Discurso do Presidente da República perante o Parlamento Nacional de Timor-Leste
Díli, Timor-Leste, 21 de maio de 2012

Sinto-me especialmente honrado pela oportunidade que me foi proporcionada, nesta Visita de Estado a Timor-Leste, de me dirigir a esta Magna Assembleia, símbolo por excelência da pluralidade democrática da Nação timorense.

Agradeço ao Presidente do Parlamento Nacional, Fernando Lasama de Araújo, e aos senhores deputados o honroso convite que me fizeram, e que muito me sensibilizou, bem como as amáveis palavras que me dirigiram. Interpreto-os como um gesto dirigido, antes de mais, a Portugal e aos portugueses. Um gesto que sublinha a fraternal amizade que une Portugal e Timor-Leste.

Não escondo que foi com profunda emoção que pisei pela primeira vez o solo de Timor Leste, a mesma emoção com que hoje me encontro perante os ilustres representantes do povo timorense.

É, para mim, para a minha Mulher e para toda a comitiva que me acompanha, motivo de grande alegria estar em Timor-Leste na altura em que o país comemora o décimo aniversário da independência, uma data de tão alto significado para o povo maubere, mas também para todos os que sentiram como sua a longa e árdua luta pelo seu direito à autodeterminação.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

No seu artigo 1º, a Constituição da República Democrática de Timor-Leste proclama que Timor “é um Estado de direito democrático, soberano, independente e unitário, baseado na vontade popular e no respeito pela dignidade da pessoa humana”. Esta simples fórmula, comum a tantos textos constitucionais, representa o culminar de um caminho que teve tanto de sofrimento e de dor, como de coragem e de esperança.

Volvidos dez anos desde a independência, quero evocar e prestar a minha homenagem à memória de todos aqueles que deram o melhor de si e, em muitos casos, a própria vida, para que Timor-Leste se afirmasse como Nação soberana e independente, membro de pleno direito da comunidade internacional e país irmão de Portugal, no seio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

No meio das piores tormentas, o povo timorense, num exemplo para o mundo, soube manter acesa, nos seus corações, a chama da liberdade.

A grandeza das nações não é função do tamanho ou da riqueza dos seus recursos, mas dos valores vividos e interpretados pelo seu povo. Parecendo a muitos que estavam isolados, a verdade é que os timorenses nunca estiveram sós. Portugal inteiro uniu-se a Timor, numa sintonia ímpar entre dois Povos, tão distantes geograficamente, mas irmanados numa mesma causa.

Neste duro trajeto, Portugal nunca se cansou de defender a causa timorense, elevando a voz por Timor em todos os centros de decisão internacional em que participávamos e também no quadro bilateral.

A defesa desta causa verdadeiramente nacional constituía, no fundo, uma expressão eloquente do posicionamento do meu país como defensor intransigente dos Direitos Humanos.

Acredito que não poderia ser de outra forma. Razões históricas, culturais e humanas a isso nos impeliam. Um caminho secular nos ligava. É bom recordar que a ilha de Timor foi pela primeira vez registada nos mapas do cartógrafo português Francisco Rodrigues, em 1512.

Nesse longo caminho, a nossa companheira comum de viagem é a língua portuguesa. Banida, durante o período da ocupação como meio de expressão, proibida no ensino oficial, sofrendo a destruição física das obras literárias que nela se expressavam, ainda assim sobreviveu. Como sublinhou, em 2001, Taur Matan Ruak, o português foi sobretudo a língua da resistência, “uma das armas (...) no âmbito da luta cultural.” Por isso, não será exagerado afirmar que a vitória timorense foi também a vitória da língua portuguesa.

A escolha da língua portuguesa, conjuntamente com o tétum, como língua oficial de Timor-Leste, resultou de uma opção legítima e soberana do povo timorense, que confirmou, também por essa via, a inserção do país, por direito próprio, no espaço da CPLP. Mais do que um traço cultural, estas escolhas são símbolos maiores de uma vitória e de uma identidade.

