É com especial satisfação que me associo a esta iniciativa do Centro Jacques Delors relativa aos vinte e cinco anos que ora se cumprem do Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias. Não esqueço que o Centro de Informação Jacques Delors foi criado em 1995, por proposta do Governo português e com o apoio do seu patrono, então Presidente da Comissão Europeia.
A integração nas Comunidades Europeias constitui um dos marcos mais relevantes da História de Portugal no século XX.
Há vinte e cinco anos, concluíam-se com sucesso as negociações de adesão e, em 1 de Janeiro de 1986, Portugal tornou-se no décimo primeiro Estado-membro das Comunidades Europeias.
É um imperativo de justiça lembrar, com merecido reconhecimento, líderes que foram decisivos nas longas e difíceis negociações de adesão. A visão e sentido estratégico de Mário Soares e Medeiros Ferreira, a persistência negocial de Sá Carneiro e de Freitas do Amaral, o empenhamento de Francisco Pinto Balsemão, João Salgueiro e Jaime Gama, marcaram o sucesso das negociações de adesão. Mas uma palavra muito especial devo dedicar a Ernâni Lopes. Quer como Representante de Portugal junto das Comunidades Europeias, quer como Chefe Negociador, o seu contributo foi crucial para levar Portugal a integrar o clube restrito de países da integração europeia.
Neste reencontro com a Europa, em certa medida um reencontro com a sua própria História, Portugal assumiu em pleno o seu papel de parceiro responsável e solidário no desafiante projecto de construção europeia. Consolidou a democracia, promoveu o desenvolvimento, afirmou-se no Mundo.
Quando olhamos para o percurso destes vinte e cinco anos, é preciso, desde logo, reconhecer que o nosso País não se limitou a colher os legítimos benefícios da adesão, pois também adicionou valor ao projecto de integração europeia, partilhando a sua ímpar identidade secular, a sua visão do Mundo e os seus activos de relação privilegiada com as mais diversas regiões, em particular a América Latina e África.
Quando aderimos, há vinte e cinco anos, o maior desafio a vencer era o da credibilidade. Sabíamos que a Europa ainda olhava para Portugal com alguma desconfiança, às vezes mesclada de algum paternalismo distante. Os nossos parceiros ainda se perguntavam se Portugal seria capaz de suportar o impacto da adesão e de participar em pleno nas políticas europeias. A resposta a essa questão foi exemplarmente dada pelo nosso desempenho. Superámos o teste da credibilidade. Quando Jacques Delors designou Portugal como «o bom aluno», numa expressão feliz, mas não raro mal interpretada por alguns, quis justamente evidenciar que o nosso País tinha sabido ultrapassar as desconfianças e era considerado, unanimemente, como um parceiro sério, estável, solidário. Chegou mesmo a afirmar que Portugal participava na integração europeia como se tivesse sido um dos seus fundadores.
Essa credibilidade conquistada fundou-se, em primeiro lugar, no desempenho interno do País, seja pelo eficaz e estável funcionamento das instituições democráticas e da Administração, seja pela recuperação da economia. Fundou-se igualmente na capacidade para aceder aos fundos estruturais, usando-os de uma forma intensa para promover o progresso económico e social do País.
Mas a credibilidade alcançou-se, também, a partir da nossa participação efectiva nas instituições comunitárias. Cultivando o rigor, o espírito de cooperação e a solidariedade, Portugal soube granjear o respeito dos seus parceiros. Essa credibilidade foi decisiva para poder defender com eficácia o interesse nacional. E permitiu-nos também ter iniciativa e desenhar soluções inovadoras à escala comunitária para responder a interesses específicos do nosso País. São disso exemplo o Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa (PEDIP) e o conceito de Regiões Ultraperiféricas, que fundou os programas de apoio à Madeira e aos Açores.
O modo como exercemos as três presidências do Conselho da União Europeia, em 1992, 2000 e 2007, fortaleceu o nosso capital de afirmação. Em 1992, eu próprio presidi, então na qualidade de Primeiro-Ministro, ao Conselho Europeu de Lisboa. Aqui se decidiu a criação do Fundo de Coesão, as principais orientações para o que viria a ser o Pacote Delors II e as grandes linhas estratégicas para o futuro alargamento da União Europeia. Recordo grandes protagonistas desse Conselho, como François Mitterrand, entretanto já desaparecido, Helmut Kohl, Felipe González e o próprio Jacques Delors, actores decisivos de uma década fulgurante do processo de integração europeia. Em 2000, sob presidência portuguesa, foi estabelecida a Estratégia de Lisboa. E, em 2007, na mais recente presidência portuguesa, foi concluída a negociação do Tratado de Lisboa, fechando longos anos de impasse institucional.
