Agradeço o convite, que muito me honra, para me dirigir a esta Assembleia. Tenho um profundo respeito pelo Parlamento Europeu e pelo seu papel no seio da União Europeia.
Como referi nesta instituição, em Setembro de 2007, conheço bem a ação e o contributo do Parlamento para o processo de integração europeia. Não esqueço o apoio franco e leal que dele recebi na qualidade de Primeiro-Ministro, durante os meses em que liderei a primeira presidência portuguesa do Conselho, em 1992.
Assinalo com satisfação, a grande evolução do Parlamento desde os tempos de Maastricht. O Tratado de Lisboa consolidou muito justamente o seu papel de colegislador, a par do Conselho. Trata-se de uma opção que favorece a legitimidade democrática das decisões da União e contribui para o aprofundamento da cultura cívica europeia.
Não haveria, assim, local mais apropriado para partilhar algumas considerações sobre os desafios que considero mais atuais e prementes para os nossos Estados e cidadãos, nesta fase do projeto europeu.
Nas últimas décadas, a ideia europeia materializou-se numa construção política extraordinária e num modelo para muitos. Eliminaram-se fronteiras, estabeleceu-se a livre circulação de pessoas, de conhecimento, de cultura; instituiu-se o mercado único; criou-se o maior bloco económico do mundo e a moeda única; reforçou-se uma comunidade de pertença.
No entanto, somos hoje infelizmente levados a constatar que a inspiração e as conquistas que alcançámos desde os pais fundadores não podem ser tomadas por adquiridas.
O crescimento económico na Europa é débil e vários países encontram-se em recessão; e o desemprego é uma realidade dramática. Estes são os dois maiores desafios que vivemos atualmente e para os quais ainda não encontrámos uma resposta eficaz. Não surpreende, por isso, que a eles se junte um divórcio crescente entre decisores e cidadãos.
Há precisamente 28 anos que, em 12 de Junho de 1985, Portugal subscreveu, nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos, o seu compromisso formal de adesão às Comunidades Europeias. A adesão às Comunidades culminou a consolidação do processo democrático português e contribuiu, de forma decisiva, para o desenvolvimento do meu país. Desde então, Portugal participou ativamente na consolidação do projeto europeu.
Portugal trouxe à Europa o legado da sua História, a marca do diálogo atlântico, o universalismo da sua língua e da sua cultura. Os nossos laços especiais de amizade com África e a América Latina, a Diáspora presente em todos os pontos do mundo, a crescente afirmação internacional da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa são fatores que contribuem para a projeção global da União Europeia, dos nossos valores, do nosso projeto.
Atualmente, como sabem, os portugueses sentem com particular incidência a crise económica e financeira, com todas as graves consequências sociais que daí advêm. Os últimos anos têm sido dos mais complexos que temos vivido na nossa história recente. Desde meados de 2011 que Portugal tem vindo a realizar um importante esforço de ajustamento económico e financeiro e de reformas estruturais no quadro do programa acordado com instituições internacionais. O processo de consolidação orçamental tem vindo a avançar, apesar de um contexto económico externo muito mais desfavorável do que inicialmente previsto pelas instituições envolvidas, e do choque assimétrico a que fomos sujeitos.
No meu país, a dureza da recessão manifesta-se há 10 trimestres consecutivos. A taxa de desemprego atingiu 17,7 por cento, sendo o desemprego jovem de 42 por cento. Assistimos a um preocupante aumento do risco de pobreza.
Estão a ser exigidos sacrifícios muito pesados aos portugueses, que têm manifestado um admirável sentido de responsabilidade, reforçando laços de solidariedade e de entreajuda que permitem minorar algumas das situações mais dramáticas.
Senhor Presidente do Parlamento Europeu,
Senhoras e Senhores Deputados,
Esta crise veio tornar evidente o grau de interdependência entre os Estados-membros da União Europeia, em geral, e da Zona Euro, em particular. É o resultado lógico do nível de integração que alcançámos. Não é hoje possível dissociar a situação num Estado-membro do contexto geral europeu.
Em suma, somos uma União e não um mero somatório de Estados e de mercados. E isso faz uma enorme diferença quando se trata de compreender a situação atual e de definir as respostas mais adequadas.