Sentimos orgulho pelos expressivos resultados alcançados, em tão pouco tempo, em matéria de consolidação da língua portuguesa e de qualificação do ensino em todo o país. Existe, contudo, ainda um longo caminho a percorrer.

Quero, perante os ilustres representantes do povo timorense, reiterar o firme compromisso de Portugal em tudo continuar a fazer, tanto bilateralmente como no quadro da CPLP, para apoiar os esforços do Governo de Timor-Leste na promoção do ensino em língua portuguesa, designadamente através da disponibilização de meios humanos qualificados e de assistência técnica no domínio da formação de professores.

É o que acontece atualmente, tanto no ensino básico e secundário, através da criação de Escolas de Referência que esperamos ver, a breve trecho, alargadas a todos os distritos, como também no ensino superior, através da assessoria científico-pedagógica de professores portugueses junto da Universidade Nacional de Timor-Leste.

É minha firme convicção que a língua portuguesa, para lá de um fator de afirmação cultural e identitária do povo timorense, será também, cada vez mais, um ativo fundamental para vencer a batalha do desenvolvimento e da promoção do bem-estar económico e social de toda a população.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Se a liberdade e a democracia foram os frutos de uma batalha longa e difícil, a sua consolidação é o propósito de outro árduo combate, que todos os dias desafia os cidadãos e os responsáveis políticos.

A intervenção da Organização das Nações Unidas permitiu, com a ajuda dos países amigos de Timor-Leste, uma transição adequada para a nova situação de normal funcionamento das instituições democráticas.

O caminho do desenvolvimento exige agora que todos concertem os seus esforços. O regime democrático é aquele que, acomodando os interesses de todos os cidadãos, melhor convoca as forças de uma sociedade para servir os objetivos comuns. É também aquele que melhor garante as condições para a promoção do bem-estar das populações.

A notável participação popular nos atos eleitorais realizados ao longo dos últimos dez anos e a aceitação tranquila dos seus resultados são um sinal claro e universalmente reconhecido de maturidade democrática do povo timorense. A forma como decorreram as últimas eleições presidenciais é disso um claro exemplo.

Uma das características fundamentais das modernas democracias passa, também, pela promoção de instituições fortes e plurais, como é o caso desta Assembleia. O Parlamento Nacional ocupa um lugar central no desenvolvimento do Estado e na representação das legítimas expectativas dos cidadãos, e o seu papel será, por isso, decisivo na definição do futuro de Timor-Leste.

É certo que os desafios são imensos. As esperanças que se acumularam desde os tempos mais difíceis, as promessas que se fizeram na aurora democrática, estão bem presentes. A luta pelo desenvolvimento é a nova obrigação que a todos vincula. A disseminação justa e equitativa dos benefícios desse desenvolvimento constitui um imperativo democrático.

Os membros desta Assembleia são testemunhas de que Portugal sempre esteve ao lado de Timor-Leste e dos timorenses nas batalhas difíceis que tiveram de travar em nome da liberdade e da independência. Portugal e os Portugueses sempre acreditaram no futuro de Timor e na capacidade do seu povo para determinar o seu próprio destino.

Os valores em que acreditamos — a democracia, o respeito pela dignidade da pessoa humana, o primado do direito, a justiça, a igualdade de oportunidades e o direito ao desenvolvimento —, são um fator de aproximação e de reforço da cooperação entre os nossos países.

Desde a independência, Timor-Leste tornou-se o principal beneficiário da Ajuda Pública ao Desenvolvimento portuguesa. Esta tem sido canalizada para os setores definidos pelas autoridades timorenses como prioritários para o seu desenvolvimento.

Para além do apoio à reconstrução do setor educativo e à consolidação da língua portuguesa, merece particular destaque, neste contexto, a cooperação que temos mantido nos setores da boa governação, da luta contra a pobreza, da defesa, da segurança interna e da justiça, pilares essenciais, todos eles, na construção de um Estado moderno.

No domínio económico, os nossos empresários contam-se entre os que há mais tempo estão presentes em Timor-Leste, contribuindo, pela sua iniciativa e pelo seu empreendedorismo para a criação de emprego, a geração de riqueza e o crescimento.

