetação de fundos estruturais comunitários, o aumento de empréstimos do Banco Europeu de Investimento às empresas, a revisão dos critérios de cálculo dos capitais exigidos aos bancos por parte da Autoridade Bancária Europeia, ou a redução das taxas de juro das obrigações convertíveis emitidas em operações de recapitalização dos bancos – e de uma coordenação das políticas económicas dos Estados-membros orientada para a adoção de políticas mais expansionistas por parte daqueles que têm posições externas superavitárias.
Não por acaso, logo na comunicação que fiz ao País, em 6 de maio de 2011, a propósito do acordo de assistência financeira, havia afirmado que “É essencial que, na execução do acordo alcançado, seja encontrado espaço para duas preocupações cruciais para o nosso futuro: a justiça social e o crescimento da economia”.
Mais recentemente, tenho utilizado as oportunidades oferecidas pelos contactos internacionais para defender a flexibilização das competências do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira no apoio aos países que enfrentam problemas de liquidez, assim como da concretização de um novo passo na integração financeira que, estou certo, trará benefícios para Portugal. Refiro-me à criação de uma União Bancária Europeia, incluindo não só a instituição do mecanismo único de supervisão da Zona Euro, decisivo para separar o risco da dívida bancária do risco da dívida soberana, e que deve ser rapidamente posto em prática, mas também a criação de um mecanismo comum de garantia de depósitos e de um fundo de resolução de crises bancárias, para que os custos da má gestão dos bancos não recaiam sobre os contribuintes.
Nas minhas intervenções e declarações sobre política europeia, fui particularmente crítico quer dos atrasos no reconhecimento, por parte de vários Estados-membros, da natureza sistémica da crise do euro, associada ao grau de interdependência económica entre os países e a efeitos de contágio, quer das demoras na aprovação de uma agenda de crescimento económico e na própria passagem à prática das decisões de combate à crise financeira tomadas pelo Conselho Europeu
O euro constitui um pilar decisivo da construção europeia e o seu fracasso não seria só prejudicial para Portugal ou para países em situação idêntica à nossa. O fracasso do euro poria em causa o mercado interno e a política europeia de coesão social, alimentaria protecionismos de cariz nacionalista e enfraqueceria a posição da Europa na cena internacional. O insucesso da moeda única significaria que falháramos na preservação de um projeto que representa um dos alicerces da União.
Consciente desses riscos, tendo bem presente que a crise do euro é sinónimo de crise da Europa, nas minhas intervenções não poupei críticas aos egoísmos nacionais revelados por alguns Estados, à deriva intergovernamentalista no funcionamento da União, em detrimento do método comunitário, e à emergência de diretórios de países que se sobrepõem às instituições comunitárias e limitam a margem de manobra destas últimas. O método comunitário é, indiscutivelmente, aquele que melhor defende o projeto de uma verdadeira União Europeia, concebida como algo maior, muito maior do que um mero somatório de Estados-membros.
A pedagogia sobre a situação económica portuguesa, assim como sobre a execução do programa de assistência financeira deve estender-se para além do círculo dos países da União, abrangendo, em particular, os Estados que detêm maior peso nas decisões do Fundo Monetário Internacional e na formação da opinião dos investidores e dos mercados internacionais. É uma tarefa em que aos nossos representantes diplomáticos cabe um papel importante, mas que deve ser reforçada nas visitas ao estrangeiro dos titulares de órgãos de soberania.
É o que tenho feito em diversas ocasiões, como foi o caso da visita que efetuei aos Estados Unidos, em novembro de 2011, aproveitando os contactos que estabeleci com destacadas personalidades da vida política norte-americana, os meios académicos, agentes económicos e financeiros, membros influentes da comunidade portuguesa e lusodescendente e com a comunicação social daquele país.
As declarações e intervenções públicas sobre política europeia feitas no País também se inscrevem na ação do Presidente da República em tempos de crise. Desde logo, como estímulo ao debate interno sobre a integração europeia, mas ainda como apoio a outros agentes políticos nacionais para que, no plano externo, se mostrem ativos e firmes na defesa de posições europeias que correspondam aos interesses nacionais e façam ouvir uma voz crítica relativamente a certas propostas ou atitudes de alguns Estados. Somos um Estado-membro da União, com todos os deveres e direitos inerentes a esse estatuto.
