Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhor Primeiro-Ministro
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional
Senhores Membros do Governo
Senhor Bispo de Setúbal
Senhores Embaixadores
Senhora Presidente da Câmara Municipal de Setúbal
Senhor Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações
Senhoras e Senhores
Portugueses,
Comemora-se hoje o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Neste dia de festa, celebramos a nossa identidade colectiva, a identidade de uma nação que se revê no maior dos seus poetas e que sente orgulho na sua história.
Celebramos também a nossa condição de povo que não se conformou com a escassez do seu território e que, desde muito cedo, rumou a outras paragens e estabeleceu contactos em todo o mundo.
Neste Dia de Portugal, saúdo todos os Portugueses, em particular aqueles que, por necessidade ou por livre opção, residem e trabalham longe, mas não esquecem a terra que os viu nascer e à qual continuam ligados por fortes laços afectivos.
Saúdo, muito especialmente, os militares portugueses que neste momento cumprem missões no estrangeiro, e cuja acção em defesa da paz e da segurança tem sido bem acolhida pelas populações locais e merecido justo reconhecimento internacional.
Daqui, de Setúbal, cidade que este ano é anfitriã das comemorações do 10 de Junho, envio a todos as minhas calorosas saudações, com a certeza de que, todos juntos, seremos capazes de construir e legar às gerações vindouras um Portugal mais próspero e mais justo.
Ao longo da sua história, aqui como em outros pontos do território nacional e no estrangeiro, os Portugueses têm sabido ultrapassar e vencer as diversas crises com que se depararam no seu caminho de mais de oito séculos. Apesar das condições, por vezes difíceis, e, mesmo, dos desastres por que passámos, não há razão para não acreditarmos nas nossas potencialidades enquanto Nação.
É verdade que o passado, por mais glorioso, não é um seguro contra todos os riscos. Num momento como aquele em que vivemos, em que a realidade e os desafios com que somos confrontados estão em mudança acelerada, não faria sentido evocarmos a história de um modo passadista, como se nela estivesse a solução para todos os nossos problemas.
O 10 de Junho não pode, por isso, reduzir-se a um mero ritual, alheio a quantas dificuldades temos pela frente, aqui e agora, e que atingem de modo mais ou menos intenso muitos dos nossos concidadãos.
A história, porém, pode e deve ser uma fonte de inspiração e de confiança. Se chegámos até aqui e estivemos tantas vezes à altura dos desafios, é porque temos a possibilidade e a obrigação de prosseguir e de fazer face às adversidades, corrigindo os erros que eventualmente tenhamos cometido.
Não podemos é entregar-nos ao sentimento derrotista que desde há mais de um século vem sendo tão frequente entre nós. A desistência nunca foi solução. Nem a nível individual, nem a nível colectivo.
Devemos encarar o presente sem saudosismos estéreis, mas também sem complexos de inferioridade, que seriam inúteis e injustificados.
Um país não se renova se não tiver uma imagem positiva de si próprio. Precisamos de ser críticos e intransigentes, para não nos deixarmos levar pelo facilitismo. Mas precisamos igualmente de saber que somos capazes. Precisamos de ter confiança nas nossas capacidades.
Portugal pode orgulhar-se de ter sabido, no passado, aproveitar os condicionalismos geográficos para sobreviver como povo e para aproximar os povos.
O oceano que lhe serve de fronteira serviu-lhe também de porta, através da qual se fez ao largo e foi em busca da sorte que nem sempre encontrou aqui, no pequeno rectângulo, neste «anfiteatro levantado em frente ao Atlântico», como lhe chamou Oliveira Martins.
O ciclo do império encontra-se definitivamente encerrado. Mas a obra que os Portugueses realizaram não desapareceu, nem ficou perdida no tempo.
Longe de ser apenas uma recordação nostálgica, essa obra permanece viva, quer em cada uma das muitas paragens onde constituímos comunidades, quer nessa rede global de contactos em que o planeta está hoje transformado.
O património que perdura nos vários centros em que se fixou a diáspora portuguesa é valiosíssimo. Tanto do ponto de vista material, como, sobretudo, do ponto de vista espiritual.
A língua que falamos foi a primeira, nos tempos modernos, a cruzar os oceanos e a ligar toda uma diversidade de culturas. Ainda hoje, ela é partilhada como língua oficial por oito Estados independentes, sem contar com as muitas comunidades de emigrantes que nela continuam a exprimir-se e a comunicar.
