O XIX Governo Constitucional, que hoje toma posse, foi formado tendo em conta os resultados das eleições legislativas do passado dia 5 e, nos termos do acordo de coligação entre o Partido Social Democrata e o CDS-Partido Popular, dispõe de apoio maioritário na Assembleia da República.
Tal como afirmei ao intervir nas Comemorações do 25 de Abril, o apoio parlamentar maioritário afigura-se essencial na actual conjuntura, de modo a que o novo Executivo enfrente de imediato e com determinação os grandes desafios que lhe são colocados no plano económico e social e dê cumprimento aos compromissos assumidos no plano internacional.
A tomada de posse de um Executivo com apoio maioritário permite reunir as condições de governabilidade necessárias para um tempo que vai exigir grandes sacrifícios dos cidadãos e um enorme sentido de responsabilidade patriótica por parte de todos os agentes políticos e também dos agentes económicos e sociais.
Competirá ao novo Executivo, e aos dirigentes dos dois partidos que o integram, assegurar que a coligação governativa tenha solidez, consistência e durabilidade.
Portugal não está em condições de viver crises políticas sucessivas. Como deixei bem claro na comunicação ao País que efectuei na véspera das eleições, os Portugueses iriam escolher um Governo para um horizonte temporal de quatro anos, o período da legislatura.
Ao apoio parlamentar maioritário, de que este Governo dispõe, acresce a cooperação activa do Presidente da República. Tal como sucedeu com os anteriores Executivos, a quem nunca faltei com a minha palavra e com a minha lealdade, pode o novo Governo contar com a cooperação do Presidente da República ao serviço do superior interesse nacional.
Ao Primeiro-Ministro cessante, que presidiu ao Governo de Portugal durante seis anos, bem como aos membros dos seus governos, expresso público reconhecimento pelos serviços prestados e desejo os maiores sucessos pessoais e profissionais.
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhoras e Senhores Ministros,
No ciclo político que agora se inicia é fundamental que o Governo tenha presente que o facto de dispor de maioria no Parlamento não deve afastá-lo da busca de compromissos alargados a outras forças políticas.
Perante a gravidade da situação, perante a dimensão dos sacrifícios que vão ser pedidos aos Portugueses – possivelmente, os maiores sacrifícios desde que foi instaurada a democracia –, o novo Executivo tem de saber dialogar e obter consensos partidários que vão para além da maioria que o sustenta.
Da oposição espera-se uma atitude construtiva e responsável, para que nesta hora decisiva, em que todos estão comprometidos com o futuro do País, o interesse nacional seja colocado acima dos interesses partidários.
É fundamental, por outro lado, que à procura de consenso com as outras forças políticas se associe o diálogo e a concertação com os agentes económicos e sociais.
A actual crise não reclama apenas sentido de responsabilidade da classe política. Também a responsabilidade de empregadores e trabalhadores irá ser posta à prova perante os Portugueses, na certeza de que a situação actual não se compadece com divisões e conflitos.
Ninguém pode ter a pretensão de julgar que está acima da grave situação económica do País, que as adversidades irão passar-lhe ao lado, deixando incólume o seu estatuto, quando milhares à sua volta sofrem privações e se debatem com o flagelo do desemprego ou do emprego precário.
Numa altura de grande exigência, é menor a tolerância dos cidadãos para com desigualdades e privilégios sem sentido.
A justiça na repartição dos sacrifícios tem de ser uma marca da governação que agora se inicia.
Há também que adoptar uma atitude firme no combate à corrupção e às situações de promiscuidade entre interesses privados e o interesse público.
À legitimidade para reclamar sacrifícios tem de corresponder uma cultura do exemplo, assente em valores éticos e princípios de serviço público.
O desempenho de funções públicas e a selecção dos altos responsáveis da Administração têm de ser pautados exclusivamente por critérios de competência e de mérito. As eleições servem para devolver a escolha ao povo, não para promover o rotativismo das clientelas.
É igualmente essencial que neste ciclo político se instaure uma relação renovada entre o poder e os cidadãos. Uma relação que seja de maior proximidade e respeito e, ao mesmo tempo, de maior independência recíproca.
A sociedade civil, as empresas, os cidadãos em geral têm de se libertar de uma histórica dependência face ao Estado e este, por seu turno, tem de abandonar a tentação de dominar actividades privadas ou de sobre elas exercer uma tutela paternalista ao serviço de interesses particulares.
O Estado tem de estar mais próximo daqueles que verdadeiramente precisam, não daqueles que dispõem de canais privilegiados de acesso aos decisores políticos.
Estes são princípios fundamentais para a governação de legislatura que agora começa, e tão mais relevantes quanto o quadro económico e social em que Portugal se situa é extremamente difícil.