Nos últimos dois anos, há que reconhecer os esforços da União Europeia no que respeita ao apoio às necessidades de financiamento dos Estados-membros em maiores dificuldades, ao reforço das regras de disciplina e supervisão orçamental e ao aprofundamento da coordenação das políticas económicas.
O Banco Central Europeu, por seu lado, anunciou a possibilidade de intervir ilimitadamente no mercado secundário de dívida soberana. Tratou-se de um marco importante para combater os ataques especulativos que vinham minando a Zona Euro.
Apesar destes desenvolvimentos positivos, temos de admitir que esta crise veio expor sérias fragilidades da União. Para além da lentidão e tibieza na resposta à crise do euro, o maior fracasso da União Europeia residiu – e reside – no capítulo da promoção do crescimento económico e da criação de emprego.
Em 2012, a Zona Euro registou uma contração do produto de 0,6 por cento e as previsões apontam para que a situação continue a evoluir negativamente neste ano de 2013. A taxa de desemprego na União subiu consecutivamente nos últimos cinco anos. 26 milhões de pessoas estão desempregadas, das quais 5 milhões e setecentos mil são jovens. A Zona Euro encontra-se no 6º trimestre consecutivo de queda do produto e no 8º trimestre consecutivo de queda do investimento. É clara a divergência em relação à tendência verificada nos Estados Unidos, e no Japão.
Durante demasiado tempo a atenção esteve concentrada na austeridade para correção dos desequilíbrios das contas públicas, relegando para um plano secundário o crescimento económico. O atraso na concretização das reformas estruturais pôs em causa a competitividade. Em vários Estados-membros as empresas enfrentam condições de financiamento muito negativas. A quebra de confiança prejudicou, e continua a prejudicar, o investimento.
A contração da procura interna no conjunto da Zona Euro, ao agravar o impacto das medidas que Portugal teve de adotar para alcançar as metas do défice orçamental, contribuiu para acentuar a recessão e elevar o desemprego para níveis socialmente inaceitáveis.
Quando, aos países que executam programas de consolidação dos défices públicos, se juntam políticas contracionistas nos outros Estados-membros, a consequência é uma recessão no conjunto da União, como agora se está a verificar. A situação contrasta de modo flagrante com a opção por políticas mais expansionistas noutros blocos da economia mundial.
Importa, no entanto, reconhecer que não foi por falta de visão ou de alguns alertas da Comissão Europeia e deste Parlamento que o objetivo do crescimento económico e criação de emprego não assumiu mais cedo a prioridade ao mesmo nível que o da correção dos desequilíbrios orçamentais.
Em Dezembro de 2011, o Presidente da Comissão, dirigindo-se a este Parlamento, afirmou: «não podemos construir a nossa união económica sobre disciplina e sanções. Precisamos também de uma Europa de crescimento e emprego». E não preciso de recordar o número incontável de ocasiões em que, desde o início da crise, nesta Casa, se fizeram ouvir vozes de deputados, das mais variadas famílias políticas, incluindo a sua, Senhor Presidente Schulz, alertando para a necessidade imperiosa de não esquecer esta prioridade.
As hesitações e os constrangimentos políticos dos Estados-membros fizeram com que se levasse demasiado tempo a reconhecer que os problemas financeiros, verificados em alguns países, a todos afetam e que a crise na Zona Euro não se resolve apenas com a imposição de políticas de austeridade aos Estados com défices excessivos. No caso dos países sujeitos a programas de ajustamento, por exemplo, poder-se-ia ter reconhecido mais cedo a vantagem em deixar funcionar plenamente os estabilizadores automáticos, isto é, não insistir no aumento dos esforços de consolidação orçamental só porque a recessão económica reduz as receitas fiscais.
A situação de grande interdependência económica e financeira, a que aludi anteriormente, exige dos Estados-membros uma coordenação reforçada das suas políticas. Os países já não são capazes de, isoladamente, resolverem os seus problemas. Mas, por outro lado, a nível europeu ainda não estamos totalmente equipados para o poder fazer eficazmente. Encontramo-nos numa situação de transição. Os instrumentos do passado não são suficientes para a Europa responder às questões do presente, nem para preparar o seu futuro.
