Foi com o maior gosto que aceitei o convite para estar presente neste evento que assinala os 40 anos do Expresso, jornal de referência que tem acompanhado a nossa História recente e que deu um contributo decisivo para a democratização do País.
Evocar “Portugal no Mundo” é, antes de mais, relembrar a Nação que somos. Uma Nação que, desde cedo, se abriu à diversidade dos povos e enriqueceu o Mundo com a sua capacidade para promover o diálogo e a confluência de diferentes culturas.
Chegámos aos quatro cantos do Globo e aí conquistámos prestígio enquanto parceiro que defende os valores universais. Somos credíveis como mediadores, pois temos a arte rara de construir pontes e criar laços.
Estamos, também por isso, presentes em diversos fóruns multilaterais. E somos, não por acaso, um país que encontra na Língua, na Diáspora e no Mar três elementos identitários que são outras tantas peças-chave da sua ação política externa.
O nosso passado é motivo de orgulho. Nas palavras de Gonçalo M. Tavares, no belo livro ‘Uma Viagem à Índia’, “o tempo, num país inteligente, é a extensão mais significativa”. A memória coletiva é, de facto, ponto de referência para a nossa forma de atuar, presente e futura.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Em 1986, Portugal reencontrou-se com a Europa, o nosso espaço natural. Portugal aderiu ao projeto europeu com uma dupla motivação: a democracia e o desenvolvimento. Mas não se limitou a colher os benefícios da adesão. Levou consigo o caráter euro-atlântico e os valiosos ativos representados no universalismo da nossa cultura e na projeção da língua portuguesa, marcas da nossa identidade enquanto Povo.
Nos quase 30 anos que decorreram desde a nossa adesão, a Europa e o Mundo mudaram muito. A globalização acelerou e fez emergir novos atores. Portugal manteve a sua orientação europeia, coerente e consistente com o interesse nacional.
Temos sido, ao longo destes anos, um protagonista ativo na construção e aprofundamento da União Europeia. Uma União que tem no mercado único e no euro as suas traves mestras.
O euro, que Portugal adotou desde o seu lançamento e que há 11 anos substituiu o escudo, representa a vanguarda da integração europeia.
Um eventual fracasso da zona euro teria consequências desastrosas para a Europa: designadamente, poria em causa o próprio mercado interno, faria recrudescer nacionalismos arcaicos e enfraqueceria o papel dos Estados europeus na cena internacional.
A sustentabilidade do euro exige, sem dúvida, uma União Económica e Monetária capaz de responder aos desafios que tem pela frente. Mas as prioridades da agenda europeia não se esgotam no euro.
O aprofundamento da União Orçamental e a construção de uma União Bancária devem ir de par com o efetivo reforço do Mercado Único – com destaque, desde logo, para o setor energético – e com uma agenda claramente orientada para o crescimento económico e para a criação de emprego.
A União deve apoiar os Estados na reestruturação das suas economias. Retomar os caminhos de reindustrialização, como agora é defendido por alguns Estados, entre os quais Portugal, é opção que deve ser encorajada.
A União Europeia passou a ser, também ela, uma importante plataforma para o relacionamento de Portugal com o resto do Mundo. A opção pela integração europeia e a aposta no reforço dos laços com outros Estados não são opções alternativas nem, muito menos, conflituantes. São antes opções que convergem e interagem. Em particular, quanto melhor for o nosso desempenho europeu, maior projeção teremos globalmente.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
A relação com os países lusófonos constitui um vetor fundamental da nossa política externa, por imposição do passado e por opção do presente. Valorizar esse legado é fundamental para construir um Portugal de referência no Mundo.
No continente africano, onde se encontra a maior parte dos países de expressão portuguesa, assumimo-nos como um caso de sucesso de transição democrática, ao mesmo tempo que somos reconhecidos por cultivar a tolerância e o diálogo de culturas.
O nosso papel nos esforços de paz e de estabilidade democrática em África identifica-nos como um irredutível defensor dos Direitos Humanos.
