Senhora Presidente da Academia Portuguesa de História,
Senhor Vice-Presidente,
Senhores Académicos,
Senhoras e Senhores,
Por decreto de 8 de Dezembro de 1720, fundou o rei D. João V a Academia Real da História Portuguesa, determinando que seria, “... uma Academia em que se escreve a História Eclesiástica destes Reinos e depois tudo o que pertencer a toda a História deles e de suas Conquistas”.
Aqui, na douta Academia Portuguesa de História restaurada em 1936, seguindo a prescrição régia e a determinação legal, escreve-se história.
Escreve-se história de Portugal, de forma a reconstituir a verdade para a perpétua lembrança das coisas, seguindo a máxima latina. Por isso se escreve história, porque a palavra escrita – conservando, como anunciavam os estatutos originais, “as acções dignas de memória” - impede o olvido a que o tempo as condenaria.
Programa ambicioso, como é devido e se espera de uma casa habitada por tão eminentes membros, dedicados por vocação e por dever estatutário à reconstituição documental e crítica do passado.
Uma academia é uma sociedade de ideias. Uma agremiação entregue por inteiro a um único objectivo: o conhecimento das coisas e dos homens.
Sublime servidão académica que, para ser autêntica, deve ser cumprida sob três condições de liberdade: a liberdade de recrutamento dos académicos; a liberdade de fixar as regras de funcionamento da instituição; e a liberdade de escolher os temas de investigação.
De entre as três, destacarei a liberdade de recrutamento dos membros, condição primeira de legitimidade do saber académico.
Académico não é qualquer um. Apenas aquele que se submete ao mais elevado dos princípios da selecção académica: o do reconhecimento pelos pares.
Nos tempos que vivemos, a Academia não é a instância única de acreditação do saber histórico. Muito menos seria aceitável que fosse o prolongamento institucional de uma historiografia oficial. Pelo contrário, a Academia Portuguesa de História só tem a ganhar por ser uma casa de liberdade para o investigador, uma casa na qual a autoridade é o fruto devido do saber e do trabalho.
A história, nas palavras imortais de Cícero, é “testemunha dos tempos, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, mensageira do passado”.
No entanto, o facto histórico, tal como o podemos conhecer cientificamente, é mais frágil do que prometia o grande orador romano.
A história, como disciplina científica, é um encontro permanente entre os feitos dos homens de antanho e o presente dos homens que hoje a interrogam. Neste domínio, uma nova explicação pode impor-se porque suporta melhor o olhar do seu tempo. Por outras palavras, pode impor-se porque melhor responde à pergunta que cada historiador, em cada época, entende colocar ao seu passado.
Servidor de uma disciplina científica que deseja ser testemunha dos tempos, compete a cada historiador e, por maioria de razão, mas com especial intensidade, também ao académico, fazer o seu juízo sobre o passado.
Ora, a história é mais do que relato dos acontecimentos, é mais do que memória do passado. A história – a história vivida dos homens, não a sua disciplina científica -, é livre, não é escrita pelo historiador. Acontece lá fora, para além destas paredes. Mas a interpretação que vós, historiadores, dela fazeis é indispensável para que o juízo do cidadão – que é, também ele, um facto histórico – possa ser justo.
O juízo do historiador contribui então, e tanto mais decisivamente quanto maior for a autoridade de quem o emite, para a formação consciente das convicções de cada um. Eis, numa sociedade democrática, a grande responsabilidade do historiador.
Grande responsabilidade, com efeito. Porque o juízo dos cidadãos sobre o passado é precário, decerto, reversível, seguramente, mas esse é o juízo que conta.
O cidadão português avalia. Avalia, sempre. Tem o superior direito de avaliar. Avalia o que foi feito. Avalia o que deveria ter sido feito. Os homens públicos sabem-no: em democracia, por natureza, os cidadãos são os derradeiros árbitros da verdade.
Como Portugueses, mudámos e mudaremos. Mas, absorvendo as mudanças, continuamos. Continuamos algo que D. Afonso Henriques começou, um elo que os Portugueses de todos os tempos abraçaram e que conduziu àquilo que hoje somos. Um elo que nos distingue de outros povos e de outras nações. Uma existência comum quase milenar, destinada a continuar.
Para continuarmos, porém, teremos de ser sempre capazes de fazer juízos sobre o que aconteceu. A disposição para interrogar o passado e para nele buscar novas respostas é, mesmo, a primeira condição para edificarmos um futuro comum, como bem podemos concluir da erudita intervenção sobre a identidade que nos une que a Prof. Doutora Maria Helena da Cruz Coelho acabou de proferir.
A Academia Portuguesa de História está, ela também, destinada a continuar. Honrando os académicos de sempre, estou certo de que vós, os académicos de hoje, sereis testemunhas dos tempos e mensageiros do passado, abraçando o elo que, sempre com a mesma autenticidade, vos conduzirá até aos académicos vindouros e até ao juízo que amanhã se fará sobre o nosso tempo.
Recebi, nesta Sessão Solene, as insígnias académicas conferidas, por inerência, ao Presidente da República. Fico bem ciente de que, nos termos dos Estatutos desta Academia, o Presidente de Honra se encontra equiparado, “no que respeita a direitos e deveres, aos académicos de número”. É uma subida honra. É, também, uma forte responsabilidade.
Investido nesse cargo em virtude do exercício da Suprema Magistratura da Nação, quero dizer-vos que a coincidência não é por mim sentida, de modo algum, como artificial. Talvez porque sempre me senti vinculado ao dever de autenticidade que também obriga o historiador e procurei, em todos os momentos e acima de tudo, cumpri-lo.
Como Presidente de Honra, asseguro-vos, Senhora Presidente da Academia Portuguesa de História, Ilustres Académicos, que o que estiver ao meu alcance farei para que esta Academia continue a sua insigne missão como testemunha dos tempos e mensageira do passado.