Nunca como hoje foi tão importante debater a Europa. Num mundo em mudança rápida, com novos desafios a desenharem-se, com os velhos paradigmas económico-sociais a serem questionados, o debate sobre a construção europeia é um imperativo inadiável para os europeus e, em particular, para os portugueses. Um debate que questione, que aprofunde, que estimule, que responda. Um debate que permita escorar as opções responsáveis para o futuro da integração europeia. A Europa não se construirá com base na inércia ou na ignorância. Tão pouco se poderá consolidar na desconfiança ou no medo.
No quadro das minhas responsabilidades e competências empenhar-me-ei em apoiar a reflexão e o debate sobre a integração europeia, na convicção que tenho de que o futuro da Europa é decisivo para o nosso devir colectivo. Os desafios europeus são também os nossos desafios!
E é, por isso, que participo com empenho na abertura desta conferência a propósito do Dia da Europa que amanhã se celebra.
Quero saudar desde já o Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais e o Jornal Público que, desde 1995, organizam esta meritória iniciativa. Saúdo também a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu, instituições que apoiam a realização desta Conferência. Saúdo, ainda, todos os participantes, em particular o Presidente da Comissão Europeia.
Nunca será demais celebrar o génio dos fundadores do processo de integração europeia. A Declaração Schuman ainda ecoa hoje, projectada num admirável projecto de cooperação e de solidariedade que garantiu a paz e a prosperidade na Europa como nunca antes ocorrera.
De uma União Aduaneira passou-se a um Mercado Comum e depois à União Económica e Monetária, com a moeda única a constituir um marco de referência da integração. De uma Comunidade Económica Europeia de seis Estados passou-se a uma União Europeia de 25 membros, em breve 27, num processo que constitui testemunho inequívoco da atracção que exerce o sucesso do processo de integração europeia. De uma Europa dividida passou-se à criação de um espaço sem fronteiras, que respeita as diversas identidades nacionais. Tirar partido das sinergias da escala europeia sem destruir o valor das diferenças, é essa a originalidade e o desafio maior do processo de integração europeia.
Em 1 de Janeiro de 1986, Portugal tornou-se Estado membro das Comunidades Europeias, assumindo em pleno o seu papel de parceiro empenhado e activo na construção europeia. Vinte anos depois, posso dizer, com convicção, que valeu a pena. Valeu a pena duplamente: desde logo porque Portugal tem beneficiado intensamente da adesão, mas também porque tem contribuído consistentemente para o processo de integração.
O nosso País não se limitou a colher os legítimos benefícios que a adesão lhe proporcionou. Portugal adicionou valor ao projecto europeu, partilhando a sua identidade secular e a sua visão do mundo e cooperando solidariamente com as instituições europeias e os seus parceiros.
Quando aderimos, há vinte anos, o maior desafio a vencer era precisamente o da credibilidade. Sabíamos que a Europa ainda olhava para Portugal com alguma desconfiança, às vezes mesclada de algum paternalismo distante. Portugal tinha vivido um período de intensa instabilidade política e a economia portuguesa sofrera consideráveis oscilações de desempenho.
Quando aderimos em 1986, a questão que estava latente no espírito dos nossos parceiros era se Portugal seria capaz de suportar o impacto de adesão e de participar em pleno nas políticas europeias. A resposta a essa questão foi exemplarmente dada pelos resultados destas duas décadas de integração. Superámos o teste da credibilidade. Quando Jacques Delors designou Portugal como “o bom aluno”, numa expressão feliz, mas não raro mal interpretada por alguns, quis justamente evidenciar que o nosso País tinha sabido ultrapassar as desconfianças e era considerado unanimemente como um parceiro sério, estável, solidário.
Essa credibilidade conquistada, pois foi de conquista que se tratou, fundou-se, em primeiro lugar, no desempenho interno do País, seja pelo eficaz e estável funcionamento das instituições democráticas e da Administração, seja pela recuperação da economia. Fundou-se também na capacidade para aceder aos fundos estruturais, usando-os de uma forma intensa para alcançar o progresso económico e social do País.
Mas a credibilidade alcançou-se também a partir da nossa participação efectiva nas instituições comunitárias. Cultivando o rigor, o espírito de cooperação e a solidariedade, Portugal soube granjear crédito junto dos seus parceiros. Essa credibilidade foi decisiva para poder defender com eficácia os nossos interesses específicos.