Acresce que os embaixadores acreditados em Portugal transmitem aos dirigentes políticos dos respetivos países as afirmações sobre política europeia produzidas pelos titulares dos órgãos de soberania portugueses, o que, aliás, reforça a necessidade de uma concertação estratégica entre os mais altos responsáveis do Estado, com vista a uma defesa sem falhas dos superiores interesse nacionais.
Insere-se nesta linha de atuação o discurso que proferi na sessão solene das comemorações de 2012 do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, em que critiquei os egoísmos nacionais revelados por alguns Estados da União, defendi os valores da coesão e da solidariedade, e apontei a necessidade urgente de passar das palavras aos atos e de conjugar a redução dos desequilíbrios orçamentais com uma agenda europeia para o crescimento económico e o emprego.
A grave crise económica e financeira determinou uma outra prioridade da ação externa do Presidente da República: em complemento da atividade desenvolvida pelo Governo, contribuir para o incentivo à exportação de bens e serviços, à internacionalização das empresas e à captação de investimento direto estrangeiro.
Tem sido minha preocupação, nos encontros com Chefes de Estado e de Governo estrangeiros, obter apoio político para o reforço do nosso relacionamento económico com os países que representam.
Nesse sentido, o interesse nacional impõe que Portugal seja apresentado como aquilo que verdadeiramente é: uma nação multissecular orgulhosa da sua História, um Estado de direito com uma democracia consolidada, dotado de estabilidade política e respeito pelo pluralismo e pela alternância eleitoral. Um Estado, em suma, que não falha o cumprimento dos compromissos internacionalmente assumidos, e um País determinado na transformação estrutural da sua economia, visando a melhoria da competitividade das empresas, membro da União Europeia e da Zona Euro, com ligações especiais a África, com destaque para Angola e Moçambique, e à América Latina, em particular ao Brasil. A lusofonia apresenta-se como um trunfo de grande valor na projeção da imagem externa de Portugal.
A promoção das exportações e a captação de investimento externo produtivo têm sido temas prioritários nos meus encontros com os embaixadores portugueses acreditados em países estrangeiros. Respeitando, naturalmente, as competências próprias dos demais órgãos de soberania em matéria de política externa, tenho procurado mobilizar os nossos representantes diplomáticos para as novas exigências da sua nobre missão.
Nos contactos com entidades empresariais estrangeiras, durante as visitas ao exterior ou em audiências concedidas em Lisboa, senti ser fundamental apresentar Portugal como uma economia aberta, com um ambiente de negócios favorável à iniciativa empresarial e ao investimento e que, nas últimas décadas, registou progressos científicos e tecnológicos muito significativos. Procurei, igualmente, sublinhar a qualidade das infraestruturas e da mão-de-obra portuguesas, a recetividade ao investimento estrangeiro e a possibilidade de estabelecer parcerias orientadas para mercados bem conhecidos dos empresários portugueses, em África e na América do Sul.
As delegações de empresários portugueses, que são escolhidos pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) para acompanhar o Presidente da República em visitas oficiais ao estrangeiro, revelam-se extremamente importantes para o estabelecimento de ligações com agentes económicos dos países visitados. A integração na comitiva presidencial é um fator de credibilização, que permite alargar o leque de contactos dos nossos empresários e assegurar-lhes um mais fácil acesso a entidades públicas com relevo e poder decisório nas suas áreas de negócio.
No decurso dessas visitas tenho participado em seminários económicos organizados para promover a interação entre empresários portugueses e estrangeiros. Para citar alguns exemplos mais recentes, tal aconteceu em Timor, na Indonésia e em Singapura e, em Lisboa, aquando da visita do Presidente da República da Polónia.
Nas minhas visitas ao estrangeiro, tenho sempre feito questão de incluir encontros com as comunidades portuguesas e de lusodescendentes, com o objetivo de contribuir para manter vivos os laços que as ligam a Portugal.
