Discurso do Presidente da República na Sessão de Encerramento dos 75 anos da Universidade Técnica de Lisboa
Fundação Calouste Gulbenkian, 2 de Junho de 2006

Senhores Membros do Governo
Magnífico Reitor da Universidade Técnica de Lisboa
Senhor Vice-Reitor da Universidade Técnica de Lisboa
Senhor Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian
Excelências
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É com muito gosto que me associo à celebração do septuagésimo quinto aniversário da Universidade Técnica de Lisboa, a quem formulo os votos de continuação de um trabalho profícuo em prol do desenvolvimento do País.

Esta foi a minha primeira Universidade. Nela estudei e nela ensinei durante largos anos. Nela fiz amizades que perduram. Por isso, quero também deixar aqui uma palavra de testemunho pessoal do trabalho feito por esta instituição e da sua influência decisiva na valorização de muitas gerações de jovens.

O desenvolvimento e o progresso conhecidos nos diferentes ciclos da vida do País, já largamente historiados durante estas comemorações, devem muito à acção das escolas da Universidade Técnica, dos seus docentes e investigadores, e à visão dos que nela ocuparam lugares de responsabilidade ao longo destes 75 anos.

A trajectória marcante do seu passado confere à Universidade Técnica uma grande responsabilidade para o futuro. Acumulou experiência, venceu resistências, influenciou muitas vezes quem decidia. Hoje conta com meios, instalações, recursos humanos e prestígio que a tornam um valor inestimável para o impulso de progresso e bem estar que ambicionamos para o País.

A UTL é uma instituição verdadeiramente plurifacetada, o que constitui um dos activos mais fortes do seu património científico e da sua vivência enquanto centro de produção e transmissão de saberes.

São múltiplos os exemplos do incremento dado por esta Universidade à cultura científica, ao conhecimento e à investigação, desde as áreas científicas clássicas, a áreas que mais tarde ganharam tradição entre nós, como os estudos ecológicos e florestais, a econometria, as relações internacionais, a sociologia do trabalho ou o desporto, até aos mais recentes domínios do conhecimento, como a nanotecnologia, a computação e a informação quânticas e as biotecnologias.

É também importante a abertura que tem sabido concretizar em relação ao mundo empresarial e à sociedade, promovendo a cultura empreendedora que deve ser parte integrante do ensino superior. O reforço da interligação entre docentes, investigadores, alunos e empresas com base científica e abertas à inovação é fonte de benefícios mútuos que se revestem da maior relevância para Portugal.

Os caminhos a trilhar para a afirmação da sociedade do conhecimento precisam de contar cada vez mais com o contributo das Universidades ao nível das transferências do saber. Aqui se incluem actividades como a criação de estruturas de interface com o mundo exterior, espaços de incubação, estímulo ao empreendedorismo de base tecnológica, ou a protecção da propriedade industrial, nomeadamente através do registo e gestão de patentes.

O ritmo e intensidade da interacção entre as universidades e as empresas portuguesas tem de crescer e tornar-se uma cultura adquirida e permanente, nova fonte de exigência e de visão avançada do futuro.

Não vale a pena perder tempo a discutir se a culpa pelo baixo nível desta interacção está nas universidades ou nas empresas. O que importa é olhar o futuro, de modo a que nunca mais se possa dizer que as Universidades estão fechadas nas suas torres de marfim porque, de facto, essa frase hoje já não tem sentido.

Cabe às Universidades induzir o progresso, impelindo a sociedade a ir mais além, sempre com os olhos postos no que só é impossível a quem não quer e não arrisca.

A diversidade que esteve na génese e no desenvolvimento da UTL privilegia uma cultura de interdisciplinaridade que constitui a resposta indispensável ao paradigma da complexidade.

O Colégio de Estudos Integrados da UTL é bem o símbolo de uma instituição que sabe como procurar novas respostas na cooperação e convergência entre as diferentes áreas do saber e os seus centros essenciais de produção.

É hoje ponto assente que a principal riqueza de um País ou de uma instituição, seja empresa ou serviço público, são as pessoas que nelas vivem e trabalham.

Sem pessoas qualificadas, empreendedoras, motivadas e aptas a aprender em permanência, instala-se a rotina, a indiferença e o desalento.

Todos os agentes do sistema de ensino têm consciência de que a capacidade de adaptação, de iniciativa e de exigência contínua, se incute nos jovens desde a mais tenra idade e é vital para progredir num mercado global e em rápida mutação.

Essa vontade e esse impulso consolidam-se irreversivelmente à medida que os jovens progridem nos estudos e aprofundam o conhecimento e a convivência com meios cada vez mais sofisticados do saber e da experiência.

Por isso o insucesso escolar, o abandono precoce do sistema de ensino ou a falta de aproveitamento no ensino superior são um desperdício grave que tem de ser combatido com todas as nossas forças e capacidades.