O modo como exercemos as duas presidências do Conselho da União Europeia, em 1992 e em 2000, fortaleceu o nosso capital de afirmação. Em 1992, nesta mesma sala onde hoje estamos, presidi, então na qualidade de Primeiro-Ministro, ao Conselho Europeu de Lisboa. Aqui se decidiu a criação do Fundo de Coesão, as principais orientações para o que viria a ser o Pacote Delors II e as grandes linhas estratégicas para o futuro alargamento da União Europeia. Recordo grandes protagonistas desse Conselho, como François Mitterrand, entretanto já desaparecido, Helmut Khol e Filipe Gonzalez, actores decisivos de uma década de aceleração do processo de integração europeia. Em 2000, na presidência portuguesa, com o Primeiro-Ministro António Guterres, foi estabelecida a Estratégia de Lisboa que continua a ser o quadro de referência para o grande objectivo de colocar a Europa no topo da competitividade mundial.
Ao longo destes anos, Portugal conseguiu assegurar um lugar na linha da frente da construção europeia. Portugal aderiu justamente no momento em que a integração europeia conheceu uma aceleração ímpar na sua história, o que impôs ao nosso País, não apenas a exigência de se adaptar ao acervo comunitário existente à data da adesão, mas também a capacidade de acompanhar o ritmo das intensas mudanças que se foram produzindo.
Com o Acto Único Europeu lançou-se o mercado único de par com o princípio da coesão económica e social. Este último é, e tem de continuar a ser, um pilar fundamental da integração europeia, não só pelo seu valor intrínseco, mas porque foi criado para dar resposta às dificuldades dos Estados menos apetrechados para retirar todas as vantagens que o mercado único oferecia e oferece.
Com os Acordos de Schengen, sete países da União Europeia anteciparam a livre circulação de pessoas, realizando em pleno o espaço sem fronteiras concebido no Acto Único Europeu. Por seu turno, o Tratado da União Europeia estabeleceu uma União Monetária que está já concretizada.
Ora, Portugal levou por diante o mercado único, fez parte do primeiro grupo de países Schengen e integrou a moeda única desde o princípio, superando desconfianças e resistências vindas de vários lados. Ou seja: acompanhou plenamente o exigente processo de aprofundamento da integração, revelando não só vontade política, mas também efectiva capacidade reformista para se adaptar ás mudanças. Esse desempenho português colocou-nos no centro do processo de construção europeu.
Entretanto, a União Europeia passou de 12 para 25 Estados membros. Portugal foi dos países mais atingidos pelo impacto do quinto alargamento, como vários estudos identificaram, o que, todavia, nem sempre foi devidamente entendido e ponderado pelas instâncias comunitárias. Mas também quanto aos alargamentos da União Europeia a orientação portuguesa sempre se pautou por uma atitude responsável, coerente e solidária.
No balanço destes vinte anos de integração não pode deixar de relevar-se o impacto económico-social. Este período foi dos mais fecundos da nossa história e marcou uma convergência real com a Europa acima das expectativas. O fraco desempenho da economia portuguesa registado nos anos mais recentes não apaga os progressos alcançados nestas duas décadas.
Quando aderimos, o nosso Produto per capita situava-se à volta de 53% da média comunitária; quinze anos depois estávamos mais de vinte pontos percentuais acima, ou seja perto de 75%, significando um ritmo de convergência real que só foi superado pela Irlanda. Hoje, o Produto per capita recuou para cerca de 70%, após alguns anos de quase estagnação económica e de divergência real com a UE, sendo precisamente um dos grandes imperativos nacionais a retoma da convergência real, para atingir a média da União Europeia o mais rapidamente possível.
Todas as análises produzidas por instâncias credíveis internacionais concluem do mesmo modo: a integração de Portugal na União Europeia foi o mais importante factor de crescimento económico e de melhoria da qualidade de vida dos portugueses nos últimos vinte anos. Porque fez convergir três elementos decisivos: a modernização do quadro legal e administrativo, favorecendo uma economia aberta e competitiva; o acesso aos fundos comunitários e a atracção do investimento directo estrangeiro.