Por seu turno, as relações económicas e empresariais tendem a pautar-se pela partilha de conhecimento, com especial ênfase na vertente da formação de quadros, com ganhos para todas as partes.
Refiro-me aos países da África da CPLP, mas não só. Portugal está cada vez mais presente fora do círculo lusófono. O modo como atuamos tem permitido trilhar novos caminhos, com particular relevo na África Austral. A língua portuguesa em África é um aliado poderoso, tanto pelo peso que detém ao nível das organizações regionais, como pelo seu valor económico.
A excelência do relacionamento que lográmos alcançar em África constitui uma singular marca da confiança de que desfrutamos a nível global. Desde logo, na Ásia, que tão visivelmente se inscreve na agenda do futuro. Se hoje podemos olhar para a Ásia como uma prioridade, é na nossa História que encontramos uma base sólida para desenvolver o potencial que uma parceria reforçada encerra.
Sem intuitos passadistas, temos vindo a comemorar datas de grande significado no relacionamento com o Oriente. Este ano celebram-se os 500 anos da chegada dos Portugueses – os primeiros Europeus – à China, e os 470 anos da nossa chegada, uma vez mais enquanto pioneiros europeus, ao Japão.
Nas minhas deslocações à Ásia, compreendi, muito claramente e com particular emoção, que a presença portuguesa no Oriente não só não foi esquecida, como é muito acarinhada. Importa, contudo, que a perceção positiva de Portugal seja dinamizada à luz do que podemos fazer em conjunto, agora e no futuro.
Foi o que procurei fazer aquando das minhas visitas ao Oriente: desde logo, à Índia – destino da minha segunda Visita de Estado –, mas também a Singapura e à Indonésia. Esta última – um marco histórico, por se tratar da primeira Visita de Estado de um Presidente português à Indonésia – constituiu um efetivo virar de página nas relações de Portugal com aquele grande país e com a região.
Estive igualmente em Timor-Leste a comemorar os 10 anos da independência. A construção do Estado timorense colocou um desafio a toda a comunidade internacional, a que o povo português, erguendo-se a uma só voz, respondeu desde a primeira hora. Aqui, a preservação do idioma e, em particular, o alargamento da CPLP estenderam a ação da língua portuguesa à região asiática.
Importa ainda relembrar Macau, sem nostalgias, mas sim numa perspetiva de presente e de futuro. A nossa relação com Macau, situado numa região com um enorme potencial ainda por explorar, pode bem constituir-se como uma plataforma privilegiada para uma maior proximidade com a China, uma potência política e económica em construção, e com o resto da Ásia.
Também aqui a língua portuguesa se assume como um ativo estratégico, como veículo de cultura, de ciência e de empreendedorismo. Não por acaso, existe um interesse crescente, na Ásia, pela aprendizagem da nossa língua.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
No discurso da minha tomada de posse, em 2006, citei Miguel Torga, que caracterizava Portugal como uma “terra debruada de mar”. Esse mar é o Atlântico.
A nossa vocação atlantista reflete-se na forma como nos projetamos e relacionamos com os países do outro lado do oceano. As relações com os Estados Unidos e com o Canadá, nossos parceiros fundadores da NATO, atingiram um elevado grau de solidez e maturidade política, assente na partilha de valores e de princípios de comum interesse estratégico.
A dinâmica da comunidade de portugueses e lusodescendentes que vive e trabalha nestes dois países, Estados Unidos e Canadá, constitui um elo fundamental que deve merecer a nossa melhor atenção.
No Atlântico Sul, na América Latina, região com a qual também temos um relacionamento secular e onde gozamos de um importante capital histórico de confiança, encontramos hoje alguns dos principais motores da economia mundial e da vida política internacional.