Face à situação de crise, passei a dar maior relevo, nesses encontros, à mobilização da Diáspora portuguesa para atuar como elemento da diplomacia económica, contribuindo para a melhoria da imagem do País no exterior e para a divulgação das suas potencialidades, da qualidade dos produtos portugueses e da nossa riqueza histórica, cultural e paisagística. Com igual propósito, dei todo o meu apoio à constituição do Conselho da Diáspora Portuguesa.
No mesmo sentido, tenho-me reunido com altos quadros empresariais portugueses que desenvolvem atividades no estrangeiro e mantêm uma ligação afetiva a Portugal, de modo a sensibilizá-los para o apoio à internacionalização das nossas empresas e à captação de investimento externo de qualidade. Foi o que aconteceu em Singapura, durante o périplo pela Ásia, em maio de 2012, e em Cascais, no IV Encontro do Conselho da Globalização, em que reuni com portugueses que ocupam, no exterior, destacadas funções de gestão em empresas multinacionais.
Quando, em 25 de abril de 2012, na Assembleia da República, centrei o meu discurso na valorização da imagem e perceção de Portugal no estrangeiro, algumas vozes revelaram não ter ainda a noção de que se tratava de um fator da maior relevância para a afirmação das nossas empresas nos mercados externos e, consequentemente, para a recuperação económica e a criação de emprego.
A verdade é que uma imagem positiva do País no exterior contribui para que mais bens e serviços portugueses sejam exportados, para a atração de mais turistas, mais remessas de emigrantes e mais investimento estrangeiro e, até, para a obtenção de financiamentos externos em condições mais favoráveis.
Num balanço global, creio que já existem sinais visíveis do esforço que Portugal tem vindo a desenvolver no plano externo. Atualmente, a imagem do País no exterior é mais positiva do que há dois anos, como posso atestar nos frequentes contactos que mantenho com dirigentes políticos e empresariais de outros países. São sintomáticas, por outro lado, as diversas declarações de altos responsáveis de instituições internacionais em reconhecimento do esforço que Portugal e os Portugueses estão a realizar.
A ação presidencial no plano interno
Assinado o acordo de assistência financeira, foi para mim muito claro que, além de sublinhar a necessidade de Portugal honrar os compromissos assumidos, de modo a obter os meios de financiamento de que urgentemente necessitava, o Presidente da República, deveria, no plano interno, exercer uma magistratura de influência no sentido de preservar os consensos políticos e sociais e centrar as suas mensagens em três áreas: os fatores de crescimento económico, a estabilidade política e a coesão nacional.
Estes temas deveriam ocupar lugar destacado nas minhas intervenções públicas e nos contactos com o Primeiro-Ministro e membros do Governo, com as associações empresariais e sindicais, com o sistema financeiro, com empresários e gestores e com autarcas e agentes sociais.
No domínio económico, como já referi, a restrição do financiamento externo impunha como linha de orientação estratégica fundamental o aumento da produção de bens e serviços que concorrem com a produção estrangeira, a melhoria da competitividade das empresas e a conquista de novos mercados.
Esta era uma questão clara, uma prioridade inequívoca, e importava fazer todos os esforços para a difundir nos meios políticos, empresariais e financeiros e em toda a sociedade portuguesa.
A ela me referi inúmeras vezes em intervenções e declarações públicas e em encontros com empresários, gestores e quadros de empresas e com representantes das organizações patronais e sindicais. Posso afirmar, sem receio de exagero, que poucos insistiram tanto neste ponto como eu.
Tratava-se de uma orientação estratégica óbvia para um país que, desde 2005, registava desequilíbrios das contas externas da ordem de 10 por cento do PIB e de uma questão que, de resto, há muito fazia parte do meu discurso. No entanto, era necessário renovar e reforçar esta mensagem, até porque, no passado, tinha-se instalado a ideia de uma certa proteção do setor dos bens não transacionáveis, o que era refletido, em particular, na distribuição do crédito bancário a seu favor.
A mensagem da prioridade da afetação de recursos ao setor dos bens transacionáveis foi fazendo o seu caminho e está hoje muito mais interiorizada pela sociedade portuguesa do que há dois anos – como, aliás, é visível no discurso dos meios de comunicação social. Para esta perceção também contribuiu a acentuada queda da procura interna, que estimulou os empresários a reorientarem a produção para os mercados externos.