Há tendência para subestimar o impacto da adesão, para além dos fluxos financeiros. Ora esse impacto também foi muito positivo. Atacaram-se os vícios administrativos do proteccionismo, abriu-se a economia à iniciativa e estimulou-se a procura de eficiência e de elevados padrões de qualidade.
Ou seja, favoreceu-se o marco competitivo e consolidou-se um modelo económico e social compatível com as democracias ocidentais.
É uma evidência que os fundos estruturais impulsionaram a economia portuguesa. Uma parte significativa do crescimento económico pode ser imputada aos apoios comunitários executados nos três quadros comunitários de apoio decorrentes dos Pacotes Delors I e II, e da Agenda 2000.
Poderá sempre polemizar-se à volta das opções de aplicação dos fundos comunitários, é certo. Mas é também certo que esses fundos induziram um benefício considerável no que se refere ao desenvolvimento económico e social do nosso País. É verdade que há ainda muito por fazer. Mas importa reconhecer que, sem os fundos comunitários, teria sido impossível modernizar as infraestruturas de comunicação e sociais que hoje cobrem praticamente o País.
Aos fundos da União Europeia associou-se o investimento directo estrangeiro, que quintuplicou, só nos primeiros cinco anos após a adesão. Também aí a modernização das nossas infraestruturas, bem como a melhoria da qualidade e da intensidade da formação profissional, foram factores determinantes na atracção de investimento do exterior. Investimento que trouxe tecnologia, mercado, organização e criação de emprego.
É neste contexto que importa sublinhar um outro impacto da adesão: as relações com a Espanha. Em 1986 descobrimos novas dimensões na relação com o país vizinho. Já não apenas o competidor, às vezes exacerbado por um passado de antagonismos, mas acima de tudo o parceiro da União Europeia. E descobrimos o mercado de grande potencial. E as sinergias de proximidade traduzidas em comércio, em investimento, em serviços, em concertação regional, mas também em intercâmbio cultural que atingiu níveis nunca atingidos.
E se é verdade que os dois países nem sempre têm, nem têm de ter, uma simétrica convergência de interesses e de orientação, não é menos verdade que, na generalidade dos temas europeus, há uma convergência que deve ser cultivada. A intensidade das relações luso-espanholas não pode senão reforçar-se no contexto da integração europeia.
Um olhar sobre estes vinte anos traz também ao de cima uma outra consequência da nossa participação na União Europeia: o reforço da nossa voz na cena internacional. Ao contrário do que alguns anteciparam, Portugal incrementou, com a adesão, os laços com os seus parceiros tradicionais extra-europeus, nomeadamente com os países da lusofonia, mas também, por exemplo, com os países mediterrânicos. A causa de Timor-Leste que saiu vitoriosa com o reconhecimento da independência, embora em contexto de dramático sofrimento, beneficiou do nosso estatuto de Estado membro da União Europeia, quando tivemos que defender essa orientação nas instâncias internacionais. A nossa capacidade de interagir com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, nomeadamente nas áreas da cooperação, saiu também reforçada, e a nossa participação na União Europeia permitiu àqueles nossos parceiros um acesso mais facilitado a meios e recursos.
Noutro prisma, Portugal contribuiu muito activamente, ao longo destes vinte anos, para o reforço das relações da União Europeia com outros países e regiões, designadamente aquelas com quem temos laços privilegiados. É bem ilustrativo que tenha tido lugar em Guimarães, sob presidência portuguesa, e perante o cepticismo de muitos, o primeiro encontro União Europeia — Mercosul. Ou que tenha sido sob Presidência portuguesa que se tenha institucionalizado o diálogo da União Europeia com a Índia.
Para o sucesso que tem sido a integração de Portugal na União Europeia há ainda dois factores que devo destacar.
Em primeiro lugar, o facto de ter sido possível cultivar uma ampla convergência estratégica em torno da nossa participação na União Europeia, por parte das principais forças políticas e dos parceiros económicos e sociais, convergência também revelada na cooperação entre órgãos de soberania. Essa convergência constituiu uma força para a negociação permanente de que é feita a integração europeia.
