Senhor Presidente da Câmara Municipal,
Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Recebi, com profunda emoção, das mãos deste pequeno Afonso, esta Medalha de Ouro que a cidade de Guimarães dedica ao Rei D. Afonso Henriques. Serei, enquanto Chefe do Estado Português, o seu fiel e dedicado depositário.
A figura de D. Afonso Henriques ergue-se, perante aqueles que lhe sucederam, como o primeiro elo de uma longa corrente que nos liga, a nós que vivemos no presente, aos actos fundacionais.
Essa corrente, a que o Fundador deu começo, entendemo-la como uma âncora que nos firma ao que somos. Uma âncora que não nos prende ao passado, mas que assegura que o passado está vivo em nós.
Sabemos que, quanto mais profunda é a raiz, mais alto alcançam os ramos que dela se nutrem. E que é condição de uma vida autêntica manter tão presentes o ponto de partida e o caminho percorrido como os projectos futuros.
A tradição ancorada na memória viva de um povo diz-nos que esta é a Cidade-Berço. Por isso, neste dia que a cidade recolheu como seu, o dia da Batalha de S. Mamede, encontramo-nos em Guimarães para manter vivos em nós os actos fundacionais. Temos o dever de o fazer, seguros de que, sem o estribo do passado, o presente não seria mais do que uma circunstância.
Justamente por isso, nesta rememoração não nos deve perturbar o debate de certas circunstâncias, como o local e a data de nascimento do Infante D. Afonso.
Às dúvidas dos historiadores, respondemos, e basta: viu a primeira luz em terra que tornou Portugal e, afortunadamente, nasceu quando foi necessário.
A sua existência oferece-nos o exemplo feliz de um homem que, no seu tempo e junto dos seus contemporâneos, encontrou e pôde cumprir um desígnio histórico.
Pelo sortilégio do homem que lidera, D. Afonso Henriques ficou para sempre como o rosto visível do momento primordial. Foi o primeiro, contudo não foi o único. A sua glória duradoura provém – e não é pouco – da coragem de começar.
Era tudo tão incerto, o desfecho do que se começava tão imprevisível e o risco de tal forma elevado. Não obstante, criou uma hoste de homens que aceitaram partilhar o mesmo objectivo e o mesmo destino. Foi, seguramente, um chefe de excepção.
Num determinado momento, quebrou o silêncio formulando a vontade de criar Portugal. Infelizmente, o tempo não preservou as suas exactas palavras. Não sabemos como terá transformado o seu sonho em discurso.
Resta-nos a imaginação para reconstituir o modo como persuadiu os seus a escolher segui-lo. Foram proferidas, decerto, palavras de esperança, palavras de crença, promessas. Foi gerada a confiança que justifica a adesão aos seus propósitos. Estabeleceram-se, adivinhamo-lo, compromissos.
Assim se ilustra uma constante da vida colectiva dos homens: quem pensa e actua como se estivesse sozinho, ficará só; quem convoca a pluralidade dos homens, será seguido.
O certo é que, juntos, D. Afonso e os seus seguidores começaram algo de novo. Passaram então das palavras aos actos.
O cronista atesta que D. Afonso foi “valente na guerra”. Nos momentos mais decisivos, arriscava tudo em cada lance. Como chefe, deu sempre o exemplo.
Mas terão bastado os feitos guerreiros para tornar o nome de D. Afonso Henriques digno de memória e o seu exemplo merecedor de imitação pelos vindouros?
A pior fraqueza dos fortes é a de só acreditar na força. O Rei D. Afonso I acreditou, como diplomata consumado, na subtileza da negociação. Foi, vinca o cronista, “mui prudente nas suas acções, de inteligência esclarecida”.
Teve aí a suprema qualidade do estadista: soube esperar. Por muito tempo esperou, sempre munido das mesmas convicções, servindo a mesma estratégia, nunca mudando o rumo.
Aguardou décadas para, já perto do fim do seu longo reinado, em 1179, através da bula Manifestis Probatum Est, obter a consagração inequívoca de um facto já consumado: foi reconhecido como rei idóneo, prudente e justo de um reino independente, que seria transmitido aos seus descendentes.
D. Afonso Henriques foi um político no sentido mais nobre: juntou os homens para fazer obra comum, num esforço cooperativo que fez nascer uma comunidade duradoura.
Foi aceite como chefe pelos seus soldados e como rei pelos seus súbditos.
Usou o mando, não para subordinar os outros aos seus fins particulares, mas para expressar a sua própria sujeição ao fim por que todos trabalhavam.
Não lhe devemos o Portugal que somos. Esse é uma obra comum, lentamente entretecida ao longo dos séculos por todos nós, portugueses de ontem e de hoje.
Mas devemos-lhe o facto de sermos Portugal. Devemos-lhe a possibilidade de construir uma pátria, ou seja, um sítio e uma ideia que entendemos como nossos e nos quais nos sentimos em casa.
A nossa casa nunca será uma construção acabada. Cada geração de portugueses continua a obra, fazendo-lhe um acrescento, que é uma renovação. Cada novo elo da corrente será diferente dos que o antecedem, mas nem por isso renega os actos primordiais.
Dizia o grande pensador romano Cícero que:
“Não há actividade alguma na qual a virtude humana se aproxime mais da divina do que a de fundar novas cidades ou preservar as já existentes.” Colocava, assim, o acto de preservar comunidades ao mesmo nível simbólico supremo que atribuía ao acto da fundação.
D. Afonso Henriques tornou possível Portugal. Aqui, em Guimarães, convictos da nossa responsabilidade histórica, inspirados pelos feitos do Fundador e pelo espírito incomum que perpassa por estas pedras, é com determinação que afirmamos a continuação de Portugal.