Precisamos pois de avançar para uma verdadeira União Económica e Monetária nas suas várias vertentes: bancária, orçamental e económica. Este deve ser um elemento essencial da estratégia da União Europeia.
Tem havido alguns contributos de grande relevância para o debate sobre a nova fase da integração europeia, com destaque para o “Blueprint para uma profunda e genuína União Económica e Monetária” apresentado pela Comissão.
Também aqui o Parlamento Europeu é chamado a desempenhar um papel central. Estou certo de que saberá estar à altura das suas responsabilidades e das expectativas dos cidadãos.
Senhor Presidente do Parlamento Europeu,
Senhoras e Senhores Deputados,
Assim como o sucesso da Europa é fundamental para Portugal, também o sucesso de Portugal é fundamental para o sucesso da Europa. Portugal conta com o apoio das instituições e dos seus parceiros.
Desde logo, na promoção do crescimento económico e da criação de emprego. Várias áreas são decisivas para este objetivo. Por um lado, é fundamental melhorar as condições de financiamento da economia, em especial das Pequenas e Médias Empresas, para o que, quer o Banco Europeu do Investimento, quer os Fundos Estruturais, são particularmente importantes. Paralelamente, é fundamental uma resposta por parte do Banco Central Europeu que reponha o normal funcionamento dos mecanismos de transmissão monetária em toda a Zona Euro.
A rápida operacionalização da União Bancária é, também ela, absolutamente essencial para combater a fragmentação dos mercados de crédito e superar o contágio do risco das dívidas soberanas ao sistema bancário, favorecendo o financiamento das economias em condições equilibradas e concorrenciais.
É imperativo desonerar o custo excessivo do crédito às empresas que pesa sobre a economia de alguns Estados, como Portugal. O custo do crédito suportado pelas empresas portuguesas é muito superior ao das suas congéneres europeias, o que prejudica a sua competitividade, afeta as decisões de investimento e promove sentimentos justificados de injustiça.
Por outro lado, seria muito relevante que os países sujeitos a programas de ajustamento pudessem contar com incentivos e apoios europeus às reformas estruturais que terão de levar a cabo para melhorar a sua competitividade no mercado global e para assegurar a sustentabilidade da dívida pública. Por exemplo, beneficiarem, temporariamente, de acesso a um regime especial que lhes permitisse conceder incentivos fiscais ao investimento no sector dos bens transacionáveis.
Uma palavra sobre o Quadro Financeiro Plurianual. Mais do que compreender, partilho a frustração de muitos neste Parlamento com a falta de ambição do Conselho Europeu. No entanto, nas atuais circunstâncias, o meu apelo vai agora no sentido de uma rápida obtenção de um acordo nas negociações com o Conselho.
Uma outra exigência do sucesso de Portugal consiste no pleno regresso aos mercados do financiamento externo. Este aspeto constituirá igualmente um marco no reforço da confiança e, consequentemente, do investimento no meu País. Os primeiros passos foram dados com sucesso, nas emissões de dívida a 5 e 10 anos já este ano realizadas. Mas o apoio das instituições europeias e dos nossos parceiros continua a ser necessário. A extensão das maturidades da dívida da República Portuguesa é um contributo positivo, tal como o será a elegibilidade do meu País para as intervenções do Banco Central Europeu no mercado secundário da dívida pública.
Recordo o compromisso firmado pelos Chefes de Estado e de Governo da Zona Euro na Declaração de Julho de 2011, reiterada em Outubro seguinte: «Estamos decididos a continuar a prestar o apoio aos países sujeitos a programas até que estes recuperem o acesso ao mercado, desde que executem com êxito esses programas». A clarificação sobre a forma como este compromisso pode ser concretizado contribuirá para aplanar o caminho de regresso aos mercados.
Senhor Presidente do Parlamento Europeu,
Senhoras e Senhores Deputados,
A identidade cultural europeia foi construída há muitos séculos, através da partilha de ideais e de valores comuns, daquilo que nos distingue enquanto civilização defensora da liberdade e da democracia. A Europa é o lugar que muitos procuram, e não apenas por razões económicas. Somos um lugar de dignidade humana, um destino de liberdade e de justiça.