Em segundo lugar, a qualidade dos portugueses que integram as instâncias comunitárias e dos nossos representantes nos diversos órgãos que compõem a constelação institucional da União Europeia. O seu desempenho contribuiu muito para o prestígio do nosso País e para a credibilidade granjeada nestas duas décadas. É mais do que justo manifestar esse reconhecimento agora que se completam duas décadas de integração de Portugal nas Comunidades Europeias.
Não posso, também, deixar de referir a importância muito particular das responsabilidades que foram atribuídas ao Dr. José Manuel Durão Barroso, as quais, devendo-se, acima de tudo, aos seus méritos e às suas qualificações, traduzem igualmente o reconhecimento pelo percurso de Portugal na construção europeia.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Entendo que o desafio da integração é um desafio permanente, nunca definitivamente vencido. Portugal estará sempre debaixo de um apertado escrutínio europeu, quer quanto à situação das suas finanças públicas, quer quanto ao desempenho da sua economia, quer ainda quanto à sua prestação nas instituições europeias.
A preparação do Quadro de Referência Estratégico Nacional para o período 2007- 2013 é um novo desafio, oportunidade maior e decisiva para recolocar a economia portuguesa no caminho da convergência real e dotá-la dos meios para enfrentar a globalização.
O exercício da presidência do Conselho, no segundo semestre de 2007, é outro desafio que requer preparação atempada, até pela exigente agenda que teremos pela frente.
A participação activa no debate sobre o modelo da construção europeia é outra exigência que enfrenta o nosso país. Portugal deve ter uma voz consistente e coerente na defesa dos seus interesses fundamentais nas negociações sobre o futuro da União Europeia.
Acredito firmemente que, com o esforço e empenho de todos, saberemos, como no passado, fazer frente aos desafios e tirar partido das oportunidades que a integração europeia continua a oferecer-nos.
O processo da construção europeia volta a enfrentar difíceis e complexos desafios.
Declara-se frequentemente que a Europa está em crise. O fracasso do projecto de Tratado Constitucional, em dois países que o submeteram a referendo, agudizou dramaticamente aquela percepção, sobretudo evidenciada pela reacção desapontada daqueles que consideram ser o reforço da dimensão política uma condição necessária para a sustentabilidade do processo de integração europeia num mundo global. Alguns falam mesmo da fadiga do processo de construção europeia.
Sem a querer negar, a crise actual não é provavelmente mais grave do que outras que foram superadas pela integração europeia ao longo dos seus mais de cinquenta anos de história.
A verdade é que muito daquilo a que chamamos hoje sintomas da crise são, em grande medida, o resultado de um enorme sucesso: se é preciso encontrar formas mais eficientes de gerir uma União alargada, é porque a União Europeia é um êxito de cujas vantagens outros querem usufruir, em nome da paz, da estabilidade e do progresso social e económico; se os nossos povos são hoje mais exigentes e pedem à Europa o que antes esperavam dos Estados, é porque a Europa soube dar respostas a muitos dos seus anseios e os cidadãos não admitem agora que ela falhe.
A verdade é que a integração europeia não é a causa das dificuldades, mas antes a resposta aos problemas. A verdade é que as questões sensíveis que os cidadãos europeus hoje enfrentam, como o desemprego, a segurança e a competição internacional, não sugerem menos Europa. Pelo contrário, recomendam mais integração europeia.
Mesmo sem Tratado Constitucional há condições para aprofundar a construção europeia e decidir, no curto prazo, políticas e medidas que respondam às legítimas expectativas dos cidadãos da Europa. Cidadãos que parecem perplexos face às consequências da globalização e mesmo quanto ao papel da Europa. E é aqui que é maior a responsabilidade dos líderes europeus, para apontar o rumo e tomar as decisões certas que recuperem a confiança dos Estados e dos cidadãos.
Cito, por me parecer de uma inquestionável actualidade, o tríptico com que Jacques Delors definiu, há alguns anos atrás, o quadro de acção da União Europeia: “a competição que estimula, a cooperação que reforça, a solidariedade que une”. Eis o que é necessário manter como referência: um quadro competitivo e eficiente, uma cooperação reforçada e uma solidariedade tangível e sem retórica.
Que não haja ilusões: não será possível convencer os cidadãos europeus sobre o bem fundado de qualquer reflexão teórica sobre o futuro da União Europeia se não formos capazes, simultaneamente, de responder aos seus anseios mais imediatos, se não lhes provarmos, pela nossa acção, que a Europa constitui uma mais valia, face à capacidade de resposta dos Estados.
