Aqui neste Salão Nobre, uma vez mais nos reunimos para assinalar a Abertura do Ano Judicial.
Instituída há vários anos, objeto de consagração na lei, esta cerimónia não deve converter-se num ritual vazio de sentido.
Mais do que um ato solene dirigido para o interior do sistema judicial, este encontro tem de estar orientado para o País, para o Povo, em nome do qual a Justiça é administrada.
É para os cidadãos – os destinatários das decisões dos tribunais – que os protagonistas da nossa Justiça devem falar.
Importa, assim, que esta Cerimónia de Abertura do Ano Judicial seja uma real expressão da abertura da Justiça à comunidade dos cidadãos, a toda a Res publica.
Os cidadãos, as empresas e as instituições têm o direito de saber como se administra a Justiça no seu País.
A Justiça é uma atividade fulcral do Estado e, pela sua natureza intrínseca, deve exercer-se com discrição e pautar-se por um forte sentido de responsabilidade e de contenção. Daí que só pontualmente os mais altos responsáveis pelo sistema judicial tenham oportunidade de prestar contas aos cidadãos e de, em conjunto, com serenidade e elevação, proceder a uma reflexão profunda sobre a Justiça do nosso País.
A Abertura do Ano Judicial representa um momento privilegiado para que a Justiça fale aos Portugueses, fazendo o diagnóstico dos problemas e exprimindo os seus anseios, mas também, e de forma construtiva, propondo soluções e apontando caminhos
Neste ano de 2013, surge reforçada a necessidade de atuarmos com empenho, com sentido de Estado, com ponderação e, acima de tudo, pensando no interesse nacional e nos cidadãos, a quem todos, sem exceção, devemos prestar contas.
A Justiça deve constituir, em si mesma, um elemento de integração e um fator de coesão na sociedade portuguesa, através de uma resolução atempada dos litígios e de uma afirmação permanente da autoridade democrática na defesa dos direitos dos cidadãos.
Ninguém pode pretender colocar-se à margem dos desafios coletivos com que o País se depara e que convocam a ação responsável de todos os Portugueses. E, dentre estes, sobressaem, pela sua tão digna quanto exigente missão, aqueles que protagonizam no dia-a-dia a realização da Justiça.
O sistema judicial é o garante da autoridade do Estado, no sentido em que a este compete assegurar o efetivo exercício de todos os direitos dos cidadãos.
Ao contrário do que alguns supõem ou pretendem fazer crer, a autoridade democrática e a liberdade cívica não são valores incompatíveis. São valores convergentes numa democracia consolidada, como aquela que construímos e onde nos orgulhamos de viver. É o poder judicial que, em última instância, deve assegurar a convergência entre a autoridade e a liberdade.
Impõe-se, pois, que tenhamos a consciência clara da situação atual do nosso País, da dimensão extraordinária do esforço que temos de fazer e da missão que a cada um compete.
O nosso tempo é um tempo de trabalho árduo e de sacrifícios, mas deve ser um tempo de justiça e de equidade. Quanto maior é a dimensão dos sacrifícios exigidos, maior tem de ser a preocupação de justiça na sua repartição.
Do respeito pelos princípios da justiça e da equidade depende a preservação de um valor supremo, ao qual tenho feito referência em diversas ocasiões. Trata-se do valor da coesão nacional, da coesão entre os Portugueses. Ao contribuir para a garantia da coesão social e da coesão intergeracional, a Justiça é um fator determinante de estabilidade e de paz social.
Por outro lado, o sistema judicial deve dar um contributo ativo para que Portugal vença as dificuldades do presente. Como tive ocasião de sublinhar recentemente, inverter a tendência negativa que se verifica na produção nacional e no emprego é o grande desafio que temos de enfrentar em 2013.
Esta deve ser a nossa primeira prioridade.
Na conjuntura atual, mais do que nunca, a Justiça deve primar pela eficiência e pela celeridade na resolução dos litígios com incidência económica.
Dessa forma, o sistema judicial prestará um contributo imprescindível para a melhoria do clima de confiança e para o crescimento da nossa economia.
Estudos recentes, levados a cabo por entidades independentes, confirmam que a lentidão dos tribunais é encarada, pelos agentes económicos, nacionais e estrangeiros, como um dos principais obstáculos à atividade das empresas.
Existe uma perceção generalizada – e quero sublinhar este ponto – de que os nossos magistrados são profissionais de elevada competência e de que as decisões judiciais são, em regra, bem fundamentadas e justas.
Simplesmente, a par disso, existe uma convicção muito comum de que há bloqueios e ineficiências em vários aspetos sistémicos inerentes ao funcionamento da Justiça portuguesa.
A legislação produzida deve distinguir-se pela qualidade e estabilidade, pois só assim poderá ser desenvolvida uma jurisprudência coerente, que constitua um elemento de segurança jurídica e um fator de confiança na certeza do Direito.
Para os agentes económicos, e, em particular, para os investidores nacionais e estrangeiros, que necessitam de planear as suas decisões e estratégias, a confiança no ordenamento jurídico, designadamente na estabilidade do sistema jurídico-tributário, é um elemento determinante.
Um empresário não toma uma decisão de investimento de milhões de euros se considerar imprevisível o regime fiscal com que contará no futuro.
Além disso, face à mobilidade internacional dos fatores de produção, um país para o qual a captação de investimento seja decisiva para o crescimento económico e a criação de emprego não pode permitir-se ignorar a competitividade fiscal face aos seus concorrentes.
Aqueles mesmos estudos independentes sinalizam a corrupção, a economia paralela e a fraude fiscal como realidades que afugentam o investimento e corroem as bases do crescimento económico. Têm de ser combatidas com firmeza, logo em termos preventivos, de modo a evitar o eclodir destes fenómenos e a favorecer a sua deteção precoce.
