Discurso do Presidente da República na Sessão Solene das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas
Santarém, 10 de Junho de 2009

Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Membros do Corpo Diplomático,
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santarém,
Senhor Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações,
Senhoras e Senhores,
Portugueses,

Hoje é o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o dia em que evocamos os nossos maiores e prestamos homenagem àqueles que continuam a sua obra e se distinguem por feitos notáveis em prol da nação.

Neste dia tão cheio de significado para os Portugueses, estamos aqui, em Santarém, para celebrar a nossa identidade como povo e os laços que desde há séculos nos unem, seja onde for que tenhamos rumado, em busca de um futuro melhor.

Estamos aqui, além disso, para honrar a obrigação que temos para com aqueles que nos antecederam e legaram um País soberano, manifestando a nossa vontade de deixar esse mesmo legado, se possível engrandecido, àqueles que nos irão suceder.

Gostaria, neste momento, de evocar a memória de João Bénard da Costa, que, nos últimos dez anos, desempenhou de forma notável as funções de Presidente da Comissão Organizadora destas Comemorações.

As comemorações do 10 de Junho representam, antes de mais, uma manifestação de fé e confiança nas capacidades do povo português, tantas vezes demonstradas ao longo dos tempos.

Capacidade para resistir em momentos adversos e defender a integridade do território e a independência nacional, como a que demonstrou, por exemplo, Nuno Álvares Pereira, que a Igreja Católica ainda recentemente canonizou.

Capacidade para planificar com rigor e executar com determinação as ideias mais arrojadas, como a que demonstrou o Almirante Gago Coutinho, nascido há precisamente 140 anos, que realizou com Sacadura Cabral essa proeza extraordinária que foi a primeira travessia aérea do Atlântico Sul.

Capacidade, ainda, para ir à aventura, arriscar e descobrir novas terras e novos mundos onde vencer, como a que podemos ver ainda hoje em tantos dos nossos emigrantes.

O exemplo destes e de tantos outros homens e mulheres, nossos compatriotas, sejam eles famosos ou simples anónimos, é um justificado motivo de orgulho.

Mas deve igualmente constituir um estímulo, uma prova de que somos capazes de vencer, mesmo perante os maiores desafios ou as piores adversidades.

Numa passagem das Viagens da minha terra, esse livro magnífico onde se retrata com tanta sensibilidade a região de Santarém, Almeida Garrett contempla o rio Tejo, lê alguns versos d’Os Lusíadas, e exclama com entusiasmo:

«sonhei que era português, que Portugal era outra vez Portugal!».
Neste dia de Camões, mais do que sonhar, temos de acreditar que Portugal será outra vez Portugal, um Portugal melhor, o mesmo Portugal que tantas vezes se afirmou no decorrer da sua história.

Os exemplos que nos vêm do passado constituem, em primeiro lugar, uma responsabilidade para todos e para cada um de nós. Responsabilidade na solução dos problemas que temos pela frente. Responsabilidade na criação de um País melhor para os nossos filhos e para os nossos netos.

Não se trata de uma responsabilidade em abstracto. Trata-se de uma responsabilidade concreta, que se traduz, desde logo, na obrigação que temos de participar na vida pública.

Em tempos reconhecidamente difíceis como aqueles em que vivemos, não é aceitável que existam Portugueses que se considerem dispensados de dar o seu contributo, por mais pequeno que seja.

O alheamento não é uma forma adequada – nem, certamente, eficaz - de enfrentar os desafios e resolver as dificuldades. Pelo contrário, níveis de abstenção como aquele que se verificou nas eleições de domingo passado são um sintoma de desistência, de resignação, que só empobrecem a democracia.

Quando estão em causa questões que a todos dizem respeito, nenhum de nós se pode eximir das suas obrigações, sob pena de a gestão da coisa pública ficar sem esse escrutínio indispensável que é o voto popular.

A abstenção deve, além disso, fazer reflectir os agentes políticos. A confiança dos cidadãos nas instituições democráticas depende, em boa parte, da forma como aqueles que são eleitos actuam no desempenho das suas funções.

Se não tivermos órgãos de representação prestigiados, será difícil aumentar a participação dos eleitores e demonstrar-lhes que o seu voto é importante e útil para a formação das decisões de interesse geral.