Além da relação especial com o Brasil, a aproximação a outros países da região – como a Colômbia, o Peru, o México, o Chile, a Argentina, ou a Venezuela – deve ser uma componente fundamental da política externa portuguesa. A aposta em parcerias ibero-americanas apresenta, a meu ver, um grande potencial de futuro.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Do lado do Mediterrâneo provêm as origens ancestrais da nossa matriz cultural. O Mediterrâneo une-nos aos nossos vizinhos e à herança da nossa cultura judaico-cristã.
Temos de projetar o País e manter um olhar atento para com os nossos vizinhos do sul. Desde logo, Marrocos, o nosso vizinho mais próximo, mas também a Tunísia, a Argélia, a Líbia e o Egito – países que se encontram a viver um profundo processo de transição. É fundamental que esta dinâmica de mudança se baseie no reforço das instituições democráticas e num diálogo inclusivo e permanente, de forma a contrariar tentações radicais ou extremistas.
Mais além, a Turquia, ponte e plataforma de civilizações, é nosso parceiro na NATO. Portugal sempre foi defensor da adesão da Turquia à União Europeia. Pela sua posição estratégica, pela realidade cultural multifacetada de que é exemplo, devemos reforçar e diversificar os laços que partilhamos. Saúdo, por isso, o dinamismo de que a nossa relação bilateral está a ser objeto – a nível económico e político.
Em franco período de crescimento económico, a Turquia constitui uma excelente oportunidade de acesso aos emergentes mercados da Ásia Central. É um ator fundamental – e global – em matéria de energia e de política externa, para além de ser um parceiro incontornável na resolução do permanente conflito que a Europa tem à sua porta.
A única solução para o conflito no Médio Oriente é a de dois Estados independentes – Israel e Palestina – vivendo lado a lado, em paz e segurança. Portugal, ao ter apoiado, no passado mês de novembro, a elevação do Estatuto da Palestina nas Nações Unidas, reconhecida entretanto como Estado Observador Não Membro, expressou o seu compromisso com o Processo de Paz.
Uma palavra sobre o Golfo Pérsico, onde, desde o Século XVI, os portugueses estiveram presentes. A caminho da Índia, a península arábica era uma paragem obrigatória para os nossos navegadores. Nos últimos anos, temos vindo a redescobrir os países daquela região, países que encerram múltiplas oportunidades para as nossas empresas, com benefícios mútuos que não deveremos, pela nossa parte, desperdiçar.
A Rússia mantém-se um importante ator na cena internacional, não apenas por se tratar de um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas também porque a sua história, a sua geografia e as suas abundantes riquezas naturais lhe conferem esse estatuto.
Portugal e a Rússia mantêm contactos de muitos séculos, especialmente a partir do estabelecimento das relações diplomáticas, em 1779.
Ultrapassado o interregno da Guerra Fria, retomámos uma relação saudável de entendimento e cooperação. Como Primeiro-Ministro, tive a honra de assinar, em 1994, o Tratado de Amizade e Cooperação entre os nossos dois países. A Rússia é não só um importante mercado, que tem suscitado um interesse crescente para os exportadores portugueses, mas também um parceiro que importa preservar no contexto da sua relação mais próxima com a União Europeia.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
O peso de um país no Mundo não se esgota, naturalmente, nas suas relações bilaterais. Nos fóruns internacionais, Portugal detém uma influência superior ao seu peso relativo. Portugal é visto, justamente, como um mediador neutral, negociador de consensos e defensor de valores universais. Pioneiro na abolição da pena de morte, Portugal continua atento e ativo na defesa dos Direitos Humanos.
No plano cultural, a identificação e a preservação dos vinte e quatro bens de origem portuguesa espalhados por África, Ásia e América, classificados pela UNESCO como Património da Humanidade, vieram sublinhar a importância da nossa presença no Mundo. A UNESCO deu ainda uma visibilidade global a uma importante marca cultural portuguesa e à nossa língua, ao considerar o Fado como Património Imaterial da Humanidade.
Num outro plano, não é demais sublinhar a importância da CPLP, uma organização que se tem afirmado como uma entidade de referência no plano internacional.