Em vários continentes, são inúmeras as igrejas, os edifícios civis, os fortes militares e outro tipo de monumentos construídos pelos portugueses, alguns dos quais têm vindo, felizmente, a ser restaurados.
Ainda no princípio deste ano, durante a visita de Estado que fiz à Índia, tive oportunidade de apreciar o património que aí deixámos, sobretudo em Goa. Impressionou-me vivamente a forma como os testemunhos da nossa presença nessas paragens perduram ainda em tantos monumentos, em tantos aspectos da cultura local e, mais importante ainda, na memória das gentes.
Um pouco por toda a parte, as marcas portuguesas são visíveis em diversas manifestações culturais, assim como em objectos artísticos ou de uso comum, que integram hoje o património de muitos dos povos com os quais estivemos em contacto.
Alguns desses testemunhos foram agora recolhidos e vão ser mostrados em Washington, numa exposição a que os organizadores americanos chamaram «Abraçando o mundo» e que eu próprio terei a honra de inaugurar no próximo dia 20.
Os Portugueses foram os protagonistas da aventura que lançou os alicerces do mundo tal como ele se apresenta em nossos dias. Temos de estar à altura dessa responsabilidade e reencontrar o nosso lugar neste mundo globalizado, interdependente e competitivo, em cuja origem tivemos um papel determinante.
Foi Portugal quem primeiro levou a Europa ao encontro de outros povos, tornando assim real e concreto o universalismo que é timbre dos valores europeus.
Os portugueses que andaram por África e pelas Índias, pelo Brasil e pelo Extremo-Oriente, foram por muitos anos a Europa fora da Europa, o rosto visível da civilização europeia nos quatro cantos do mundo.
A Europa é, naturalmente, o nosso espaço geográfico, político e cultural. No mapa que Fernando Pessoa imaginou, em versos bem conhecidos, a Europa fita o Ocidente e «o rosto com que fita é Portugal».
Além disso, Portugal está hoje firmemente ancorado no processo de construção europeia. Nestes últimos vinte anos, participámos no aprofundamento da integração e acompanhámos os desenvolvimentos que a levaram do Mercado Único até à União Económica e Monetária.
Temos, certamente, beneficiado muito da adesão. Mas temos também contribuído muito, até pela singularidade da nossa experiência histórica, que foi, no passado, e continuará a ser, no futuro, uma mais-valia para a Europa.
No próximo semestre, Portugal assumirá, pela terceira vez, a presidência do Conselho da União Europeia. Trata-se de uma responsabilidade pesada e exigente, que impõe uma mobilização concertada de esforços por parte de governantes, diplomatas e técnicos.
Na encruzilhada em que a Europa actualmente se encontra, Portugal será desafiado a promover a convergência dos vinte e sete Estados-membros sobre muitas questões complexas, como seja a reforma institucional e o reforço dos laços com outras regiões do mundo, de que destaco a África, e países como o Brasil, a Índia e a China.
Sei bem que os resultados nunca dependem só da presidência. Dependem essencialmente da vontade dos Estados-membros. O que se exige, contudo, é que a presidência seja exercida com dignidade, rigor e competência. Só assim se reforçará o prestígio do País, como confio que irá, uma vez mais, acontecer.
Temos fundadas razões para acreditar que Portugal poderá ter um papel relevante, não apenas no âmbito da União Europeia, mas também no âmbito da comunidade internacional.
A nossa tradicional abertura ao mundo, reforçada pela presença, em muitos países, de comunidades portuguesas conhecidas pelo seu dinamismo, confere-nos uma responsabilidade e um papel insubstituíveis, neste momento em que o diálogo entre os povos é tão necessário para a paz e a prosperidade.
A nossa proximidade geográfica em relação ao Atlântico, que permitiu a gesta dos descobrimentos, constitui hoje, porventura mais do que nunca, um potencial que ainda não fomos capazes de explorar como devíamos. Foi por conhecermos o mar como ninguém que conseguimos, no passado, ir tão longe.
Há todo um conjunto de factores históricos, económicos, ambientais e científicos para que Portugal encontre novamente no mar um dos seus mais importantes vectores de afirmação e desenvolvimento.