Ao longo destes anos, Portugal conseguiu assegurar um lugar na linha da frente da construção europeia. É oportuno recordar que Portugal aderiu justamente no momento em que a integração europeia conheceu uma aceleração ímpar, o que impôs ao nosso País não apenas a exigência de se adaptar ao acervo comunitário existente à data da adesão, mas também a capacidade de acompanhar o ritmo das intensas mudanças que se foram produzindo.
Com o Acto Único Europeu, lançou-se o mercado único, de par com o princípio da coesão económica e social. Com os Acordos de Schengen, sete países da União Europeia anteciparam a livre circulação de pessoas, realizando em pleno o espaço sem fronteiras concebido no Acto Único Europeu. E, com o Tratado da União Europeia, criou-se uma União Monetária hoje já plenamente concretizada.
Ora, Portugal levou por diante o mercado único, fez parte do primeiro grupo de países Schengen e integrou a moeda única desde o princípio, superando desconfianças e resistências vindas de vários lados. Ou seja: acompanhou o exigente ritmo de aprofundamento da integração, revelando não só vontade política, mas também efectiva capacidade reformista para se adaptar às mudanças. Esse desempenho português colocou-nos no centro do processo de construção europeu.
No balanço destes vinte e cinco anos de integração, não pode deixar de relevar-se o impacto económico-social. Os primeiros quinze anos de adesão foram particularmente fecundos, registando-se uma convergência real com a Europa acima das expectativas. O fraco desempenho da economia portuguesa registado nos anos mais recentes não apaga os progressos alcançados. Quando aderimos, o nosso Produto per capita situava-se à volta de 53 por cento da média comunitária; quinze anos depois estávamos mais de vinte pontos percentuais acima, ou seja, perto de 75 por cento, significando um ritmo de convergência real que só foi superado pela Irlanda.
Esse bom desempenho económico assentou em quatro elementos decisivos: a modernização do quadro legal e administrativo, favorecendo uma economia aberta e competitiva; as reformas estruturais levadas a cabo; o acesso aos fundos comunitários; e a atracção do investimento directo estrangeiro.
Todavia, o impacto da adesão foi muito para além dos fluxos financeiros. Atacaram-se os vícios administrativos do proteccionismo, abriu-se a economia à iniciativa, estimulou-se a procura de eficiência e cultivaram-se elevados padrões de qualidade. Ou seja, favoreceu-se o marco competitivo e consolidou-se um modelo económico e social compatível com as democracias ocidentais.
É uma evidência que os fundos estruturais impulsionaram a economia portuguesa, mormente pela modernização e valorização das nossas infra-estruturas que tinham, à data da adesão, um atraso considerável face à Europa. Aos fundos da União Europeia associou-se o investimento directo estrangeiro, que quintuplicou nos primeiros cinco anos após a adesão. Investimento que trouxe tecnologia, mercado, organização e criação de emprego.
Importa sublinhar um outro impacto relevante da adesão: as relações com a Espanha. Em 1986, descobrimos novas dimensões na relação com o país vizinho. Já não apenas o competidor, às vezes exacerbado por um passado de antagonismos, mas, acima de tudo, o parceiro da União Europeia. E descobrimos o mercado de grande potencial. E as sinergias de proximidade traduzidas em comércio, em investimento, em serviços, em concertação regional, mas também em intercâmbio cultural, que atingiu níveis nunca alcançados. E se é verdade que os dois países nem sempre têm, nem têm de ter, uma simétrica convergência de interesses e de orientação, não é menos verdade que, em muitos temas da agenda europeia, há uma convergência que deve ser cultivada. A intensidade das relações luso-espanholas não pode senão reforçar-se no contexto da integração europeia.