A execução do programa de ajustamento deixava, como únicas alavancas do crescimento económico, o investimento privado e as exportações de bens e serviços. A margem de manobra do Estado para financiar estímulos económicos expansionistas encontrava-se muito limitada e os sacrifícios exigidos às famílias provocavam uma profunda contração do consumo privado.
Havia, assim, que valorizar muito claramente a iniciativa privada, o papel das empresas e do empreendedorismo e estimular a ligação entre as universidades e as unidades empresariais, de modo a transformar conhecimento em inovação, em conteúdo tecnológico e em competitividade.
No mesmo sentido, havia que favorecer o rejuvenescimento do tecido empresarial português, apoiando os jovens empreendedores, dotados de boa preparação técnica, espírito de iniciativa, ambição e criatividade, abertos à inovação e à concorrência no mercado global e que não esperam proteção especial ou favores do poder político. Importava também sublinhar que um país não atinge um alto nível de rendimento e bem-estar se a sociedade não reconhecer e premiar o valor daqueles que têm mérito, talento e conhecimento.
Tenho acompanhado com o maior interesse a ação da COTEC na expansão da rede de PME inovadoras e foram vários os encontros que mantive com jovens empresários de todas as regiões do País. Recentemente, promovi o Encontro “Os Jovens e o Futuro da Economia”, em que 60 jovens procederam a uma estimulante e frutuosa reflexão sobre a cultura do empreendedorismo, o empreendedorismo empresarial e o empreendedorismo social. Está a afirmar-se em Portugal, de facto, uma nova geração que nos dá razões de confiança no futuro da nossa economia.
Por outro lado, havia que insistir na defesa da melhoria das condições de financiamento bancário das empresas, principalmente das de pequena e média dimensão e das que integram o setor exportador. A execução do programa de ajustamento cedo revelou que as dificuldades de acesso ao crédito bancário por parte das empresas e o seu elevado custo representavam um obstáculo importante ao crescimento da economia portuguesa, sendo que a sua resolução tinha não só uma dimensão nacional, mas também uma dimensão europeia, face, em particular, às exigências impostas aos bancos no quadro da política da concorrência. Este tem sido um tema privilegiado nos meus contactos com entidades do nosso sistema financeiro, bem como com o Governo e responsáveis de instituições europeias.
Importante, também, era apoiar e estimular a ação dos autarcas como agentes da dinamização da economia dos respetivos municípios. O poder autárquico pode – e deve – dar um contributo da maior relevância para o fortalecimento e para a diversificação da capacidade produtiva local, através do apoio às micro e pequenas empresas, à captação de investimento e à difusão de uma cultura de inovação e empreendedorismo e através do aproveitamento e da valorização dos recursos regionais. Isoladamente, o contributo de cada município para a recuperação económica poderá ser pequeno, mas, no seu conjunto, é possível atingir uma dimensão muito significativa.
Nesta vertente fiz, nos últimos dois anos, cerca de uma vintena de intervenções públicas, ao mesmo tempo que procurei dar a conhecer bons exemplos locais de inovação, para que os mesmos pudessem ser replicados noutros pontos do País. Posso testemunhar que são muitos os autarcas que, a par da sua ação no desenvolvimento social e cultural, têm realizado um trabalho notável nos domínios da capacidade produtiva e da competitividade dos respetivos concelhos, atividade que é particularmente relevante face ao aumento dos riscos de desemprego, de pobreza e de exclusão social.
Na difícil situação com que Portugal se confronta, é da maior importância abrir novos caminhos para o desenvolvimento, novas bases produtivas que possam contribuir para a diversificação da economia portuguesa e gerar oportunidades de negócios com o exterior. A economia do mar e as indústrias criativas são duas áreas a que tenho atribuído, nesta perspetiva, especial prioridade.
É essencial sensibilizar agentes políticos, associações empresariais, investidores, investigadores, bem como a opinião pública portuguesa para as potencialidades dos diferentes subsetores da economia do mar e para o muito que, nesse âmbito, permanece por explorar. Como disse já em 2010, no meu discurso de 25 de abril, “o mar é um ativo económico maior do nosso futuro”.
