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PRESIDENTE da REPÚBLICA

INTERVENÇÕES

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Prefácio do Presidente da República no livro de intervenções “Roteiros IV”
Março de 2010

O Desafio da Recuperação Económica

Portugal tem enfrentado, nos últimos anos, importantes desafios económicos e sociais, com efeitos notórios na actividade das empresas e na vida dos cidadãos. Fenómenos como a crescente globalização financeira e comercial, a adesão ao euro, a emergência de economias como a China e a Índia, o alargamento da União Europeia a 27 países e, mais recentemente, a crise financeira global colocaram a economia portuguesa sob forte pressão, exigindo transformações a nível da administração pública, do tecido empresarial, dos recursos humanos e, até, dos hábitos económicos.

Esta pressão constitui uma oportunidade muito clara para Portugal se modernizar e desenvolver. Como já afirmei em várias ocasiões, trata-se de um desafio estrutural que os Portugueses têm plenas condições de vencer, com a determinação, a energia e a vontade que caracterizam o nosso Povo e que tenho testemunhado, de forma permanente, durante os meus quatro anos como Presidente da República.

O processo de transformação estrutural de uma economia produz, frequentemente, algumas consequências negativas, por vezes severas, na vida das pessoas. É, pois, essencial que as políticas públicas combinem a trajectória de modernização e de desenvolvimento do País com um acompanhamento cuidado dos seus efeitos sobre o bem-estar e os direitos essenciais dos cidadãos, especialmente os mais desprotegidos e os mais afectados.

Face à realidade económica, social, cultural e política em que vivemos, arriscado seria ignorar ou retardar as mudanças que permitirão a Portugal afirmar-se como uma sociedade desenvolvida. Contudo, só com uma mobilização inequívoca de todos os agentes, num ambiente de justiça, de equilíbrio social e de coesão nacional, poderemos, verdadeiramente, avançar. É ilusório pensar que Portugal pode desenvolver-se enquanto sociedade dual, num processo a dois tempos, discriminatório para vastas camadas de cidadãos ou para algumas regiões.

Entendo que, também neste contexto, o Presidente da República tem um papel relevante a desempenhar.

Em primeiro lugar, o Presidente da República deve contribuir para um diagnóstico correcto e aprofundado das dificuldades e das oportunidades que a economia e a sociedade portuguesas enfrentam. Tenho procurado fazê-lo, falando verdade sobre a situação económica e social do País, alertando para os desafios com que Portugal se defronta e, muito em especial, mobilizando os Portugueses para a recuperação da economia, através da palavra, da influência política, da promoção de iniciativas conducentes a uma melhoria das condições de vida dos cidadãos e da divulgação dos bons exemplos que abundam entre nós. Como já tive ocasião de afirmar, considero que a verdade gera confiança, enquanto a ilusão é fonte de descrença.

Em segundo lugar, cabe ao Presidente da República pugnar pelo equilíbrio social e económico do País. Tenho colocado especial ênfase na necessidade de garantir o bom funcionamento das instituições: a defesa plena dos valores fundamentais da democracia é determinante para o futuro do País. Tenho procurado, também, dar voz aos mais desprotegidos e aos que estão, tradicionalmente, mais longe do pensamento do poder político, chamando a atenção para os riscos associados a fenómenos como o desemprego, a pobreza, a exclusão, as desigualdades sociais e as assimetrias regionais. Estou consciente de que só num ambiente de estabilidade política, económica, social e institucional poderemos esperar que Portugal progrida para patamares de desenvolvimento e de bem-estar mais consistentes com a nossa ambição e com a posição vantajosa de que desfrutamos como Estado-Membro da União Europeia.

Em terceiro lugar, o Presidente da República deve contribuir para a criação de um ambiente propício à implementação das reformas estruturais de que Portugal precisa para responder ao desafio do desenvolvimento. Conheço as dificuldades associadas às mudanças estruturais e a resistência natural que tendem a produzir. Sei, igualmente, que as reformas acarretam riscos importantes se não forem feitas de forma adequada: mudar por mudar não é uma opção aceitável. É com esta perspectiva que tenho procurado intervir, estimulando o diálogo e a concertação, apontando caminhos e evidenciando oportunidades, chamando a atenção para a necessidade de criar condições para a modernização do País, e alertando, também, para os riscos associados às opções que vão sendo tomadas.