Poucos países com a dimensão de Portugal se podem orgulhar de terem estado no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como membros não permanentes, em duas décadas consecutivas. Terminámos, no mês passado, com sucesso, o nosso mandato de dois anos. No centro das decisões internacionais, apercebemo-nos, uma vez mais, da urgente necessidade de reforma daquela organização.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Comecei esta minha reflexão dizendo-vos não ser por acaso que Portugal encontra na Língua, na Diáspora e no Mar três marcas identitárias que são elementos-chave na sua presença no Mundo.
A presença da língua portuguesa no contexto internacional é crescente. Os números são impressionantes. A língua portuguesa é, como sabem, a língua oficial de oito países e de uma Região Administrativa Especial chinesa, o que corresponde a um universo de cerca de 240 milhões de pessoas.
O português é um dos idiomas em maior expansão em todo o mundo, particularmente em áreas com forte crescimento económico, como a China ou os países latino-americanos, onde é visto como língua de oportunidades e negócios. É também língua de trabalho em diversas organizações regionais, além de um importante veículo de comunicação na internet e nas próprias redes sociais.
Hoje é também inegável aquilo que venho defendendo há muitos anos: a sua importância para a competitividade da nossa economia. Num estudo recente, estimou-se que as indústrias e os serviços em que a língua portuguesa é um elemento-chave representam 17 por cento do Produto português.
Como segunda marca de identidade, salienta-se a Diáspora. Tenho-me encontrado, frequentemente, com portugueses que vivem e trabalham no estrangeiro. Deparei-me com comunidades renovadas, revigoradas, dinâmicas. Portugueses da nova e da velha geração. E muitos jovens quadros, diligentes e empreendedores, empresários de sucesso.
A Diáspora, constituída pelos portugueses emigrantes e lusodescendentes, representa um ativo precioso. São quase 5 milhões de portugueses, verdadeiros embaixadores de Portugal e o vértice primeiro da defesa e afirmação da cultura portuguesa além-fronteiras.
Queria por isso saudar todas as iniciativas lançadas em apoio do reforço dos laços entre as Comunidades Portuguesas e o País, entre as quais a criação, no passado dia 26 de dezembro, do Conselho da Diáspora Portuguesa.
E, como terceiro traço da portugalidade, o Mar. Com uma geografia muito particular, Portugal relacionou-se com o Mundo através do mar. Foi por ele que chegámos a outras regiões, culturas e países e será cada vez mais por ele que devemos chegar a novos mercados.
Nos últimos anos, Portugal passou a assumir um papel de liderança nos assuntos relacionados com o mar, quer a nível global, nas Nações Unidas, quer a nível europeu, na União Europeia.
A atenção aos assuntos do mar tem sido uma constante dos meus mandatos como Presidente da República. Esta é uma causa pela qual vale a pena batermo-nos e trabalharmos em conjunto.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Foi na vertigem da viagem que Portugal se encontrou consigo próprio, naquilo que tem de melhor.
Ao longo da sua História, projetando-se no Mundo, Portugal tem-se reinventado e superado desafios. Um Mundo que descobriu e deu a descobrir e onde dispõe de um enorme capital de confiança e simpatia.
O Portugal de hoje deve ser motivo de esperança. Somos um país democrático e aberto, tanto económica como culturalmente. Portugal sempre foi maior quando se abriu ao Mundo, quando não teve medo da aventura e do risco. Esta é a lição da História, o ensinamento que devemos assumir num tempo que será o que dele fizermos.
É este o nosso tempo. Se soubermos agir com inteligência, firmeza e responsabilidade, não devemos recear o presente, pois um futuro melhor é uma realidade ao alcance das nossas mãos.
Termino renovando as minhas felicitações ao Expresso pelos seus 40 anos e, em particular, aos organizadores desta grande conferência subordinada ao tema “Portugal no Mundo”.
Obrigado.
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.