Agradeço à Fundação Jorge Álvares, ao Instituto do Oriente, da Universidade Técnica de Lisboa, e à Sociedade de Geografia, entidades a quem ficamos a dever a organização das cerimónias com que se assinalam, hoje, os dez anos da transferência da Administração Portuguesa de Macau para a República Popular da China.
Felicito, ainda, todas as outras personalidades e instituições que quiseram juntar-se no apoio a esta importante iniciativa.
Uma iniciativa a que entendi conferir o Alto Patrocínio da Presidência da República, num gesto de reconhecimento perante a dimensão histórica de um processo de transição cujo sucesso engrandeceu o nome do nosso País.
No dia 20 de Dezembro de 1999, Portugal punha termo, de forma digna, em paz consigo e com a sua História, ao ciclo imperial que perdurara por mais de metade da sua vida de Nação multissecular. Todos sabemos como era importante que assim fosse, até para que melhor pudéssemos reconciliar-nos com um período que tantos traumas nos deixara.
A Administração Portuguesa deixava o Território justificadamente orgulhosa de um legado notável, assente numa organização administrativa capaz e respeitada e num corpo legislativo sólido e abrangente, em harmonia com as garantias que haviam sido dadas aos habitantes de Macau e com as expectativas que lhes haviam sido criadas.
Um legado que incluía, ainda, um conjunto de infra-estruturas que permitiam ao Território olhar o futuro com confiança.
A tudo presidira uma visão estratégica que soube reconhecer o potencial de Macau como plataforma privilegiada no quadro da política de abertura ao mundo que a China havia iniciado e como factor de aproximação entre Portugal e a China.
A concretização deste último objectivo – fazer de Macau um factor de aproximação entre Portugal e a China – ficou a dever-se não apenas ao modo como se afirmou a presença portuguesa em Macau, mas também ao clima de respeito e amizade que caracterizou o processo negocial, fruto de uma preocupação, partilhada pelos dois Estados, em garantir as soluções que assegurassem o melhor futuro para o Território e para as suas gentes.
E assim, caso raríssimo e exemplar, dois países, Portugal e a China, chamados a resolver uma questão bilateral complexa e delicada, de grande sensibilidade para ambos, concluíram-na muito mais próximos um do outro do que quando lhe haviam dado início.
Uma proximidade que se reflectiu num relacionamento cada vez mais aprofundado, como bem atesta o estabelecimento, em 2005, de uma Parceria Estratégica entre os dois países.
Quero, a esse propósito, saudar, de forma muito especial, a presença entre nós do Embaixador Gao Kexiang e as palavras amigas que nos dirigiu, pedindo-lhe que transmita às suas Autoridades e ao Presidente Hu Jintao, em particular, o meu empenho pessoal no reforço continuado das relações entre os nossos dois povos e países.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Quiseram as circunstâncias que tivesse cabido a um Governo a que presidi dar início às negociações que culminaram na Declaração Conjunta sobre Macau. Tal como me coube subscrevê-la, em nome do meu país, em 13 de Abril de 1987, em Pequim, por ocasião daquela que foi a primeira Visita Oficial de um Chefe de Governo de Portugal à República Popular da China.
Foram tempos que não esqueço. Recordo-me bem de ter sublinhado, no discurso que pronunciei nessa ocasião, que há momentos em que temos a consciência de estar a ser escrita uma página da História. Foi precisamente isso que sucedeu.
Continuo a pensar, no entanto, que a melhor forma de estarmos à altura do que soubemos construir no passado é projectando-o no futuro.
Na Comunicação que fiz ao País, em Março de 1987, quis chamar a atenção dos Portugueses para o facto de o Acordo a que havíamos chegado representar “um grande capital de esperança”, pelo que abria de perspectivas “no nosso relacionamento com o Oriente e, em particular, com a China”.
As características próprias do território de Macau, que o distinguem do resto da imensa China a que pertence, resultam da marca que ali deixou a secular presença portuguesa. Essas características conferem-lhe uma vocação natural para funcionar como plataforma no relacionamento da China com os países de língua oficial portuguesa.
A China está bem ciente desta mais-valia de Macau e tem apostado, decisiva e inteligentemente, na sua valorização, como instrumento do reforço dos seus laços com os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Ainda recentemente me chegava a informação, que a muitos poderá surpreender, de que, dentre os cursos de línguas estrangeiras ministrados na China, o de língua portuguesa é o único a garantir colocação imediata a quem o conclui.
Por outro lado, como tive a oportunidade de lembrar, numa intervenção, em 1987, na Associação Comercial de Macau, “Portugal tem tudo a lucrar no aproveitamento de Macau e do seu grande dinamismo económico e comercial para intensificar o relançamento da presença portuguesa no Oriente”.
Um relançamento cuja necessidade se torna cada dia mais premente, perante a evidência do papel que a Ásia, em geral, e a China, em particular, são e serão crescentemente chamadas a desempenhar na cena internacional. Um papel que a crise financeira e económica que abalou o mundo, e cujos efeitos ainda sofremos, se encarregou de bem sublinhar.
Não me parece que haja dúvidas de que ainda temos muito a fazer para que possamos falar de um relançamento da presença portuguesa no Oriente, tirando partido das vantagens que Macau oferece.
Apostar nessa via implica investir no reforço da nossa presença económica na Região, incluindo a localização, no seu território, de empresas que dela façam uma alavanca para a sua projecção noutros mercados, nomeadamente na China.
Implica investir, igualmente, numa revigorada presença cultural, desde logo por via de um apoio determinado às instituições que promovem o ensino da nossa língua e a divulgação da nossa cultura.
Mas também na promoção do intercâmbio entre instituições académicas, culturais, desportivas e de investigação.
E, ainda, no estímulo dos fluxos turísticos e no incentivo à constituição de redes de contactos entre os cidadãos.
Em 2010, terá lugar a Exposição Universal de Xangai, em que Portugal estará presente, e, no ano seguinte, assinalar-se-á o Ano de Portugal na China. São duas excelentes oportunidades para afirmar o relançamento da nossa presença no Oriente, que os nossos interesses estratégicos tão vivamente recomendam.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Em Abril de 1994, perante a Assembleia Legislativa de Macau, recordei que a solução que havíamos encontrado para Macau comportara um duplo alcance: por um lado, tínhamos pretendido garantir a estabilidade de Macau, o seu progresso económico e social e a confiança no futuro por parte da sua população; por outro lado, tínhamos querido encarar numa nova perspectiva o desenvolvimento das relações entre Portugal e a República Popular da China.
Transcorridos dez anos desde o dia 20 de Dezembro de 1999, julgo que as circunstâncias vêm demonstrando o acerto destas linhas de orientação. O dinamismo económico e o progresso social de Macau são evidências que todos reconhecem, fruto de um clima de confiança no futuro que muito deve às condições que o processo de transição permitiu criar.
E o nosso relacionamento com a China apresenta, nos dias de hoje, uma proximidade muito superior à que se registava antes da transição.
Temos, seguramente, razões para celebrar.
Muitos guardarão, tal como eu, a memória ainda viva daquele dia de sol e frio em que, num gesto comovente, o Governador Vasco Rocha Vieira apertou ao peito o símbolo maior de uma Nação reconciliada com a sua História e orgulhosa da sua obra. Naquele dia, naquele momento, ele foi um pouco de todos nós, irmanados na dignidade do seu gesto.
Ficámos a dever esse momento a Macau. Jamais o esqueceremos.
Muito obrigado.