A minha crença nos Portugueses, na sua capacidade de superar adversidades e de compreender os desafios em causa tem constituído motivação suficiente para prosseguir esta via, plenamente convicto de que, se unirmos esforços, seremos bem-sucedidos.

A participação de Portugal na União Económica e Monetária trouxe benefícios importantes à nossa economia: um enquadramento macroeconómico genericamente mais estável, maior facilidade de acesso ao mercado europeu de bens e serviços, e condições mais favoráveis de financiamento dos agentes económicos.

Em contraponto, a adesão à moeda única implicou a perda de instrumentos importantes de ajustamento, nomeadamente no domínio da política monetária e cambial. A resposta a choques internos e externos passou a depender de mecanismos diferentes dos habituais, porventura mais complexos e exigentes.

O significado desta nova realidade tornou-se ainda mais relevante com o subsequente alargamento da União Europeia e a emergência económica de países como a China e a Índia, concorrentes directos de Portugal no mercado de comércio global. O alargamento europeu e a rápida internacionalização das novas economias emergentes vieram fragilizar o tecido industrial português e pôr em causa o nosso modelo tradicional de crescimento económico.

Apesar dos progressos verificados em algumas áreas, o ajustamento da economia portuguesa a este novo enquadramento tem sido lento e difícil. Acresce que a recente crise financeira e económica mundial veio acentuar os problemas conjunturais e as debilidades estruturais da nossa economia, tornando ainda mais evidentes os desafios que Portugal enfrenta e a urgência de uma resposta positiva a esses desafios.

Nos últimos anos, a economia portuguesa tem divergido sistematicamente da média europeia. Para que a situação não se agrave, é necessário que haja uma recuperação da taxa de crescimento potencial da nossa economia. O tecido empresarial português, que apresenta um elevado risco de obsolescência, revela dificuldade em criar emprego com o ritmo e a qualidade desejáveis. A taxa de desemprego atingiu, entretanto, patamares historicamente muito elevados, afectando de forma transversal os vários segmentos da população, incluindo jovens e cidadãos com formação superior. As situações de pobreza e de exclusão social, as desigualdades territoriais e os casos de despovoamento do território têm vindo a aumentar, pondo em causa os direitos das pessoas e a coesão nacional.

Temos observado, em paralelo, que a posição financeira da economia portuguesa é claramente desequilibrada, quer em termos do sector público quer em termos das relações com o exterior. Para além do agravamento da dívida pública e do endividamento das famílias, Portugal tem apresentado uma trajectória preocupante de aumento do endividamento externo, que acentua o défice da balança de rendimentos com o exterior e ameaça seriamente o rendimento disponível e o bem-estar futuro dos Portugueses.

Esta evolução reflecte, no fundo, o insuficiente crescimento da produtividade e as dificuldades competitivas da economia portuguesa.

Verifica-se, de facto, uma assimetria na estrutura produtiva nacional, com muitas das maiores empresas acantonadas em sectores relativamente protegidos pelo Estado ou em sectores de bens e serviços não transaccionáveis, onde a concorrência é menos intensa do que no mercado global.

Estamos perante uma situação indesejável e insustentável. A história económica recente demonstra que não é possível, para Portugal, suportar um modelo de desenvolvimento económico baseado no crescimento da procura interna e dos sectores de bens e serviços não transaccionáveis, e na ausência de um ambiente plenamente concorrencial.

Perante esta realidade difícil, importa abordar o futuro com determinação acrescida. É essencial preparar o País para a recuperação económica, adoptando um caminho de crescimento sustentável, que tire partido das lições aprendidas com a actual crise e que potencie devidamente os nossos recursos.

A gravidade da situação actual exige acção imediata. Estou consciente desta necessidade e é por isso que tenho chamado a atenção para a importância de inverter, já em 2010, a situação em que o País se encontra. No curto prazo, é fundamental restabelecer a confiança dos agentes económicos e criar condições para que aumente a produção e a atractividade da nossa economia, propiciando a retoma do investimento, doméstico e estrangeiro.

Isto comporta, nomeadamente, apresentar um plano claro e credível de redução do défice e da dívida pública até 2013; manter medidas de apoio social aos desempregados e mais desprotegidos, assegurando critérios justos, rigorosos e eficientes de atribuição desse apoio; libertar recursos para o sector privado, de forma a não condicionar as opções e oportunidades de desenvolvimento das empresas, sobretudo das pequenas e médias empresas; definir e avaliar com rigor as políticas públicas em função do seu contributo para o aumento da competitividade externa da nossa economia; e desenvolver e consolidar os processos de regulação e supervisão, nomeadamente na área financeira.

