Discurso do Presidente da República na Câmara Municipal de Caminha
Caminha, 16 de Julho de 2011

Neste salão nobre da Câmara Municipal de Caminha, sob este tecto imponente que de há muito acompanha a história desta vila, saúdo todos os caminhenses.

Em Caminha começa o Portugal de braços abertos para o mar. Cedo se desenvolveu, nesta terra ribeirinha, o comércio internacional. Logo em 1390, o Rei D.João I classificou Caminha como porto franco. Esse espírito de abertura ao exterior é, hoje como sempre, talvez hoje mais do que nunca, fundamental para podermos progredir.

Daqui partiram as velas dos mareantes para os novos mundos. Alguns regressaram, outros aqui permaneceram para preservar este “sonho doirado” que, nas palavras de Raul Brandão, é a vila de Caminha.

Neste Minho da terra eternamente vestida de verde, entre a serra e o mar, neste núcleo da Terra Portugalense, desde sempre se afirma a vontade de lutar por um Portugal melhor.

As gentes de Caminha e os seus autarcas bem sabem como interpretar essa vontade. Porque aqui, como em todo o Portugal, não se quer senão melhores condições para criar riqueza, melhores condições para trabalhar, melhores condições para crescer.

A aposta nos valores culturais e históricos é estratégica para atrair forasteiros e para melhorar a qualidade de vida dos habitantes. A recuperação do Cine-Teatro Valadares e da Igreja Matriz e a construção da nova Biblioteca Municipal são bons exemplos da prioridade que é dada à cultura.

A Presidência da República tem o maior gosto em associar-se, nos termos fixados no Protocolo agora assinado, a este esforço de valorização cultural e histórica, colaborando com a Câmara Municipal de Caminha nesse grande projecto que é a edificação do Museu dedicado à vida de Sidónio Pais e na organização de um espólio desse antigo Presidente da República, natural de Caminha.

Independentemente do juízo que cada um de nós possa fazer sobre elas, é um imperativo de cidadania recordar as individualidades que marcaram a história de Portugal. Temos também o dever de tornar presentes os feitos e os valores que deram vida ao nosso caminho colectivo. E se há História em Caminha! Cada pedra, cada rua, cada muralha guarda em si a memória de tantos dos nossos maiores.

Aqui, com a Feira Medieval, o passado volta à vida com um crescente sucesso junto do público. Esta é uma festa que já vai na 8ª edição e não pára de crescer. Em cada ano se engrandece e chama mais visitantes. Não poderia também o Presidente da República deixar de comparecer a este encontro com a história do Alto Minho.

Na edição deste ano da Feira Medieval, escolheu-se como temática “Trovadores e Jograis – cantigas de amor, amigo, escárnio e mal dizer”. O espírito do minhoto é alegre, folgazão, comunicativo, expansivo. Em tempos difíceis, sobretudo, precisamos de momentos de festa, de poesia e de humor, para melhor encararmos as agruras do dia-a-dia.

Mas deixem-me dizê-lo, se há algo de que necessitamos nestes tempos é de cantigas de amigo: de sermos amigos, de sermos solidários, de percebermos que somos todos vizinhos uns dos outros e de que precisamos da ajuda uns dos outros.

Nós, portugueses, somos vizinhos uns dos outros e temos o dever de sermos solidários. Mas também somos vizinhos de todos aqueles que decidiram criar uma comunidade maior, uma comunidade em que todos têm de se ajudar uns aos outros, a União Europeia.

A história de Caminha dá-nos um exemplo curioso: em 1462, o Rei D. Afonso V ouviu as queixas dos galegos de La Guardia que tinham relações comerciais com Caminha e se sentiam discriminados. E deu-lhes razão. Por isso, em 1 de Julho de 1462, outorgou-lhes “carta de vizinhança”: como vizinhos de Caminha, teriam todos os privilégios e regalias dos habitantes da vila. O Rei ordenou a todas as autoridades que deixassem os habitantes de ambas as margens do rio Minho “continuar a vizinhar” sem qualquer interferência.


Uma grande lição vinda do nosso passado. Pois o que temos na Europa de hoje é, em boa verdade, uma verdadeira “carta de vizinhança” que nos garante que somos vizinhos uns dos outros. E que, para podermos “vizinhar” sem interferência, devemos solidariedade uns aos outros, nos factos e não apenas nas palavras.

Este é dia de festa. Depois da festa, todos o sabemos, será tempo de trabalho, de muito trabalho. Não esqueço a mensagem que nos é transmitida pelo monumento que representa, na sua perenidade, a renovação da imagem de Caminha. A Torre do Relógio é um dos monumentos mais antigos desta vila. Mas também é um monumento que se soube reinventar para continuar a ser o que é: um símbolo da vontade de vencer dos caminhenses.

A Torre do Relógio começou por ser um torreão que fazia parte das muralhas, sendo uma das entradas do recinto de Caminha nos tempos medievais, a Porta de Viana. Era um baluarte e uma sentinela na defesa da vila. Depois, no século XVII, quando se perdeu a sua função militar, foi renovado. Acrescentou-se o sino e o relógio público. As badaladas do sino passaram a marcar o ritmo da vida das pessoas. Este relógio ao serviço da população tem um significado: o da introdução da medição exacta do tempo. O tempo certo, igual para todos, que permite organizar a vida e regular o trabalho. O tempo do relógio é um sinal de modernidade e de racionalização.

Essa é a grande lição da Torre do Relógio: o tempo do relógio nunca pára. Diz-nos que o tempo que ficou para trás e foi desperdiçado já não pode ser recuperado. Mas também nos ensina a aproveitar melhor o tempo que temos pela frente.

Festejemos agora, pois este dia é para festejar. Uma pausa merecida que prepara os grandes trabalhos que temos pela frente. Porque o tempo nunca pára, temos acima de tudo de nos organizar para melhor o aproveitarmos. Saúdo a grande festa de Caminha!