Nesse sentido, promovi e participei em múltiplas iniciativas sobre o nosso mar, um dos mais valiosos recursos de que dispomos, e aproveitei a minha deslocação à Finlândia, em fevereiro de 2012, por ocasião da reunião do Grupo de Arraiolos (grupo de reflexão sobre questões europeias constituído pelos Chefes de Estado da Alemanha, Áustria, Eslovénia, Finlândia, Hungria, Itália, Letónia, Polónia e Portugal), para pôr agentes económicos portugueses em contacto com o “cluster” marítimo finlandês, que foi desenvolvido, com grande sucesso, nos últimos 20 anos.
Tenho, como poucos, chamado a atenção para as potencialidades da economia do mar e para as vantagens que podem resultar da sua exploração. Uma das marcas dos meus mandatos como Presidente da República é, seguramente, despertar os Portugueses para a importância do mar como um dos maiores ativos do seu País.
A relevância do tema tem vindo a ser assimilada e a atenção prestada à economia do mar pelos municípios das regiões costeiras e associações empresariais, pelos centros de investigação e agentes económicos e pela comunicação social aumentou significativamente nos últimos anos, embora esteja ainda muito aquém do que seria de esperar num país com a maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia, uma linha de costa de cerca de 1850 quilómetros, uma localização geográfica ímpar, entre o Atlântico Norte, o Atlântico Sul e o Mediterrâneo e, para mais, dotado de um clima propício a uma estreita ligação ao mar.
As indústrias criativas, por seu turno, incluem não apenas as atividades diretamente ligadas às artes, mas também a criação, produção e distribuição de bens e serviços, cujo valor acrescentado é determinado pela criatividade, a inovação, o capital intelectual, a novidade e a originalidade. Trata-se de outro setor em que Portugal deve apostar, no quadro de uma estratégia de diversificação económica, sendo uma área em que predominam jovens empresários qualificados, empenhados em transformar boas ideias em negócios rentáveis e que, como tal, devem ser estimulados e apoiados.
Foi com esse propósito que levei a cabo, na região do Grande Porto, a VI Jornada do Roteiro para a Juventude, dedicada, precisamente, às indústrias criativas, setor cuja visibilidade tenho procurado reforçar e promover.
A atenção que tenho conferido à economia do mar e às indústrias criativas situa-se no plano da promoção de novos setores de atividade que podem concorrer para o nosso crescimento económico. Mas, em simultâneo, é essencial, no quadro de grande exigência em que Portugal está colocado, um consenso social firme e duradouro. Só desse modo poderão ser atenuados os efeitos negativos do programa de ajustamento sobre a produção e o emprego e os sacrifícios exigidos aos Portugueses.
Daí a necessidade de prestar igualmente uma atenção especial à defesa do diálogo e da concertação entre o Governo e os parceiros sociais, método a que, desde o meu tempo de Primeiro-Ministro, atribuo grandes virtualidades.
A concertação social, na medida em que permite uma melhor conciliação entre o interesse geral e os interesses específicos dos trabalhadores e dos empregadores, contribui para o reforço do clima de confiança e das condições de competitividade e, bem assim, para atenuar a conflitualidade e as tensões. Por outro lado, o sucesso da concertação é da maior importância para a credibilidade do País junto das instituições internacionais, dos nossos parceiros europeus e dos mercados financeiros.
Depois do verão de 2011, foram mais de duas dezenas as reuniões que mantive com parceiros sociais e múltiplos os contactos com o Presidente do Conselho Económico e Social. Neste contexto, dei todo o meu apoio para que o “Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego”, celebrado em janeiro de 2012, chegasse a bom termo e para que fossem ultrapassados os obstáculos que podiam pôr em perigo a sua execução.
A coesão nacional, que tão relevante é para que o País enfrente os atuais desafios em espírito de união, não se esgota na concertação social. Por isso mesmo, várias vezes sublinhei a necessidade de os sacrifícios serem repartidos de forma equitativa e justa, de preservar a solidariedade entre gerações e de combater as assimetrias de desenvolvimento e o despovoamento que ameaçam algumas zonas do interior. Com o mesmo propósito, manifestei um constante apoio às instituições de solidariedade e aos grupos de voluntariado, que têm dado um contributo fundamental para minorar os efeitos mais negativos destes tempos de crise.