É crucial, além disso, que se encare o desafio da recuperação económica também com uma perspectiva estrutural, que permita a convergência da economia nacional com os países mais desenvolvidos da União Europeia, o aumento do nível de vida dos Portugueses, a criação de emprego sustentável e de qualidade, e o combate às desigualdades territoriais e de rendimento.

Importa ter presente que Portugal é um país com um mercado interno de pequena dimensão e que depende muito das relações económicas com o exterior, não só em termos do comércio de bens, mas também no domínio do turismo, do investimento estrangeiro e das próprias fontes de financiamento. É essencial, por isso, conjugar o reforço da nossa capacidade competitiva com uma marca de credibilidade, de modernidade e de futuro que mantenha Portugal numa posição favorável no Mundo globalizado em que vivemos.

Tenho insistido em sublinhar que só poderemos conseguir uma recuperação económica sustentável com uma aposta determinada na inovação, no reforço da competitividade e na conquista de novos mercados. É nestas vertentes que reside, de facto, o futuro económico de Portugal.

A concretização destes objectivos é uma tarefa que responsabiliza, em primeiro lugar, os agentes políticos. É essencial aprofundar as reformas estruturais que propiciem a eficiência na utilização dos recursos e a emergência e o desenvolvimento de uma iniciativa privada com vontade de produzir, investir e criar emprego. Trata-se, por exemplo, de reforçar a credibilidade das nossas instituições, nomeadamente do sistema de justiça e da administração pública; de conter os desequilíbrios macroeconómicos; de modernizar o Estado; de investir no conhecimento e na investigação; e de requalificar empresas e capital humano.

Entendo, porém, que o desafio da recuperação económica é uma responsabilidade colectiva. Como tal, deve ser assumido plenamente pela sociedade civil, incluindo a iniciativa empresarial privada, as comunidades locais e as autarquias.

É minha convicção que o Presidente da República, no actual contexto, deve ser um agente mobilizador e instigador de condições e iniciativas favoráveis ao desenvolvimento, quer através da sua acção política quer através dos seus contactos com entidades estrangeiras e com a vida económica e social do País. É isto que tenho procurado fazer, sobretudo no âmbito da iniciativa dos «Roteiros», a qual me leva a percorrer o País de Norte a Sul.

Tenho procurado incentivar os vários agentes – políticos, económicos, sociais e outros – a agirem como actores de mudança, procurando soluções inovadoras para os problemas nacionais e locais. Tenho procurado contribuir para a difusão dos bons exemplos de inovação existentes no País e estimular a cooperação entre agentes e comunidades. Tenho procurado dar visibilidade a iniciativas que, pela sua capacidade inovadora nos domínios económico, empresarial, social, cultural ou ambiental, contribuem para a valorização dos recursos próprios e para a melhoria das condições de vida das populações.

Na conjuntura actual, reconhecer os bons exemplos e as boas práticas é ajudar a encontrar um rumo de futuro que estimule a confiança dos Portugueses na sua capacidade para resolver os problemas do País. A divulgação de iniciativas de sucesso contribui para que os cidadãos acreditem na possibilidade de replicar projectos análogos e para que se reforce a motivação para agir.

Os problemas do País não se resolvem só com grandes projectos e com a actividade desenvolvida nas grandes cidades e nas grandes empresas. Não podemos dispensar a acção das pequenas e médias empresas, que representam cerca de 98 por cento do nosso tecido produtivo e são a principal fonte de criação de emprego. Tal como não podemos dispensar a produção que pode ser realizada nos municípios e centros urbanos de média e pequena dimensão e no próprio espaço rural.

O «Roteiro das Comunidades Locais Inovadoras» – que lancei em Novembro de 2009 – inspirou-se, precisamente, na convicção de que, tirando partido do efeito de proximidade, estas comunidades podem dar um contributo decisivo para a recuperação económica sustentável, através da resolução de problemas sociais; de acções solidárias e cooperativas de apoio aos mais vulneráveis; do aproveitamento e valorização dos seus recursos – naturais, humanos, patrimoniais e culturais; da criação de novas oportunidades de emprego local; e do fortalecimento da capacidade produtiva das autarquias e de pequenas e médias empresas competitivas.