No mundo complexo em que vivemos, é preciso que os jovens portugueses, como estudantes, como trabalhadores ou como empreendedores, possam encontrar as oportunidades e a valorização de que necessitam para se tornarem pessoas completas e realizadas.

Não podemos prometer aos jovens um caminho aplainado, confortável e sem riscos. A aprendizagem é árdua e difícil, implica esforço e persistência e os conhecimentos adquiridos na universidade têm uma esperança de vida cada vez mais curta.

Uma sólida formação de base, mas também a formação e a aprendizagem contínuas são uma condição de sucesso em qualquer área profissional ou científica.

A sociedade portuguesa espera que a Universidade proporcione a todos a oportunidade do acesso ao conhecimento que vai produzindo, através da inovação e da flexibilidade das suas propostas de ensino.

O relacionamento com instituições de outros países e a inserção internacional da Universidade é, cada vez mais, condição essencial para o pleno desenvolvimento das suas potencialidades e da abertura de novos espaços de acção e aprendizagem.

O intercâmbio universitário e científico, de que a UTL foi sempre protagonista e agente de relevo, conhece hoje uma dinâmica e uma inevitabilidade que não tem precedentes.

A mobilidade tornou-se parte integrante da vida dos estudantes e dos docentes. A actividade profissional, em qualquer área, já não conhece círculos fechados ou espaços exclusivos de acção.

Todos sabemos que o sistema de ensino superior português está a atravessar uma fase de profunda reformulação que é, de facto, imperiosa para que tenhamos uma voz activa e plenamente reconhecida no espaço europeu do ensino e empregabilidade.

O Processo de Bolonha é muito mais que uma proposta e um convite. É uma mensagem de urgência para recuperar competitividade e acertar o passo pelas melhores instituições congéneres europeias.

Consolidando o sucesso associado a diferentes programas de mobilidade dos cidadãos europeus, onde o Programa Erasmus assumiu especial destaque, o Processo de Bolonha desafia-nos agora para um horizonte muito mais ambicioso, o de construir um verdadeiro espaço Europeu do Conhecimento. A comunidade científica portuguesa deve ser parte integrante e reconhecida nesse espaço.

Aprendizagem, formação e emprego são equacionados numa perspectiva de convergência no plano europeu, o que implica comparabilidade dos diferentes cursos e sistemas de ensino, com a consequente transparência na definição dos respectivos conteúdos e objectivos.

Mais do que a exigência de reformulações de planos curriculares ou de adaptações de curto prazo, Bolonha deve ser encarado como uma verdadeira oportunidade para as escolas e instituições que, conscientes da missão que lhes cabe no Portugal de hoje, não se resignam à mediania e ambicionam uma posição de relevo no plano internacional.

Mais do que novos curricula, trata-se de criar os fundamentos de uma nova atitude perante o ensino, a aprendizagem e a formação ao longo da vida como factor essencial para o sucesso no mercado de trabalho do futuro.

As novas fórmulas que vão modelar o ensino superior terão de ser criadas pelas próprias instituições. Estamos, permitam-me que o diga, perante a prova dos nove do princípio da autonomia do ensino superior.

Entre todas as grandes instituições da sociedade portuguesa, as universidades, pela sua história, pela sua natureza, pela qualidade das pessoas que as integram, estão especialmente vocacionadas para se questionarem e adaptarem, engrandecendo-se com isso.

Não seria razoável esperar que esta mudança se fizesse sem tensões, sem hesitações, sem críticas. Sabemos, e as escolas ensinam isso mesmo, que entre duas posições de equilíbrio, a velha e a nova, está um processo de ajustamento dinâmico, nem sempre linear ou suave.

Mas não é isso que nos deve impedir de evoluir e acompanhar o exigente ritmo de andamento que nos é proposto.

A dimensão das mudanças que são necessárias e as suas consequências práticas ao nível da afirmação do país, num quadro europeu de mobilidade e empregabilidade, não são só uma questão do foro interno da academia, ainda que o seu grau de responsabilidade seja imenso. São uma questão nacional.

Surge, aqui, à evidência, o cerne da autonomia universitária: aquele ponto ideal onde confluem o grau de autonomia científica, pedagógica e financeira e o grau de responsabilidade que as universidades devem assumir perante a comunidade.

A sociedade portuguesa espera das universidades ambição e liderança num quadro em que é vital a afirmação da competitividade, da qualidade, da excelência e da capacidade de inovar.

A UTL tem na sua matriz o sentido de abertura às exigências dos novos tempos, a marca de enfrentar com determinação o que a ameaça e desafia, saindo sempre reforçada na pujança das suas Escolas e no seu prestígio. Estou certo de que continuará a ser assim no futuro.

Aos docentes, investigadores, alunos e funcionários da Universidade Técnica, renovo as minhas felicitações pelos 75 anos que souberam percorrer e reafirmo a confiança no êxito que os próximos anos vão assinalar.

Portugal conta com o vosso melhor.