A credibilidade dos agentes políticos é tanto mais necessária quanto a situação económica e financeira actual representa um desafio, sem precedentes nas últimas décadas, à qualidade das instituições democráticas, à competência e visão de futuro dos decisores, e ao empenhamento responsável e solidário de cada um dos cidadãos. Da minha parte, asseguro aos portugueses que, nas boas como nas más horas, estarei aqui.

Senhoras e Senhores,

Neste dia em que se celebra Portugal e a memória de uma nação com mais de oito séculos, devemos interrogar-nos sobre aquilo que podemos e queremos fazer para que essa caminhada prossiga, e para que os nossos descendentes possam vir também a sentir-se orgulhosos das nossas realizações e das opções que tomámos.

Não podemos invocar as glórias do passado sem olhar às dificuldades do presente e à responsabilidade que a todos cabe na procura de soluções para o futuro.

É correcto, e certamente justo, que tenhamos confiança nas nossas energias e recursos enquanto nação. Mas é necessário ter também a coragem de encarar a verdade dos factos e proceder às mudanças que sejam necessárias, na política como na sociedade em geral, na esfera pública como na actuação de cada um em particular.

Conforme já tenho dito, «a verdade gera confiança, a ilusão é fonte de descrença». Só uma informação correcta permite às pessoas fazerem as escolhas mais adequadas para acautelarem o seu futuro e o das suas famílias.

Temos, antes de mais, de saber extrair da actual situação as lições que se impõem.

De pouco adiantarão os diagnósticos e, ainda menos, as lamentações ou recriminações, se nada, entretanto, mudar nas atitudes e nos comportamentos.

Face às dificuldades e aos desafios que temos pela frente, é imperativo promover uma cultura de valores, uma cultura que contemple a dignidade das pessoas, incentive o esforço e o mérito e favoreça a coesão social.

É preciso valorizar os laços familiares, que são o mais sólido alicerce de qualquer sociedade e a melhor forma de assegurar a responsabilidade inter-geracional.

É preciso reavivar nas pessoas um espírito de sobriedade e uma consciência solidária; combater o esbanjamento e o desperdício e rever hábitos de consumismo; compreender que também somos responsáveis pela sorte dos outros, principalmente daqueles que são mais carenciados e que vivem e sofrem perto de nós, na nossa cidade ou aldeia, no nosso bairro ou na nossa empresa.

Mais do que simples regras formais, terá de haver, sobretudo, uma clara presença de princípios éticos nas instituições, no mundo dos negócios e no mundo do trabalho. A justiça, a equidade e a responsabilidade social não podem ser letra morta, simples palavras de que só nos lembramos em momentos de apuros.

Tanto no Estado como na sociedade civil é preciso adoptar uma cultura de transparência e de prestação de contas.

Não esqueçamos que, na origem de alguns dos principais problemas que o mundo actualmente enfrenta, esteve a ausência de escrúpulos e de princípios por parte daqueles que abusaram da confiança neles depositada, prejudicando milhões de pessoas e acabando por comprometer o bem-estar de muitos mais.

Se há um ensinamento claro a retirar da conjuntura actual é o de que o desenvolvimento económico não pode processar-se à margem da responsabilidade social e do respeito por normativos éticos, que vinculam tanto os governos e os políticos, como os mercados, os empresários e os gestores.

Senhoras e Senhores,

Tal como sempre aconteceu no passado, para triunfar das dificuldades é indispensável ter confiança. Portugal, pese o realismo que os indicadores impõem, tem razões para confiar. Portugal não é «o País possível», nem «o País de desistentes», de que noutro tempo falou o poeta Ruy Belo, em versos inspirados mas de profundo desalento. Portugal pode e tem de confiar em si próprio.

No mundo globalizado em que vivemos, Portugal possui recursos estratégicos importantes, recursos que estão de há muito identificados e que são conhecidos de todos.

Somos, desde há séculos, um Estado com fronteiras definidas e uma nação coesa, que fala a mesma língua e que tem uma origem e uma história comuns.

A rede de instituições de solidariedade social, disseminada por todo o território, com uma já longa tradição de prestação de inestimáveis serviços à comunidade, representa um activo da maior relevância nos tempos que correm, constituindo uma prova irrefutável das reservas morais que soubemos preservar.