A diversificação sectorial e regional é, aliás, um factor importante para o futuro do País. Esta dupla diversificação contribui, por um lado, para minorar o impacto dos choques económicos negativos sobre a vida das pessoas e das regiões e, por outro, para desbravar caminho para a descoberta de novas áreas de vantagem comparativa, tornando-nos mais fortes no mercado internacional.

Acresce que a diversificação regional, baseada no aproveitamento dos recursos locais e produtos tradicionais, pode contribuir para restabelecer os equilíbrios territoriais e fortalecer a coesão nacional.

O impacto de cada iniciativa local inovadora pode não ter uma dimensão marcante à escala nacional. Mas a multiplicidade de iniciativas locais poderá ter um efeito agregado muito significativo. Por isso, creio que é necessário intensificar, qualificar e disseminar no território estes impulsos de desenvolvimento, mobilizando os recursos locais que, de outro modo, seriam ignorados ou até delapidados.

O poder autárquico pode, naturalmente, ter um papel importante nesta dinamização das energias e capacidades locais. Desde logo, favorecendo a iniciativa empresarial e o empreendedorismo dos jovens, facilitando a cooperação e a partilha de informação entre os agentes económicos locais e promovendo o desenvolvimento de parcerias e redes de contacto. Mas, também, estimulando as microempresas a ganharem dimensão, a reforçarem a qualificação dos seus recursos humanos, a melhorarem as práticas de gestão e a penetrarem nos mercados externos.

As autarquias podem, em suma, empenhar-se na difusão de uma cultura de inovação e criatividade, para que nas actividades económicas, sociais, ambientais ou culturais, independentemente da escala, se faça diferente, se faça novo, se faça, sobretudo, com mais qualidade e eficiência. Estou convencido de que as autarquias são, cada vez mais, agentes de desenvolvimento que o País não pode dispensar.

Desde o início do meu mandato como Presidente da República que tenho salientado a importância da responsabilidade social das empresas. Esta referência tornou-se especialmente pertinente nos últimos dois anos. De facto, na origem da actual crise financeira e económica global pesaram muito a violação de normas éticas e a adopção de comportamentos de risco que não tiveram em devida conta o possível impacto negativo sobre o bem-estar das populações.

Se a ausência de princípios e de valores éticos nos mercados, nas políticas e nas práticas empresariais terá sido a grande causadora da crise financeira internacional, também é certo que a responsabilidade social das empresas muito poderá fazer pela recuperação económica: aproveitando devidamente as oportunidades existentes, utilizando e partilhando de forma justa os recursos disponíveis, gerando condições favoráveis à criação e à manutenção de empregos, procurando justiça na remuneração dos altos dirigentes face aos salários médios dos trabalhadores e credibilizando a imagem das empresas perante os cidadãos. Estes são elementos essenciais à coesão social e à confiança dos agentes económicos, sem as quais é difícil uma retoma sustentada.

Neste contexto, devo salientar que, no decurso dos meus «Roteiros» encontrei nos empresários com quem contactei um forte sentido de pertença e de responsabilidade relativamente às comunidades locais em que se integram. Uma atitude que se expressa, para dar um exemplo, na manutenção das unidades de produção em localidades do interior, acreditando nos recursos locais e procurando soluções inovadoras para preservar a competitividade.

As recessões, muito embora penosas, podem funcionar como fenómenos potenciadores da capacidade de reinvenção das economias. Por isso, é essencial olharmos para além da actual crise. Evitando, como já disse, a repetição dos erros cometidos no passado, unindo esforços, mobilizando vontades e preparando, desde já, o aproveitamento pleno das oportunidades que certamente irão surgindo no período pós-recessivo.

A nossa capacidade de resposta ao desafio da recuperação económica determinará o nosso futuro colectivo.

Este é o momento de combater fragilidades, prosseguir com determinação as mudanças necessárias e estimular a iniciativa dos cidadãos e das comunidades, sem descurar o apoio aos grupos mais vulneráveis da nossa sociedade. É neste sentido que venho apelando a que as forças políticas aprofundem uma cultura de diálogo e de responsabilidade e a que as empresas, as autarquias e a sociedade civil, em geral, desenvolvam uma cultura que ajude a mobilizar os Portugueses para a mudança. Uma cultura de fazer melhor, uma cultura que busque o mérito, a inovação e a excelência.


Aníbal Cavaco Silva
Março 2010

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.