O Presidente da República devolveu à Assembleia da República, para reapreciação, o Decreto n.º 6/XIII da Assembleia, relativo à exclusão da ilicitude na interrupção voluntária da gravidez.
Leia adiante o texto integral da Mensagem que, a propósito, o Presidente da República enviou à Assembleia da República:
“Senhor Presidente da Assembleia da República
Excelência,
Tendo recebido, no dia 4 de janeiro de 2016, para ser promulgado como lei, o Decreto n.º 6/XIII da Assembleia da República que procede à «Revogação das Leis n.º 134/2015, de 7 de setembro, relativa ao pagamento de taxas moderadoras na interrupção voluntária da gravidez, e n.º 136/2015, de 7 de setembro (primeira alteração à Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, sobre a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez)» decidi, nos termos do artigo 136º da Constituição, não promulgar aquele diploma, com os fundamentos seguintes:
1 – O Decreto em causa procede à revogação de duas leis aprovadas em 2015 e repristina normas alteradas por estas leis.
2 – Em especial, o Decreto procede à revogação da Lei n.º 136/2015, de 7 de setembro, que prevê a prestação de informação à grávida sobre apoios sociais, sobre a remoção de dificuldades no acesso a direitos de que é detentora e sobre o valor da vida e da maternidade e paternidade responsáveis. Esta lei estabelece, ainda, a obrigatoriedade de acompanhamento psicológico por técnico de serviço social durante o período de reflexão.
3 – Por ocasião da promulgação da lei sobre exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez – a Lei n.º 16/2007, de 17 de abril – agora alterada, sublinhei, na Mensagem que então remeti à Assembleia da República, o seguinte: “A disponibilização da informação acima referida constitui algo que não só não contende com a liberdade de decisão da mulher, como representa, pelo contrário, um elemento extremamente importante, ou até mesmo essencial, para que essa decisão seja formada, seja em que sentido for, nas condições mais adequadas – quer para a preservação do seu bem-estar psicológico no futuro, quer para um correto juízo de ponderação quanto aos interesses conflituantes em presença, quer, enfim, quanto às irreparáveis consequências do ato em si mesmo considerado”.
4 – A promulgação da Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, ocorreu, pois, tal como expressamente referido naquela Mensagem, no pressuposto de que a exclusão de ilicitude da interrupção voluntária da gravidez seria acompanhada de regulamentação que garantiria a informação suficiente e necessária para uma tomada de decisão consciente, livre e responsável, no reforço da autonomia da mulher, bem como o seu acompanhamento em momento prévio ao da decisão de interrupção da gravidez.
5 – De resto, o Tribunal Constitucional, nos acórdãos n.º 288/98 e n.º 617/2006 acentuou, nos seguintes termos, a relevância da consulta de aconselhamento: “A admissibilidade constitucional do reconhecimento da licitude da interrupção voluntária da gravidez realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, ou, pelo menos, da renúncia à utilização de sanções penais, nessas circunstâncias, não pode, porém, ser interpretada como aceitação de que a Lei Fundamental consagra o aborto como método de planeamento familiar ou de controlo da natalidade. A isso se opõe o entendimento de que a vida humana intrauterina constitui um bem jurídico protegido, independentemente do título a que deva tal proteção. Nesta conformidade, afiguram se particularmente importantes, por poderem vir a revelar se bem mais eficazes que a própria repressão penal, medidas comuns à generalidade das legislações europeias sobre a matéria, como sejam a obrigatoriedade de uma prévia consulta de aconselhamento, em que possa ser dada à mulher a informação necessária sobre os direitos sociais e os apoios de que poderia beneficiar no caso de levar a termo a gravidez, bem como o estabelecimento de um período de reflexão entre essa consulta e a intervenção abortiva, para assegurar que a mulher tomou a sua decisão de forma livre, informada e não precipitada, evitando se a interrupção da gravidez motivada por súbito desespero”.
6 – Tal como refere o Tribunal Constitucional, a previsão de uma consulta obrigatória de aconselhamento prévia à decisão de interrupção da gravidez é comum em sistemas jurídicos que nos são próximos. Assim, por exemplo, na Alemanha, é obrigatória a consulta de aconselhamento acompanhada de um período de reflexão de, pelo menos, três dias. A lei espanhola impõe, também, um dever de informar a mulher sobre direitos sociais na maternidade.
7 – As alterações aprovadas pela Lei n.º 136/2015 tiveram por principal objetivo reforçar os direitos de informação da mulher grávida, bem como estabelecer a obrigatoriedade de acompanhamento técnico especializado durante o período de reflexão.
8 – As alterações introduzidas na citada Lei nº 136/2015 vão, pois, ao encontro das preocupações que manifestei na Mensagem que enviei à Assembleia da República em 10 de abril de 2007, encontrando-se ainda em harmonia com as disposições de regimes de sistemas jurídicos que nos são próximos.
9 – A revogação agora operada, repristinando embora as normas anteriormente em vigor, as quais previam a existência de aconselhamento, diminui os direitos de informação e, bem assim, elimina a obrigatoriedade do acompanhamento técnico especializado durante o período de reflexão.
10 – Considera-se a presente alteração um retrocesso na defesa dos diversos valores e interesses em presença, porquanto reduz a informação prestada ao longo do processo de decisão da grávida, devendo ser essa informação, com afirmei na Mensagem citada, a mais abrangente possível como forma de reforçar justamente a liberdade de decisão da mulher. Por outro lado, a recente alteração legislativa, realizada sem o devido debate público e uma adequada ponderação, elimina a obrigatoriedade de acompanhamento técnico, a qual constitui, naturalmente, um reforço procedimental daquele direito à informação da mulher grávida.
11 – Finalmente, de acordo com as alterações introduzidas pela Lei n.º 136/2015, foi revogada a norma que impedia os médicos ou demais profissionais de saúde que invoquem a objeção de consciência relativamente a qualquer dos atos respeitantes à interrupção voluntária da gravidez de participar na consulta de aconselhamento. Ao ser repristinada aquela norma, é reintroduzido na ordem jurídica um impedimento que não deixará de ser percebido como uma desconfiança relativamente à isenção do profissional de saúde objetor de consciência, tal como já havia assinalado na Mensagem que enviei à Assembleia da República em 10 de abril de 2007, assim afastado de todas as fases de um processo que, saliente-se, tanto pode resultar na interrupção da gravidez como pode, pelo contrário, levar à decisão, tomada livremente pela mulher, sem quaisquer constrangimentos, de não interromper a sua gravidez.
Deste modo, tendo em conta a evolução legislativa nesta matéria bem como os fundamentos da anterior mensagem enviada ao Parlamento, e para permitir aos Senhores Deputados, caso assim o entendam, uma auscultação de entidades ou personalidades com relevância neste domínio e uma mais amadurecida reponderação sobre as soluções legislativas a adotar numa área de grande sensibilidade política, ética e social, decidi devolver à Assembleia da República, sem promulgação, o Decreto n.º 6/XIII.
Com elevada consideração,
Palácio de Belém, 23 de janeiro de 2016
O Presidente da República
Aníbal Cavaco Silva”
© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016
Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.
Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.