Estamos, além disso, integrados no espaço europeu e na zona euro, um espaço dotado de grande dinamismo económico, que tem vindo, no último meio século, a dar um contributo inestimável para a melhoria das condições de vida dos cidadãos e para a solidariedade entre os povos.

No plano internacional, temos um relacionamento privilegiado com um conjunto importante de países, em todos os continentes, fruto da nossa aventura marítima, da nossa já secular diáspora, da dimensão universal da língua portuguesa e do prestígio que conhecem as comunidades de emigrantes.

Em virtude da nossa situação geográfica, somos detentores de uma das maiores zonas económicas exclusivas da Europa, de um património oceânico que é único e de recursos geológicos, biotecnológicos e energéticos muito relevantes.

Temos uma riqueza florestal de grande valor, se a soubermos proteger dos incêndios.
As condições climatéricas e de segurança, somadas a um rico e diversificado património natural e cultural, fazem de Portugal um País reconhecidamente vocacionado para o desenvolvimento do turismo.

Há que saber mobilizar o esforço e o talento dos portugueses para aproveitar todos estes recursos, quer para melhorar o desempenho da nossa economia, quer para suster a tendência para o endividamento crescente do País - famílias, empresas, sector público.

É certo que a situação económica e financeira internacional, ao mesmo tempo que tornou claro até que ponto os países estão hoje interdependentes, veio também evidenciar algumas vulnerabilidades específicas de Portugal.

Não basta, por isso, que nos limitemos a tentar sobreviver.

É necessário ver mais além; antecipar, desde já, a situação em que queremos estar quando for finalmente ultrapassada a conjuntura actual; e criar as condições para tirarmos partido da fase de recuperação.

É necessário, em suma, ter uma visão estratégica de médio e longo prazo, uma visão alheia a calendários imediatos, que poderiam comprometer o futuro e tornar inúteis os sacrifícios que a hora exige.

A história demonstra que, dos tempos de profundas dificuldades, sempre emergiram vencedores: os que souberam agir com determinação, sentido estratégico e capacidade de mobilizar esforços e vontades. Portugal pode ser um dos vencedores.

Sabemos bem quais são os grandes desígnios nacionais. Resta sabermos colocar o País no rumo certo, introduzir as mudanças necessárias, reajustar os comportamentos e expectativas individuais, apostar no que é, de facto, essencial para o aumento da nossa capacidade competitiva.

Ninguém ignora a urgência de uma melhoria do sistema educativo, por forma a incutir nos jovens o valor do conhecimento, da inovação, da criatividade e do empreendedorismo.

A educação não é só um problema da escola. A sociedade, no seu conjunto, tem de incorporar no seu dia-a-dia a importância da aprendizagem, como factor de realização pessoal e de progresso social.

Não podemos esquecer o mundo rural, cujo desenvolvimento é decisivo, tanto na perspectiva da produção agrícola e de actividades complementares, como na perspectiva do ordenamento territorial, do combate ao despovoamento do interior e da coesão do todo nacional.

Temos de ambicionar uma sociedade civil verdadeiramente emancipada do Estado, afirmando-se, autonomamente, pela sua criatividade, organização, trabalho e capacidade inovadora; uma Administração Pública que preste serviços de qualidade e tenha assegurada a sua independência face a interesses partidários ou outros; um sistema judicial com credibilidade e prestígio, eficiente no seu funcionamento e que inspire confiança à comunidade.

Portugueses,

Não podemos deixar-nos abater pelo desalento.

Portugal soube sempre encontrar a forma de vencer as dificuldades que conheceu ao longo da sua história.

Estou certo de que saberemos, uma vez mais, estar à altura dos nossos antepassados.
Tenho mantido contactos frequentes com os mais diversos sectores da nossa sociedade. Por tudo quanto vi e ouvi, tenho a certeza de que podemos fazer deste tempo de provação um tempo de esperança.

Existem, felizmente, muitos exemplos, em particular entre os mais jovens, de cientistas, empresários, artistas e outros profissionais portugueses que têm triunfado, tanto cá dentro como no estrangeiro, e que não se conformam com os atrasos que persistem em muitos sectores da vida nacional.

O seu inconformismo deve ser o nosso lema. O seu trabalho deve ser o exemplo e o seu triunfo a meta que ambicionamos para o País inteiro.

Esperança é a palavra.