Como referi, a celeridade judicial é considerada pelos agentes económicos como uma das principais condicionantes do desenvolvimento da sua atividade. Correspondendo ou não à realidade da vida judiciária, o certo é que existe essa perceção, o que pode representar um sério obstáculo à captação de investimento.
Ora o investimento, permitam-me que o sublinhe, teve entre nós uma queda acumulada de 36 por cento entre 2009 e 2012 e torna-se urgente conseguir recuperá-lo.
Os recentes tribunais criados em matéria de concorrência, regulação e supervisão e em matéria de propriedade intelectual são essenciais para uma Justiça especializada com reflexos diretos no domínio económico. É importante que disponham dos meios humanos e materiais adequados a um desempenho célere na decisão das questões que justificaram a sua criação.
O sistema judicial contribuirá igualmente para que Portugal vença as dificuldades económicas e financeiras que atravessa se a legislação processual, nomeadamente no domínio processual civil, contiver soluções normativas que garantam, sem quebra de princípios fundamentais, formas simples e expeditas de obtenção de decisões judiciais em prazos razoáveis.
Sem pôr em causa o direito à cobrança coerciva de créditos, temos, como comunidade, de nos questionar sobre a legitimidade de, em algumas áreas de negócio, o ónus dessa cobrança ser sistematicamente remetido para os tribunais.
Se muitos dos problemas da ação executiva puderem ser resolvidos a montante desta, promovendo a simplificação do próprio regime substantivo de algumas obrigações, evitar-se-á que os tribunais sejam esmagados por uma infinidade de litígios, alguns de pequena expressão, que muitas vezes perduram, já sem utilidade prática.
Senhoras e Senhores,
É aceite, de uma forma geral, a necessidade de transformações no sistema de Justiça que respondam aos novos desafios impostos pela situação económica e social, implicando a adoção de soluções normativas inovadoras, a criação de instituições especializadas de resolução de conflitos, bem como a modernização das estruturas judiciárias e a formação especializada dos agentes de justiça. Neste contexto, vale a pena registar o esforço assinalável que tem vindo a ser feito pelo Governo para responder às exigências de mudança na área da Justiça.
Como tem sido reconhecido, este é um domínio em que as reformas projetadas ou em curso devem ser realizadas buscando consensos político-partidários e a audição dos principais agentes judiciários, sendo imprescindível assegurar, também, um permanente acompanhamento dos resultados obtidos.
O envolvimento ativo dos aplicadores do Direito e o diálogo interpartidário são de grande importância para assegurar a estabilidade necessária para que as reformas sejam concretizadas e avaliadas num horizonte temporal minimamente razoável.
Reformar a Justiça não é apenas mudar aquilo que julgamos ser negativo. Reformar a Justiça é igualmente apurar o que está bem, estabilizar o sistema como um todo e agilizar procedimentos.
Importa, de facto, ter consciência de que existem elementos positivos no nosso sistema de Justiça, elementos que devem ser enaltecidos, preservados e servir de exemplo.
Em alguns domínios, com destaque para as leis em matéria económica e tributária, haverá que atuar de forma ponderada, adotando soluções normativas claras e coerentes, na consciência de que se trata de domínios em que a certeza jurídica e a previsibilidade são fatores determinantes das decisões dos agentes empresariais e dos investidores.
As leis, por melhores que sejam, dependem de instrumentos que assegurem a sua concretização. Caso contrário, tornam-se, elas próprias, um fator adicional de ineficiência ou, até, de entropia do sistema.
Independentemente dos ganhos de eficiência que podem ser obtidos pela racionalização dos recursos afetos à área da Justiça, o legislador, ao introduzir alterações no ordenamento jurídico, deverá ponderar até que ponto existem meios humanos e técnicos para as concretizar.
Devemos, em suma, garantir a qualidade e a fiabilidade das leis, quer do ponto de vista do seu apuro técnico-jurídico, quer do ponto de vista do consenso político que as deve suportar, quer ainda, das condições para a sua fidedigna aplicação, face à estrutura preexistente do aparelho judicial e da Administração Pública em geral.
Senhoras e Senhores,
Na atual situação de crise, todos os profissionais do foro irão, provavelmente, ser chamados a debater-se com um maior volume processual. Quero, nesta ocasião, exprimir-lhes o meu apreço e sublinhar o quanto é essencial que magistrados, advogados, solicitadores e funcionários vejam adequadamente fortalecidos os meios judiciais para um exercício cada vez mais exigente das suas funções.
Estou certo de que o sentido de responsabilidade irá imperar, seja da parte dos agentes políticos, seja da parte dos operadores judiciários.
Creio que a atual situação do País gera, de algum modo, um efeito de estímulo, alertando todos os responsáveis pela Justiça portuguesa para a necessidade de uma cultura de responsabilidade, em que prevaleçam os princípios da independência, da isenção e da defesa dos direitos dos cidadãos.
Vivemos um tempo em que é exigido ao poder judicial, no seu todo, um empenho adicional para, no quadro da legalidade democrática, contribuir para a resolução dos problemas económicos e para fortalecer a coesão e a justiça social.
Portugal orgulha-se de ser, há quase 40 anos, um Estado de direito democrático.
Para que o Estado de direito seja, para o comum dos cidadãos, uma realidade palpável, é essencial que as instituições funcionem e que cada qual faça bem o trabalho que lhe compete.
Tenho a certeza, a absoluta certeza, de que a magistratura portuguesa e os demais operadores judiciários saberão estar à altura das suas responsabilidades.
Muito obrigado.