Aprofundar a União Económica para equilibrar a União Monetária, garantindo os objectivos de crescimento e de criação de emprego, é algo que pode e deve avançar, mesmo sem Constituição. De igual modo, o reforço da Estratégia de Lisboa parece indispensável para poder colher os resultados que se esperam e que tardam. A execução da Estratégia de Lisboa deve impor uma disciplina e uma responsabilidade partilhada por todos os Estados membros, sem o que acabaria por ser apenas um mapa de boas intenções.
Onde há um interesse comum bem identificado, deve haver acção da União Europeia. Sempre, como é óbvio, respeitando os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. Um bom exemplo foi dado pela recente iniciativa da Comissão Europeia sobre a energia. Trata-se claramente de um interesse comum e, por isso, como lhe compete, a Comissão tomou a iniciativa. O sector energético é decisivo para a competitividade e para a segurança da Europa. E é decisivo também para as relações externas da União Europeia com alguns dos seus vizinhos, como é o caso da Rússia.
O Acordo Interinstitucional agora alcançado sobre o orçamento da União Europeia para o período 2007-2013 foi uma boa notícia para a Europa. Mas serei claro ao afirmar que se ficou aquém dos meios necessários para enfrentar, com eficácia, os desafios e as exigências da UE, nomeadamente os que decorrem dos alargamentos. Persiste uma preocupante divergência entre as ambições definidas e os meios alocados à União Europeia.
O ênfase posto pela Comissão Europeia no empreendedorismo e na inovação aponta na direcção certa. Portugal deve saber cultivar a iniciativa empreendedora que tem permanecido muito tímida e promover a inovação como factor competitivo principal da sustentabilidade empresarial.
Permanece, contudo, uma questão central: é ou não necessário reforçar a dimensão política da União Europeia? A minha resposta é convictamente afirmativa. Sem reforçar a sua dimensão política, sem tornar mais eficiente o seu processo de decisão, sem garantir a coerência da sua embrionária política externa comum, sem promover de forma mais tangível a cidadania europeia, sem reforçar a sua legitimidade democrática, a União Europeia enfrentará sérias dificuldades para sustentar a União Económica e Monetária, para conquistar o seu lugar como actor influente no mundo global emergente e para realizar com sucesso os alargamentos.
As vicissitudes por que vem passando o processo de aprovação do actual projecto de Tratado Constitucional são conhecidas. Nem por isso é menos urgente a reflexão e o debate sobre esse tema. As reformas comunitárias terão de ocorrer face aos desafios que a Europa enfrenta. E é necessário que Portugal esteja preparado para ter voz na negociação e na concretização dessas indispensáveis reformas.
O princípio da igualdade dos Estados tem de ser, em qualquer caso, assegurado e a maior agilidade do processo de decisão não pode ser alcançada a expensas da legitimidade democrática e da representatividade dos Estados.
No equilíbrio institucional que o modelo europeu traduz, equilíbrio tão habilmente concebido pelos fundadores, há que preservar o papel central da Comissão Europeia, nomeadamente através do direito exclusivo de iniciativa em domínios de competência comunitária. O enfraquecimento desta instituição — aqui ou além tentado através de iniciativas explícitas ou subreptícias — não é do interesse da Europa, nem é seguramente do interesse de Portugal.
Sempre que identificado um interesse comum é o método comunitário que deve ser seguido para decidir as políticas e/ou as acções necessárias. Alguma deriva intergovernamentalista que vai emergindo é também lesiva do interesse comum europeu e não serve os interesses de um País como Portugal.
A globalização está em curso e projecta-se cada vez com mais pujança. Não espera pela Europa. E, todavia, o mundo global precisa de uma Europa forte, coesa, influente.
Fechada sobre si própria, amedrontada, dividida e proteccionista, a União Europeia falhará o encontro com o futuro e poderá até tornar reversível o admirável percurso de integração realizado até hoje.
Confio na capacidade dos europeus para levar por diante o indispensável aprofundamento da integração, com a visão e a ambição estratégicas que o mundo global requer. E confio que Portugal saberá valorizar o seu lugar no futuro da construção europeia.