Nos últimos anos, a economia portuguesa apresentou um crescimento económico débil, que nos afastou da média europeia.
Ao mesmo tempo, verificou-se um aumento excessivo do peso do Estado, um desequilíbrio acentuado das contas públicas, uma perda significativa da competitividade do nosso tecido empresarial e um agravamento substancial dos níveis de endividamento doméstico e externo.
Desde meados de 2010 que o Estado e o sistema bancário enfrentam sérias dificuldades de financiamento, que levaram também a um agravamento das condições de acesso ao crédito por parte das empresas e dos cidadãos.
O investimento caiu para níveis inferiores aos verificados há quinze anos e o desemprego tem vindo a aumentar de forma acentuada e persistente, atingindo hoje níveis alarmantes.
Nos últimos meses, a economia portuguesa voltou a apresentar sinais de forte recessão, não acompanhando a recuperação da economia mundial.
Em suma, Portugal vive uma situação de emergência, caracterizada por enormes dificuldades económicas, financeiras e sociais.
Esta situação tornou inevitável o recurso à ajuda externa e o cumprimento de um exigente programa de austeridade e de reformas, no sentido de satisfazer as necessidades imediatas de financiamento da economia portuguesa.
É neste quadro que o XIX Governo Constitucional toma posse e inicia funções. Compete-lhe, em primeira linha, assegurar o cumprimento rigoroso do programa de assistência financeira acordado com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional.
Trata-se de um programa delineado para três anos, que contém um vasto e muito exigente conjunto de compromissos, objectivos e metas, envolvendo a correcção de desequilíbrios internos e externos, o reforço da estabilidade do sistema bancário e reformas de natureza estrutural, abrangendo diversos sectores do Estado e da sociedade.
O programa de ajustamento é especialmente rigoroso e detalhado no que respeita aos objectivos de natureza orçamental. Portugal necessita de reduzir o seu défice público de 9,1 por cento do produto em 2010 para 5,9 por cento já este ano e para 3 por cento em 2013, de forma a iniciar então uma trajectória sustentada de redução da dívida pública.
Os compromissos internacionais assumidos por Portugal constituem, sem dúvida, um caderno de encargos de grande responsabilidade, tanto mais que os prazos definidos para a concretização das várias medidas são extremamente apertados e o cumprimento das diversas metas estará sujeito a um escrutínio atento, quer pelas instituições internacionais, quer por parte dos mercados.
O Governo só poderá ter sucesso se agir com determinação e sentido de urgência, sem deixar, todavia, de proceder à análise ponderada dos problemas e de promover a transparência e o rigor na decisão e na aplicação das políticas públicas.
Neste contexto, é essencial que fique claro para os agentes políticos e sociais e para todos os Portugueses que o cumprimento deste programa, tendo custos e exigindo muitos sacrifícios, constitui uma solução que se tornou inevitável.
Estou firmemente convicto de que o cumprimento escrupuloso do programa de ajustamento é o caminho que melhor serve o interesse nacional nos próximos anos, embora não seja um caminho isento de riscos, sobretudo de natureza externa.
Na verdade, se Portugal falhar o cumprimento de aspectos essenciais deste acordo poderá ficar sujeito a restrições de financiamento ainda mais graves do que as actuais. Daí iriam decorrer consequências dramáticas para o funcionamento do sistema económico e financeiro, limitando-se durante vários anos as perspectivas de crescimento do País e de criação de emprego.
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhoras e Senhores Ministros,
Importa ter presente que as tarefas deste Governo não se esgotam no mero cumprimento do acordo com as instituições internacionais.
Assim, uma das funções primordiais do XIX Governo Constitucional consiste em atenuar os elevados custos sociais das medidas que terão de ser tomadas. Considero ser prioritário garantir uma repartição equilibrada dos sacrifícios e uma utilização muito criteriosa dos recursos públicos, com vista a ajudar os cidadãos efectivamente mais carenciados.
A condição-chave para o sucesso reside na redução significativa do desequilíbrio externo, a par da consolidação das finanças públicas, e na capacidade dos agentes nacionais, em particular o Estado e os bancos, para acederem aos mercados financeiros em condições de normalidade.
Torna-se assim fundamental reconquistar a confiança dos mercados e dos investidores internacionais e criar condições para colocar Portugal numa trajectória de crescimento sustentado no médio e longo prazo.
As políticas públicas na área económica devem ser avaliadas em função do seu contributo para o aumento da competitividade externa. Este é, sem dúvida, o objectivo mais decisivo, mas igualmente o mais desafiante.
Tudo o que puder contribuir para a redução do défice externo, quer pela diminuição da nossa dependência face a bens importados quer pelo aumento sustentado das nossas quotas exportadoras, tem de ser valorizado em função daquele objectivo.
