É para mim um motivo de regozijo estar em Guimarães no dia em que a cidade inaugura o ambicioso programa de atividades que a vai projetar, ao longo de todo este ano, como Capital Europeia da Cultura.
Guimarães, como todos aprendemos nos bancos da escola, foi o berço de Portugal. Estão aqui as nossas raízes. Está aqui a nação que, a partir do condado portucalense, se havia de transformar num país independente. De alguma forma, aqui foi Portugal, antes de haver Portugal.
Mas Guimarães não é apenas esse passado longínquo, esse lugar mítico onde a coragem e a vontade de ser independente incarnaram, há nove séculos, num punhado de cavaleiros e nas gentes que se lhes juntaram a combater pela emancipação de um país novo. Guimarães é hoje um centro populacional dinâmico, que preservou exemplarmente a sua memória, onde há empresas que souberam renovar-se, mesmo em setores que pareciam já condenados, como o têxtil e a metalurgia, e que, pela sua determinação, criatividade e espírito empreendedor, estão agora a competir no mercado global.
Guimarães é também uma cidade virada para o futuro. Prova disso é a atividade do Parque de Ciência e Tecnologia aqui instalado, o AvePark, onde a investigação mais avançada vai de par com a inovação empresarial e o desenvolvimento de projetos de âmbito internacional. É aí, de resto, que está sediado o Instituto Europeu de Excelência de Medicina Regenerativa de Tecidos, que tive o prazer de inaugurar há cerca de dois anos.
Em todos os momentos da sua já longa história, esta cidade soube sempre encontrar a inteligência e a força necessárias para vencer os desafios que tinha pela frente. Foi assim nos alvores da nacionalidade; foi assim há 150 anos, quando criou e consolidou um tecido de empresas modernas, logo no início da revolução industrial; é assim, uma vez mais, neste começo do século XXI, ao colocar-se na vanguarda europeia do conhecimento, estabelecendo pontes com centros de investigação dos mais avançados do mundo.
Guimarães é assim a demonstração de que o progresso, longe de ser incompatível com os valores materiais e imateriais de tempos passados, encontra afinal nesse legado uma importante base de sustentação e um estímulo de que não podemos prescindir.
Aqui, o desenvolvimento não se fez à custa da herança histórica, o moderno não enjeitou o antigo, o cosmopolitismo não sacrificou a cultura local. Pelo contrário, foi à sombra das suas muralhas, igrejas e palácios que a cidade cresceu. E será certamente no orgulho e no respeito por esse mesmo património que ela irá afirmar-se, este ano, como Capital Europeia da Cultura.
Poucas cidades teriam, como Guimarães, tamanho direito a ambicionar semelhante distinção.
Desde a sua origem, as marcas europeias foram aqui vincadas pelo conde D. Henrique, esse cruzado que veio da Borgonha e que terá vivido por algum tempo na cidade, legando a seu filho, D. Afonso Henriques, a ambição de autonomizar o território, uma tarefa que ele próprio não havia conseguido levar a bom termo.
Ao longo dos séculos, Guimarães permaneceu fiel a essa cultura de independência e, ao mesmo tempo, de abertura ao mundo que, à semelhança de outras cidades europeias, marcou as suas origens medievais.
Uma prova insofismável do modo como a cultura vimaranense incorpora e combina tanto o local e o global, como o passado e a vanguarda, foi o recente processo de conservação e reabilitação do centro histórico da cidade.
Não se tratou apenas de preservar ruas, paredes e janelas. Tratou-se, sobretudo, de requalificar um conjunto habitacional, dotando-o de equipamentos e infraestruturas modernas, de modo a que ele continuasse a ser uma zona onde vivem e trabalham pessoas, e atraísse os mais jovens para o convívio com a sua cidade. Tanto ou mais do que património material, preservou-se, aqui, um património social, um tecido urbano habitado há várias gerações por famílias que formam uma comunidade. A arquitetura e o urbanismo contemporâneos não devem esquecer estas referências.
Foi um trabalho que durou mais de duas décadas, pondo à prova a persistência e a lucidez dos executivos camarários. Dezenas de edifícios privados e espaços públicos foram então recuperados, em escrupuloso respeito pela traça original e utilizando-se técnicas e materiais tradicionais. Mas o reconhecimento não poderia ter sido maior: ainda durante as obras, os prémios de arquitetura sucederam-se e, a culminar, a UNESCO declarou, em 2001, aquele espaço como Património Cultural Mundial.
Uma cidade com tais pergaminhos tem tudo para garantir, em 2012, a projeção a nível internacional quer da sua cultura, quer da região em que está integrada, quer da própria nação que nela teve o berço.
Portugal inteiro revê-se, neste momento, em Guimarães. Ao longo dos próximos meses, os palcos, os museus, os monumentos, as ruas e as praças desta cidade representarão uma enorme placa giratória, por onde vai passar gente de todo o mundo.
A nossa hospitalidade e a tradicional capacidade de diálogo com outros povos e outras culturas são conhecidas, e constituem um valor que nunca será demais realçar e preservar.
Mas Portugal não é apenas um povo de gente afável, com uma história milenar e um património valioso. É também um povo que dialoga na sua própria língua com outros povos, em vários continentes. E é um país onde, nas últimas décadas, se multiplicaram os casos de artistas, mulheres e homens de ciência, empresários e gestores com sucesso aquém e além-fronteiras.
Já não somos apenas a terra de origem de muitas comunidades de emigrantes que, na Europa ou nas Américas, são conhecidas pela sua dedicação e pelo seu labor. Somos também a terra natal de pintores e arquitetos, de cientistas e escritores cujo talento é reconhecido em todo o mundo. Mais ainda, somos um país plenamente integrado no espaço europeu, um país onde existem centros de investigação dos mais avançados em diversos domínios do saber, e onde a herança patrimonial se renova e atualiza, integrando novas formas de expressão artística e dialogando com outras culturas.
É por isso que esta Capital Europeia da Cultura, sediada em Guimarães, poderá vir a ter reflexos importantes, não apenas ao nível das manifestações artísticas, mas também no que respeita à própria imagem global do País.
Mais do que nunca, a credibilidade dos países é hoje um ativo da maior importância no plano das relações internacionais. E essa credibilidade passa também pelos indicadores de ciência e cultura, nos quais se reflete a maior ou menor capacidade das populações para percecionar as dificuldades e responder aos desafios.
Portugal pode e deve afirmar-se, a nível europeu e a nível internacional, como um interlocutor válido em múltiplos campos do saber e da criação artística. Em primeiro lugar, porque dispomos de instituições e protagonistas à altura desse desafio. E, em segundo lugar, pela singularidade que a nossa cultura, tal como a história que partilhámos durante séculos com outros povos, pode representar neste mundo global em que as identidades se transformam e atualizam através de sucessivos cruzamentos.
Para uma tal afirmação será necessário, antes de mais, estarmos cientes do potencial de que dispomos nesses domínios. Não se pode promover aquilo em que não se acredita ou que se desconhece.
Estou certo de que a Capital Europeia da Cultura, esta nossa cidade berço, dará um contributo decisivo para a identificação das nossas capacidades como povo e para uma estratégia de promoção da imagem de Portugal nos nossos dias.
Foi a partir de Guimarães, há quase um milénio, que a nação se projetou, primeiro para o Sul e depois para além-mar. Oxalá, a partir de Guimarães, em 2012, o seu espírito se projete novamente, quer para a Europa, quer para o mundo.
Muito obrigado.