Estou certo, contudo, de que poderemos fazer mais e melhor juntos. Quis, por essa razão, fazer-me acompanhar na presente visita por uma comitiva empresarial, de forma a que os empresários de ambos os países se conheçam melhor e possam, em conjunto, tirar partido das oportunidades que serão criadas no quadro da execução do Plano Estratégico de Desenvolvimento de Timor-Leste para o período 2011-2030.

Quero assegurar-vos que a solidariedade de Portugal para com Timor-Leste se mantém viva, assim como a nossa disponibilidade para fortalecer e expandir a nossa cooperação em todos os domínios de interesse comum.

Os valores e princípios que definem a nossa identidade atingem a sua plenitude quando participamos em grandes desígnios comuns, como é o caso do fortalecimento da CPLP.

Os estreitos laços que mantemos, numa verdadeira parceria, com os Estados soberanos que compõem a família da CPLP traduzem a singularidade da nossa Comunidade e reforçam a nossa capacidade para enfrentar os desafios dos tempos de hoje.

Gostaria, nesta ocasião, de saudar as autoridades timorenses pelo empenho que têm colocado no aprofundamento da CPLP. Os importantes desafios que se têm colocado na ordem interna não têm impedido Timor-Leste de contribuir de forma determinada e significativa para o fortalecimento da nossa Comunidade, e para o reforço da sua projeção internacional.

É o que acontece atualmente com o exercício da presidência da Assembleia Parlamentar da CPLP por Timor-Leste.

A CPLP, por seu lado, também tem exercido uma presença ativa e visível no quadro do apoio a Timor-Leste. Recordo, a este propósito, a Declaração de Lisboa, aprovada no quadro da Cimeira de 2008, e que encerra o compromisso de todos os Estados-membros contribuírem para o diálogo entre as autoridades nacionais, a estabilidade e a consolidação das instituições democráticas em Timor.

Foi esta Declaração que veio a estar na origem da decisão de estabelecer uma Representação Permanente da CPLP em Díli, projeto do mais elevado valor político e estratégico.

Consciente das vantagens que resultam da pertença a outros espaços de integração, designadamente regional, Portugal apoia, sem reservas, a adesão de Timor-Leste à ASEAN, que esperamos ver concretizada a muito breve prazo.

Estou seguro de que a integração de Timor-Leste na ASEAN irá contribuir não apenas para o desenvolvimento de Timor-Leste, mas também para a projeção da CPLP e dos seus Estados-membros em toda a região.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O povo português celebrou, há dez anos, a vitória de uma causa pela qual também se havia batido, numa mobilização social, política e diplomática incansável. De então para cá, canalizamos o melhor dos nossos esforços para apoiar as autoridades de Timor-Leste a erigir as estruturas do novo Estado.

Dez anos é um período breve no percurso histórico de qualquer povo ou Nação. Os progressos alcançados por Timor Leste num tão curto espaço de tempo são, por isso, ainda mais assinaláveis.

É, pois, com redobrada satisfação que olhamos para o caminho percorrido e tomamos parte nestas comemorações.

Termino, citando as palavras de Fernando Sylvan, poeta timorense que deixou Timor bem jovem e teve o infortúnio de não assistir à conquista da liberdade da terra que guardava na sua vívida memória:

“Não sei se o mar tem voz
Mas a sua voz
Desde pequeno me falava lento
E eu via nele
O que não existia na memória.
(...)
Foi ele que me disse
Que havia Espaço e Tempo.
E comecei a viajar sem medo da viagem.”

Viajar sem medo da viagem é o lema que trouxe Portugal até aqui. Viajar sem medo da viagem é o nosso destino comum, o de Portugal e o de Timor. Pois o futuro pertence àqueles que viajam sem medo da viagem. Que preparam o futuro sem medo de ser livres e com vontade de ser melhores.

Nós, Portugueses, acreditamos no futuro de Timor-Leste como nação livre e independente, que continuará a decidir em paz do seu destino.

Obrigado.