Dispomos de uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas da Europa, de um património oceânico que é único e de recursos geológicos, minerais, biotecnológicos e energéticos muito relevantes. Mas a verdade é que não só o nosso património ligado ao mar se encontra sub-aproveitado, como a própria ligação dos Portugueses ao mar se caracteriza por um certo alheamento.
Tanto no passado como em anos recentes, realizaram-se inúmeros estudos sobre a aposta portuguesa no mar. Já se identificaram, em diversas ocasiões, as facetas e as virtualidades daquilo a que muitos designam pelo «cluster do mar».
Mas não basta o mero sublinhar do nosso potencial, nem a retórica das virtualidades da aposta no mar. É preciso passar à acção, tirar partido das oportunidades geradas pela economia do mar e enfrentar, com determinação, as ameaças que sobre ele impendem, tais como a poluição, as alterações climáticas e o desordenamento da orla costeira.
Tenciono dedicar a próxima Jornada do Roteiro para a Ciência às Ciências e Tecnologias do Mar. Terei, certamente, oportunidade de mostrar os bons exemplos de investigação, desenvolvimento e inovação que existem neste domínio.
Portugueses,
Tenho procurado, desde que assumi a Presidência da República, estimular a concertação não só entre os órgãos de soberania, como entre as forças políticas e sociais, de modo a que, salvaguardadas as naturais diferenças, possamos todos contribuir para relançar o País na senda do progresso, do desenvolvimento e da justiça social.
Nas intervenções que tenho feito e, em especial, nos Roteiros para a Inclusão e para a Ciência, manifestei-me contra o imobilismo e apelei à ambição e ao trabalho.
Propus, além disso, aos Portugueses um compromisso cívico para a inclusão, que contribua para atenuar as marcantes disparidades sociais que encontramos no dia a dia.
Pensemos nos idosos, tantos deles a viver isolados, nas mulheres e crianças que são vítimas de violência doméstica, nos imigrantes, nos desempregados de longa duração e nas pessoas com deficiência.
Não é, com certeza, realista pedir ao Estado que tudo resolva. Devemos exigir à sociedade, a todos e a cada um de nós, que lhes dê uma oportunidade, um pouco mais de atenção e afecto, que lhes devolva a dignidade de que são merecedores.
Por isso apelei ao voluntariado, às organizações de solidariedade, às associações cívicas, aos empresários, às autarquias e ao cidadão comum, para que se mobilizassem e organizassem em torno desta causa.
O povo português é um povo solidário. As múltiplas instituições de solidariedade, as redes e conselhos locais de acção social, os milhares de voluntários que actuam junto dos mais desfavorecidos são a melhor prova de que não estamos indiferentes à sorte daqueles que entre nós vivem em dificuldade.
Acredito que este espírito de responsabilidade solidária vai manter-se. Acredito que novas iniciativas, novas empresas e novos cidadãos virão juntar-se a esta causa da inclusão social.
E, precisamente porque acredito, não me resigno.
Tenho repetido várias vezes que não me resigno à passividade perante os indicadores persistentes do nosso atraso em relação aos parceiros europeus.
Não me resigno aos fracos níveis de crescimento económico, ao abandono escolar preocupante, à pobreza e exclusão social de tantas famílias, à escassa dimensão das componentes científica e tecnológica no nosso aparelho produtivo.
Não me resigno aos sinais de degradação do ambiente e do património cultural com que nos deparamos em tantos lugares e povoações, que antes deveríamos preservar e promover, como herança de que usufruímos e que teremos, por nossa vez, de legar aos nossos filhos e netos.
A preservação do espaço que habitamos, assim como do património que herdámos, são dois elementos decisivos para o reforço da nossa identidade comum.
É preciso não abandonar, nem perder de vista, aquilo que fomos, se queremos estar à altura das nossas responsabilidades, individuais e colectivas, para que Portugal continue a ter uma presença marcante no concerto das nações.
Conforme tive oportunidade de lembrar na mensagem de Ano Novo, “para estarmos entre os melhores, devemos ter a ambição de estabelecer metas exigentes, que a todos comprometam e responsabilizem”. Repito: “todos”. A tarefa é de todos.
Neste Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, devemos olhar o passado como uma prova de que podemos fazer mais e melhor no futuro.
Sei que o podemos fazer. Sei que podemos vencer as dificuldades de hoje. Sei que podemos deixar aos Portugueses de amanhã um Portugal digno da sua história.
Tenho dito.