Entendeu a Associação Portuguesa de Escritores atribuir, este ano, o Prémio Vida Literária à romancista Maria Velho da Costa.
É uma decisão com a qual não posso senão congratular-me, interpretando o sentimento dos seus leitores e admiradores.
O percurso de Maria Velho da Costa, ao longo de quase meio século de publicações e de intervenção no nosso meio cultural, é de facto extraordinário.
Talvez não corresponda ao que vulgarmente se chama uma carreira.
Mas os verdadeiros escritores, como ainda há bem pouco tempo dizia o moçambicano Mia Couto, não têm propriamente uma carreira, pois continuam a vida inteira a experimentar «os mesmos receios e as mesmas preocupações», de cada vez que iniciam um novo livro.
Os escritores como Maria Velho da Costa não têm uma carreira, têm uma obra.
A sua história confunde-se com as histórias que nos deram através da palavra.
É nos livros que escreveram e nas personagens que criaram que está a sua identidade.
É por isso que nós falamos, a propósito de grandes escritores como Maria Velho da Costa, de uma vida literária.
O reconhecimento da obra de Maria Velho da Costa foi praticamente unânime, desde a publicação do seu primeiro romance, Maina Mendes.
Esse livro representava um momento de renovação da linguagem e dos processos narrativos, como raramente aconteceu na literatura do século XX. Dele escreveu Eduardo Lourenço que se tratava «de um virtuosismo sem exemplo entre nós», e que «nenhum dos nossos livros contemporâneos redistribui, com tanto sucesso, as experiências mais criadoras da prosa portuguesa, de Fernão Lopes a Guimarães Rosa».
Maina Mendes não revelava apenas uma escritora dotada de invulgar mestria a lidar com as palavras. Revelava também uma escritora muito atenta ao ambiente social português de finais da década de 60, com todas as suas contradições e impasses.
Ao inconformismo da escrita e à pesquisa constante de novas formas de expressão, Maria Velho da Costa associava, já nessa altura, a atitude crítica e o empenhamento cívico que manteve até hoje, na defesa das suas convicções e dos seus valores. Tive, por isso, o grato prazer de a condecorar, em 25 de abril de 2011, com o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.
Não irei demorar-me a falar dos livros que Maria Velho da Costa publicou. Foi traduzida, a sua obra foi objeto de trabalhos académicos.
Os prémios que lhe têm sido atribuídos, nomeadamente o Prémio Camões em 2002, e agora o Prémio Vida Literária, são suficientemente eloquentes a respeito de uma obra que é de vanguarda, mas que, ao mesmo tempo, está profundamente enraizada na nossa história e dialoga com os textos maiores da literatura portuguesa.
A homenagem que hoje lhe prestamos é também o testemunho da gratidão que lhe devemos pelo contributo que a sua obra representa para a vitalidade e a projeção da nossa cultura.
Felicito a Associação Portuguesa de Escritores, pela atribuição deste Prémio àquela que foi, além do mais, um dos seus antigos presidentes, e apresento a Maria Velho da Costa os meus sinceros parabéns. A que acrescento os de minha mulher que tanto me fala de si, com admiração, mas também com a amizade que vem dos bancos da Faculdade de Letras de Lisboa.
Bem-haja por tudo quanto tem feito pela nossa cultura.