É sabido que as injustiças fiscais, em particular, quando ultrapassam determinado nível, tendem a aumentar a fuga ao pagamento de impostos e a gerar fortes movimentos de contestação social. Cabe recordar, a este propósito, que, logo no discurso de tomada de posse do atual Executivo, afirmei: “a justiça na repartição dos sacrifícios tem de ser uma marca da governação que agora se inicia”.
No plano político, era por demais evidente que a execução do acordo celebrado com as instituições internacionais exigia solidez e consistência da coligação governativa e muito beneficiava de um consenso político alargado envolvendo as forças partidárias comprometidas com o programa de assistência financeira, as quais, como disse, representavam 90 por cento dos Deputados da Assembleia da República.
Um consenso político alargado permitiria que o conjunto de medidas previstas no memorando de entendimento acordado com a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional fosse levado à prática tendo em conta diferentes sensibilidades da sociedade portuguesa, sendo também uma importantíssima mais-valia na defesa dos interesses nacionais no plano externo.
Pelas informações de que dispunha, era certo que uma crise política grave, na fase crítica da execução do programa de assistência financeira, deixaria o País numa situação ainda mais penosa, pelo que devia atuar de modo a evitar que ela ocorresse.
Estas são questões políticas que têm merecido, da minha parte, permanente atenção e acompanhamento. Tratando-se de uma área de grande delicadeza e melindre, que suscita dificuldades específicas, há que atuar neste domínio com redobrado bom senso e sempre com imparcialidade e discrição.
Nos últimos dois anos, as políticas associadas à execução do programa de assistência financeira, a situação económica e social do País e a crise da Zona Euro, bem como as políticas europeias, foram temas dominantes nos contactos regulares entre o Presidente da República e o Governo e, em especial, nas audiências semanais que mantive com o Primeiro-Ministro.
Por outro lado, face aos riscos de Portugal, perante o agravamento da frente externa, resvalar num ciclo de recessão prolongada, nas minhas intervenções públicas foram crescentes as referências à prioridade que deve ser atribuída aos fatores de crescimento económico e de criação de emprego. Fi-lo recentemente, na mensagem de Ano Novo, em que sublinhei a necessidade de, urgentemente, pôr cobro a uma espiral recessiva, em que a redução drástica da procura leva ao encerramento de empresas e ao agravamento do desemprego.
Os tempos difíceis que o País atravessa não nos devem impedir, em todo o caso, de pensar o futuro para além das exigências do programa de ajustamento. Devemos olhar para lá do momento presente, construindo uma visão de longo prazo.
Nesse sentido, tenho sublinhado, de forma persistente, a importância decisiva para o futuro do País do investimento na educação das nossas crianças e jovens, do sucesso escolar e da busca da excelência. Quanto maior a qualificação dos nossos jovens, maior a probabilidade de conseguirem emprego bem remunerado e contribuírem para o desenvolvimento nacional. O investimento em capital humano é, a longo prazo, aquele que tem maior rentabilidade. Foi esse o tema do meu discurso por ocasião da celebração do 5 de outubro e, por isso, o projeto de combate ao abandono e ao insucesso escolar da associação de Empresários pela Inclusão Social tem merecido todo o meu apoio.
Na mesma linha, tenho alertado os agentes políticos e os Portugueses em geral para as consequências demográficas, sociais e económicas da baixíssima taxa de natalidade que se regista no nosso País. Para refletir sobre este grave problema promovi a conferência internacional “Nascer em Portugal”, a primeira dos “Roteiros do Futuro” que lancei em 2012.
“Se não nascem crianças, é o nosso futuro coletivo que está em causa”, afirmei na minha mensagem de 1 de janeiro de 2008. Em nome do nosso futuro coletivo, continuo empenhado na defesa de uma estratégia que combata a quebra da natalidade e os seus efeitos dramáticos a longo prazo.
Apontar caminhos de futuro, olhando para além do ruído do quotidiano, é uma das tarefas essenciais do Presidente da República.
A avaliação dos efeitos da ação política
Como avaliar os efeitos da magistratura de influência do Presidente da República?