O futuro depende igualmente da criação de condições favoráveis ao desenvolvimento da iniciativa privada, à inovação, ao empreendedorismo e à motivação dos jovens para a actividade empresarial e para a aquisição de qualificações e competências.
Não é fácil modernizar e renovar, em pouco tempo, o tecido empresarial do País e orientá-lo mais fortemente para a produção de bens e serviços que concorram com a produção externa.
Mas este é um caminho que temos de reforçar com a maior premência. Desde logo, enraizando critérios de competitividade externa no funcionamento das empresas e melhorando o papel da diplomacia económica, mas também privilegiando a aquisição de produtos nacionais e desenvolvendo hábitos de poupança.
Além disso, é essencial reafectar o crédito disponível para as pequenas e médias empresas competitivas, para o sector de bens transaccionáveis e para investimentos de qualidade que incorporem maioritariamente recursos nacionais e que sejam factor de reforço da posição concorrencial das empresas portuguesas.
Temos de apostar seriamente na melhoria do sistema judicial, na qualificação dos recursos humanos e no aproveitamento e valorização das vantagens comparativas e naturais de que Portugal dispõe nos chamados sectores tradicionais e em áreas como o turismo e bem-estar, a agricultura e a floresta.
Portugal pode ainda beneficiar, em termos exportadores, do conhecimento, da experiência e dos investimentos acumulados nos últimos anos em muitos ramos de actividade económica, incluindo, por exemplo, sectores de futuro como a saúde e a biotecnologia, as tecnologias de informação e comunicação, as energias renováveis e as indústrias amigas do ambiente.
O impulso vigoroso de uma produção portuguesa de qualidade, competitiva, com procura no mercado interno e externo, será o elemento fulcral para que a economia nacional cresça e possamos resolver o nosso maior problema: o nível desmesurado e insustentável do desequilíbrio externo.
Os Portugueses, todos os Portugueses, terão de dar o seu contributo individual para a causa colectiva, consumindo produtos nacionais, poupando mais, reduzindo o seu endividamento, trabalhando e produzindo melhor.
Reafirmo o que já disse em várias ocasiões: não podemos continuar a viver acima das nossas possibilidades, a gastar mais do que aquilo que produzimos e a endividar-nos perante o estrangeiro.
Os próximos tempos exigirão muito dos Portugueses, mas o sucesso dependerá da forma como soubermos agir. O ajustamento que é pedido a Portugal terá custos elevados no imediato, mas ambiciona colocar o País num rumo de crescimento sustentado e de criação de emprego.
A perseverança e a responsabilidade que o povo português já mostrou ao longo da História serão novamente postas à prova. O tempo é de união e de coragem. Temos de trabalhar sem medo do futuro.
O Governo que inicia funções tem responsabilidades acrescidas, uma vez que os sacrifícios pedidos são enormes, as expectativas geradas são extremamente elevadas e as exigências impostas não têm paralelo na nossa História recente. Não podemos falhar, sob pena de a situação se tornar economicamente irreversível e socialmente insustentável.
Também, por isso, é importante que o povo português seja especialmente atento, numa atitude cívica responsável e exigente.
Será também essa a atitude do Presidente da República. Manterei, como sempre, uma postura de isenção e imparcialidade no tratamento das diversas forças políticas, cooperando lealmente com o Governo, empenhado em contribuir para a resolução dos problemas com que o País se confronta.
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhoras e Senhores Ministros,
Para enfrentar a actual situação do País, dispõe o Governo da força de um resultado eleitoral inequívoco, de uma maioria no Parlamento e da cooperação do Presidente da República.
Não há motivos para deixar de fazer o que deve ser feito, a começar pelo cumprimento dos compromissos que assumimos perante as instituições internacionais. Os custos de um falhanço seriam absolutamente catastróficos e durariam por muitos e muitos anos, hipotecando drasticamente o futuro das gerações mais jovens.
Vivemos, pois, um tempo de grandes decisões. A altura é de agir, de actuar com rapidez e de imediato. É isso que os Portugueses querem do novo Governo, foi para isso que nele depositaram expressivamente a sua confiança.
O momento é de muito trabalho, de acção ponderada, de diálogo político e social.
O presente exige o melhor de nós, seja do Governo que hoje toma posse, seja do Parlamento renovado, seja de todos os cidadãos.
Ninguém está imune à crise. Cada um de nós será chamado a dar o seu contributo para vencermos as adversidades do presente.
Cada Português tem uma quota de responsabilidade no futuro do seu País.
Estamos juntos neste desígnio comum que partilhamos há vários séculos.
É com orgulho que queremos continuar Portugal. Para isso, temos todos de começar já hoje a trabalhar em conjunto.
Em nome de Portugal, desejo ao novo Governo os maiores sucessos.
Obrigado.