Um olhar sobre estes vinte e cinco anos traz também ao de cima uma outra consequência da nossa participação na União Europeia: o reforço da nossa voz na cena internacional. Ao contrário do que alguns anteciparam, Portugal incrementou, com a adesão, os laços com os seus parceiros tradicionais extra-europeus, nomeadamente com os países da lusofonia, mas também, por exemplo, com os países mediterrânicos. A causa de Timor-Leste, que saiu vitoriosa com o reconhecimento da independência, embora em contexto de dramático sofrimento, beneficiou do nosso estatuto de Estado-membro da União Europeia, quando tivemos que defender essa orientação nas instâncias internacionais. A nossa capacidade de interagir com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, nomeadamente nas áreas da cooperação, saiu também reforçada, e a nossa participação na União Europeia permitiu àqueles nossos parceiros um acesso mais facilitado a meios e recursos.
Noutro prisma, Portugal contribuiu muito activamente, ao longo destes vinte e cinco anos, para o reforço das relações da União Europeia com outros países e regiões, designadamente aquelas com quem temos laços privilegiados. É bem ilustrativo que tenha tido lugar em Guimarães, sob presidência portuguesa, e perante o cepticismo de muitos, o primeiro encontro União Europeia-Mercosul. Ou que tenha sido sob presidência portuguesa que se tenha institucionalizado o diálogo da União Europeia com a Índia. Ou que, bem recentemente, tenhamos liderado a cimeira UE-África.
Para o sucesso que tem sido a integração de Portugal na União Europeia há ainda dois factores que devo destacar.
Em primeiro lugar, o facto de ter sido possível cultivar uma ampla convergência estratégica em torno da nossa participação na União Europeia, por parte das principais forças políticas e dos parceiros económicos e sociais, convergência também revelada na cooperação entre órgãos de soberania.
Em segundo lugar, a qualidade e competência dos portugueses que têm integrado as instâncias comunitárias. O seu desempenho tem contribuído muito para o prestígio do nosso País. A este propósito, não posso, também, deixar de referir as responsabilidades que foram atribuídas a José Manuel Durão Barroso, como Presidente da Comissão Europeia, agora já em segundo mandato.
Ao atribuir-lhe a liderança da Comissão Europeia a Europa ponderou, acima de tudo, os seus méritos e qualificações, mas reconheceu igualmente o desempenho de Portugal como membro da União Europeia.
Quero também, nesta ocasião, testemunhar o meu apreço e reconhecimento por todos aqueles que, ao longo destes vinte e cinco anos, representaram Portugal, aos mais diversos níveis, nos órgãos de decisão comunitária. Governantes, diplomatas, técnicos que, defendendo o interesse nacional, souberam também contribuir para a defesa do interesse comum europeu. Muito deve o nosso País à competência desses portugueses que dedicaram o melhor do seu esforço à integração europeia.
Entendo que o desafio da integração é um desafio permanente, nunca definitivamente vencido. Portugal estará sempre debaixo de um apertado escrutínio europeu, quer quanto à situação das suas finanças públicas, quer quanto ao desempenho da sua economia, quer ainda quanto à sua prestação nas instituições europeias.
E, de novo, o processo da integração europeia volta a enfrentar difíceis e complexos desafios. Entre eles, o desafio da globalização e de uma nova ordem multilateral e multipolar emergente.
A crise actual não é provavelmente mais grave do que outras que foram superadas pela integração europeia ao longo da sua história.
E o que é oportuno sublinhar é que a integração europeia não é a causa das dificuldades, antes representa a resposta aos problemas. As questões sensíveis que os cidadãos europeus hoje enfrentam, como o desemprego, a segurança e a competição internacional, não sugerem menos Europa. Pelo contrário, recomendam mais integração europeia.
Fundamental é manter o tríptico com que Jacques Delors definiu, há alguns anos atrás, o quadro de acção da União Europeia: «a competição que estimula, a cooperação que reforça, a solidariedade que une». Eis o que é necessário manter como referência: um quadro competitivo e eficiente, uma cooperação reforçada e uma solidariedade tangível.
Alguns descrêem já do Tratado de Lisboa, apenas alguns meses depois da sua entrada em vigor. Que não se peça ao Tratado de Lisboa aquilo que só a vontade dos Estados e dos povos da Europa pode dar. É nessa construção da vontade comum que temos de persistir sem falhas de empenho e sem nacionalismos retrógrados.
Vinte e cinco anos depois podemos dizer: valeu a pena. E podemos dizer mais: Portugal contribuiu decisivamente para fazer avançar o processo de construção europeia, em vários momentos que são marcos reconhecidos pelos nossos parceiros e pelas instituições europeias.
É esse mais um estímulo para enfrentarmos os desafios dos próximos vinte e cinco anos.