O efeito de uma determinada medida económica é geralmente definido como a diferença, no mesmo momento ou período de tempo, entre a situação da economia no caso em que a medida é tomada e aquela que teria existido na ausência daquela medida.
A determinação dos efeitos de uma medida económica requer, portanto, uma análise diferencial, o que envolve especiais dificuldades, uma vez que implica a comparação entre uma situação da economia que é real e observável – no caso em que a medida é tomada – e outra que é virtual e não é diretamente observável – aquela que se verificaria se a medida não tivesse sido tomada.
Extrapolando para a área política, dir-se-á que o efeito de uma determinada ação consiste na diferença entre duas situações do País, no mesmo período de tempo, com e sem essa ação.
As dificuldades na determinação dos efeitos de uma ação política são semelhantes às da determinação dos efeitos de uma medida económica. Resultam do facto de não ser possível conhecer diretamente o que teria acontecido se, por hipótese, a dita ação política não tivesse tido lugar.
No caso da magistratura do Presidente da República, há situações em que é possível saber com exatidão qual seria a alternativa que vigoraria na ausência da intervenção presidencial. É o que ocorre, por exemplo, na alteração de um decreto da Assembleia da República, na sequência de um veto do Presidente da República, ou de um diploma do Governo, na sequência do diálogo entre os dois órgãos de soberania.
Isto é, há casos em que é possível saber ao certo que o rumo das coisas foi diferente em resultado da intervenção do Presidente da República, embora continue a não se saber exatamente tudo sobre a diferença.
No entanto, na generalidade dos casos, nem sequer é possível determinar com exatidão qual seria a alternativa que existiria na ausência da intervenção do Presidente da República.
Se o Presidente da República não se tivesse empenhado, por exemplo, em mobilizar os diferentes tipos de agentes para as potencialidades da economia do mar, o que teria acontecido? A mesma questão poderia ser colocada relativamente à promoção do consenso social e político ou do empreendedorismo jovem e alargada a muitas outras ações do Presidente.
A maior parte dos efeitos da magistratura presidencial – tal como acontece, aliás, com muitas ações de outros agentes políticos – não é, realmente, suscetível de avaliação direta e imediata.
Esta situação surge acentuada se o Presidente da República, até para aumentar a sua capacidade de influência efetiva sobre o processo político de decisão, guardar reserva relativamente às suas intervenções junto do Governo. Recordo que, relativamente aos 1741 diplomas recebidos do Governo para efeitos de promulgação, durante o meu primeiro mandato, 381 foram objeto de alterações na sequência de contactos com o Executivo, apenas um foi formalmente vetado e nenhum foi submetido à fiscalização do Tribunal Constitucional. O resultado teria sido diferente, certamente com prejuízo para o País, se não tivesse adotado a prática, que continuo a seguir, de manter reservadas as dúvidas e objeções suscitadas por diplomas recebidos do Governo para efeitos de promulgação pelo Presidente da República.
Num tempo dominado pelo culto do efémero e do protagonismo mediático seria porventura tentador utilizar a chefia do Estado como palco de atuação de grande efeito, buscando o engrandecimento pessoal através de intervenções mais ou menos populistas, que conquistassem simpatias do momento mas das quais nada resultaria, a não ser um grave prejuízo para o superior interesse nacional.
Em conjunturas de crise, como a que vivemos, seria fácil tirar partido de uma magistratura que não possui responsabilidades executivas diretas para, através de declarações inflamadas na praça pública, satisfazer os instintos de certa comunicação social, de alguns analistas políticos e de muitos daqueles que pretendem contestar as instituições. Seria fácil, por exemplo, alimentar sentimentos adversos à classe política ou até à ação do Governo.
Esse não é, no entanto, o meu entendimento sobre o que deve ser a ação responsável de um Presidente da República, muito menos em tempos de grave crise. Os Portugueses sabem como sou, conhecem a minha aversão a excessos de protagonismo pessoal e o meu apego ao superior interesse do País. A minha missão consiste em contribuir, de forma ativa mas ponderada, para que Portugal vença os desafios do presente sem perder de vista os rumos do futuro. Foi esse o mandato para que fui eleito – e dele não me afastarei nem um milímetro.
Aníbal Cavaco Silva
Março 2013
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.