No entanto, só após uma guerra mundial, que devastou este Continente e custou milhões de vidas, se tornou possível uma união mais profunda entre os diversos Estados e povos que o integram. Se essa união não existisse, os riscos de emergirem novos conflitos e tragédias nunca estariam afastados do nosso horizonte. A união da Europa é um projeto de paz, como recordava, ainda recentemente, o Comité Nobel.
A partir do sonho dos pais fundadores desse projeto de paz, estabilidade e bem-estar percorremos juntos um longo caminho, um caminho de muitas décadas: de um mercado comum a Europa avança, agora, rumo a uma genuína união económica e monetária e deram-se passos significativos no sentido de uma união política. A Europa é hoje o destino coletivo dos nossos jovens, que sempre circularam num território sem fronteiras. As novas gerações europeias nasceram e cresceram assim e já não admitem viver de outro modo.
Em nome da paz, decidimos juntar esforços na construção de uma Europa aberta e livre, mais forte por que mais coesa e solidária. Somos europeus pela História, mas foi por livre escolha que construímos a União a que nos orgulhamos de pertencer. Chegarmos onde já chegámos não foi um caminho fácil. Seria um grave retrocesso para a Europa se abandonássemos o espírito de uma união firme nos seus ideais e solidária nos seus fundamentos e abdicássemos, desse modo, de tudo quanto essa União nos assegura na relação com outros espaços económicos e políticos do mundo globalizado.
Neste contexto, a solidariedade constitui um imperativo político e moral dos diversos Estados europeus, mas é também, acima de tudo, um princípio essencial de defesa do interesse comum. Estamos juntos, somos uma União, em tempos de abundância e nas alturas difíceis.
Esta crise europeia tem uma dimensão económica e financeira mas, ao mesmo tempo, configura-se como uma crise de legitimação democrática. Cada vez mais, os povos da Europa se distanciam das suas lideranças e existem sinais preocupantes de que o projeto de uma União já não mobiliza vontades nem suscita o entusiasmo de outrora. A crise fez renascer egoísmos nacionais que julgávamos ultrapassados, contrários ao espírito com que, ao longo de décadas, se arquitetou a União e se sonhou um espaço de liberdade e justiça sem paralelo em todo o mundo.
Na situação atual, com 26 milhões de desempregados, a crise da Europa reclama uma solução verdadeiramente europeia. Uma solução europeia não é meramente económica ou financeira. Exige-se, antes de mais, uma resposta social, cultural e política que vá ao encontro dos legítimos anseios dos povos da Europa, única forma de vencer a crise de confiança e de reforçar a legitimidade democrática dos decisores europeus.
Em 2013, assinalamos o Ano Europeu dos Cidadãos. Em 2014, irão ser realizadas eleições para o Parlamento Europeu que constituirão, certamente, um teste à mobilização dos cidadãos.
Para reconquistar a confiança dos povos da Europa não bastam proclamações retóricas ou declarações de intenções. Para que os cidadãos acreditem e confiem nas instituições europeias, é urgente que sejam tomadas decisões corajosas que revelem a autenticidade deste projeto coletivo; dos seus interesses e dos seus valores; do método comunitário. Não podemos perder mais tempo. É agora em 2013, que temos de dar razões de esperança aos quase 6 milhões de jovens que não têm emprego. Celebrar o Ano da Cidadania Europeia, é apostar decisivamente no crescimento económico e no combate ao flagelo do desemprego. Só assim poderemos reconquistar a confiança cívica no projeto de uma Europa unida.
Senhor Presidente do Parlamento Europeu,
Senhoras e Senhores Deputados,
Como afirma a Declaração Schuman, «A Europa não se fará de uma só vez, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto».
Não encontraria, hoje, melhor forma de descrever a natureza dos desafios que temos diante de nós e a forma de os encarar.
Em nome de uma solidariedade autêntica, este é o tempo de mostrar realizações concretas aos cidadãos, para que a Europa seja o espaço de esperança que todos somos chamados a construir.
Muito obrigado.